A precarização do trabalho na prestação de serviços para o setor de telecom por parte de empresas irregulares está movimentando governo federal, parlamentares, sindicatos e entidades patronais na busca por medidas contra práticas danosas na instalação de redes – sobretudo nas aéreas, fixadas em postes.
Nesta sexta-feira, 23, o tema foi objeto de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Convocado pelo deputado estadual Luiz Fernando Teixeira (PT), o encontro teve um posicionamento uníssono de participantes contra os chamados "gatos" – ou empresas clandestinas atuantes na prestação de serviços de banda larga e TV por assinatura.
Entidades sindicais paulistas e de outros estados apontaram cenário dramático causado pela atuação das operadoras irregulares. Fenattel, Fitratelp, Sinttel e Sintetel relataram situações de óbito de trabalhadores por choques elétricos, subnotificação de acidentes, más condições salariais, casos quarteirização e "quinteirização", falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), casos de alojamentos irregulares e até mesmo situações análogas à escravidão.
A própria relação da cadeia irregular com o crime organizado foi pontuada – inclusive com o deputado estadual Teixeira citando denúncias que a facção PCC estaria explorando o mercado no estado de São Paulo, a exemplo do realizado por milícias em estados como o Rio de Janeiro. O uso de equipamentos roubados das teles regulares também foi apontado – inclusive pela representante da Feninfra, Vivien Suruagy, que participou da audiência em nome das prestadoras de serviços regularizadas.
Fiscalização
O debate na Alesp contou com representantes do Ministério do Trabalho e Emprego. Em São Paulo, uma ação especial setorial (AES) focada nos setores de energia e telecomunicações está em curso desde o ano passado, quando o foco ainda esteve no setor elétrico. Segundo o chefe da seção paulista de saúde e segurança do trabalho do Ministério do Trabalho, Guilherme Besse Garnica, neste ano o diálogo no estado deve ser mais direcionado à atuação das empresas de telecomunicações, em atividade que já está sendo iniciada.
A pasta também relatou como desafios a desmobilização de iniciativas de fiscalização na gestão de Jair Bolsonaro e problemas com falta de efetivo – especialmente no estado de São Paulo, mas com perspectiva de mudanças a partir da realização de concursos para contratação de novos fiscais, segundo o superintendente do Trabalho e Emprego no estado, Marcus Alves de Mello.
O caráter nacional do tema também estaria resultando em movimentação para uma audiência pública no Congresso, segundo o deputado Luiz Fernando Teixeira. Na ocasião, o parlamentar questionou a atuação da Anatel e do Ministério das Comunicações (MCom) diante do problema, além de classificar como omissa a postura do Ministério Público do Trabalho (MPT), que não enviou representante à audiência.
A chegada do debate em Brasília estaria sendo articulada por Teixeira ao lado de deputados federais da bancada do PT; a intenção é trazer para a discussão os chefes do MCom, Juscelino Filho, e do Trabalho, Luiz Marinho – do qual o deputado estadual paulista é próximo. Luiz Fernando Teixeira também é irmão do ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, cogitado para chefiar o MCom na fase de transição de governo.
Outro foro onde a precarização deve ser discutida é o Conselho Nacional do Trabalho, agora reinstalado pela gestão federal. Representante do Sincab (dos trabalhadores da cadeia de TV por assinatura) e membro do órgão, Canindé Pegado indicou que vai defender a criação de um grupo de trabalho sobre a situação de trabalhadores de telecom ao longo das atividades do conselho.
Assimetria
Presente no debate, a Anatel apontou atuação no limite de suas competências como reguladora do setor e trabalho conjunto com órgãos como a Polícia Civil e Federal no combate às empresas irregulares.
Um caso recente fruto das parcerias foi relatado por José Humberto Sverzut, da gerência regional da agência em São Paulo, e envolveu a descoberta de roubos em um depósito de uma grande operadora – em caso que contava com envolvimento de funcionários e o crime organizado. Em paralelo, a própria revisão da Anatel/Aneel para as regras de uso de postes e a possibilidade de uma diretriz do executivo para o tema devem ajudar no combate à precarização, entende a reguladora.
Já a presidente da Feninfra, Vivien Suruagy, reiterou preocupação que as práticas das empresas "fantasmas" estejam criando uma bomba-relógio na forma de redes de telecom sem conformidade técnica. O cenário seria fruto da chegada de entrantes que não seguem regras fiscais ou trabalhistas e poderia se acirrar com possibilidades como a da prestação do serviço de telecom por cooperativas, algo discutido no Congresso.
Para Suruagy, o combate à precarização passa necessariamente pela revisão de assimetrias regulatórias para pequenos, de forma que regras de segurança cibernética sejam mandatórias para todas as empresas da cadeia. Outros pontos defendidos pela dirigente incluem um selo de qualidade para empresas prestadoras de serviços de rede e a recrudescimento de penas para roubos e furtos de equipamentos.
De forma geral, os participantes da audiência na Alesp eximiram grandes grupos do setor e as maiores provedoras regionais (como as reunidas na TelComp) das práticas de precarização, restringindo críticas aos provedores de Internet menores e não homologados pela Anatel (contingente que pode chegar a dezenas de milhares de empresas no País). Ainda assim, medidas de reajuste real de salários para terceirizadas e valorização também de profissionais da área do atendimento foram cobradas por sindicalistas.