Marco Civil da Internet tem saldo positivo e desafios, avalia Mielli, do CGI.br

Renata Mielli, do CGI.br

Legislação que completou dez anos nesta semana, o Marco Civil da Internet (MCI) tem cumprido seu papel no ecossistema digital brasileiro e pode conviver com evoluções diante de novos desafios – como a responsabilidade legal das grandes plataformas. Essa é a avaliação da coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Renata Mielli.

Em conversa com TELETIME, a dirigente do órgão multissetorial de governança da Internet no País fez um balanço de alguns dos principais dispositivos do MCI – como a neutralidade de rede e as regras de responsabilização de aplicações de Internet. A conversa ocorreu como parte dos preparativos para a NETmundial+10, que discute os rumos da Internet global a partir da próxima segunda-feira, 29, em São Paulo.

"O Marco Civil da Internet trouxe segurança jurídica para o florescimento e desenvolvimento da Internet no Brasil e creio que tem cumprido um papel importante. Muitas das questões que estão colocadas lá continuam válidas para os dias de hoje, mas temos desafios imensos não do ponto de vista da lei, mas da aplicação e da interpretação que ao longo dos anos foi feita em torno de alguns artigos do Marco Civil", indicou Mielli.

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"Por mais que se tenha procurado criar uma lei bastante principiológica, o próprio ecossistema da Internet sofreu mudanças muito profundas nesse período. Sem dúvida, alguns dispositivos podem e devem ser revistos, a partir de uma perspectiva multissetorial, para se chegar à conclusão se eles precisam ou não ser modificados para atender os desafios atuais", seguiu a coordenadora do CGI.

Interpretação equivocada

Neste sentido, um dos pontos do MCI que mais suscita debates é o artigo 19 da lei, sobre a responsabilização de aplicações pelo conteúdo gerado por terceiros. Para Mielli, a regra foi essencial para garantir segurança jurídica no ecossistema de Internet, mas também motivou uma interpretação jurídica errônea de que representaria uma blindagem às big techs.

"Houve uma interpretação equivocada daqueles que consideram que o Artigo 19 blinda as plataformas e impede que elas atuem no sentido de coibir a desinformação ou o discurso de ódio. O Marco Civil não é uma lei que trata da regulação de plataformas de rede social, ela trata da Internet. Se derrubarmos o Artigo 19, vamos gerar um problema muito maior", defendeu Mielli.

Isso porque o regime de responsabilidade continua válido para a maioria das aplicações de Internet existentes no ecossistema digital, argumenta a coordenadora do CGI.br. A lista engloba websites em geral, registros de domínio ou players de hospedagem, por exemplo. "Há uma enormidade de tipos de aplicação de Internet que, de fato, não tem responsabilidade, a priori, sobre o conteúdo de terceiros", aponta Mielli.

"O fato é que o Brasil precisaria ter evoluído na sua estrutura regulatória e olhado a necessidade de regras específicas para determinados tipos de aplicação da Internet. Redes sociais é um desses casos: é um tipo particular de plataforma, que tem impactos na democracia, na cultura e no comportamento das pessoas", completou a presidente do CGI.br – lamentando que o Legislativo ainda não tenha conseguido avançar no tema.

Neutralidade de rede

Em paralelo, há a discussão sobre a neutralidade de rede, regra que impede as operadoras de telecom de fazerem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação. Questionado por empresas do setor, o dispositivo foi retomado nesta semana nos Estados Unidos, após ser repelido em 2017.

Já no Brasil, a fixação da regra desde 2014 teria sido fundamental, opina Mielli. "Se não tivéssemos aprovado a neutralidade da rede no Marco Civil, minha percepção é que a Internet que a gente conhece hoje seria algo completamente diferente e os desafios que teríamos para lidar, muito maiores. Ela impediu modelos de negócio que poderiam ser muito predatórios, seja do ponto de vista econômico, seja para os usuários", afirmou.

"No entanto, ainda temos problemas, principalmente no que diz respeito ao modelo de negócios estabelecido pela oferta de Internet móvel no País, que seguia o modelo de zero-rating (no qual as operadoras de telecomunicação estabelecem acordos comerciais com algumas plataformas, oferecendo essas aplicações de forma gratuita ao usuário). "Creio que esse é o principal dilema que ainda precisamos enfrentar no que diz respeito à neutralidade da rede no Brasil".

NETmundial+10

As discussões sobre os rumos da regulação e governança da Internet devem marcar o NETmundial+10, que ocorre nos próximos dias 29 e 30 de abril.

O esboço da declaração final do evento já foi disponibilizado (confira aqui, em inglês) após receber 154 contribuições de todos os setores envolvidos no uso e no desenvolvimento da Internet. Agora, os apontamentos da consulta do NETmundial+10 serão levados para debate entre os participantes de mais de 60 países aguardados em São Paulo.

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