O porquê e o que importa na onda de M&As entre ISPs

Paralisada pela eclosão da pandemia, a economia brasileira registrou uma recessão de 4,1% em 2020. De lá pra cá, afora o crescimento de 4,6% no ano seguinte – mais uma reposição de perdas sobre uma base muito baixa do que uma expansão de fato – o PIB só andou de lado. Nesse cenário, a que quase todos os setores sucumbiram, os ISPs cresciam e se multiplicavam, protagonizando a alta de 33,3% no número de acessos à banda larga no país. Além dos evidentes ganhos sociais resultantes da oferta do serviço em áreas ignoradas pelas grandes teles, essa ação rendeu lucros e, desta forma, atraiu capital.

Os números da Anatel, porém, indicam, se não o fim desse movimento, uma expansão bem mais modesta daqui para frente. Entre janeiro e outubro, as novas conexões representavam uma expansão de 4,9%. Fica claro que 2022 será o pior dos últimos anos para o segmento, responsável maior pelas altas de 10% em 2020 e 14% em 2021 no número de acessos à Internet rápida. O ritmo passa a ser outro já que, conforme o IBGE, 90% dos lares brasileiros têm conexão à Internet.

Mesmo assim, investidores continuam interessados nos PPPs. Não à toa. Embora tímido ante ao de anos anteriores, o desempenho do segmento será um dos melhores da economia brasileira em 2022. O que o capital busca, nestes casos, é, novamente, crescimento, só que este não se dará mais de forma orgânica, mas por meio de fusões e aquisições que, em curso já há um tempo, reduzirão em muito o número de empresas no mercado.

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Exemplos nesse sentido não faltam. Em 2021, conforme a Abranet, houve, pelo menos, 80 aquisições de ISPs. No início do ano passado, o Nova Fibra foi comprado pela Copel Telecom. Mais recentemente, o Link Mais passou a ser controlado pela Americanet e, no primeiro dia útil deste ano, a Unifique anunciou a aquisição da ViaWebRS. A onda de M&As conta também com capital estrangeiro. Desde o ingresso da gestora de fundos norte-americana Grain Management em seu capital, o grupo Alares – antigo Conexão –, já realizou pelo menos seis compras.

O movimento se intensifica, o que leva diversos escritórios de advocacia e consultorias em M&A a criar áreas especializadas em provedores de Internet. Com expertises em outros segmentos, observam fundamentos básicos que apontam a saúde e sustentabilidade de quaisquer empresas quando analisam ISPs que poderão ou não ser incorporados por outros.

Na maioria dos casos, o que prevalece são os números de acessos e os indicadores financeiros – receita, lucro, ticket médio etc –, tributários e normativos. Um dos pontos mais valorizados dos PPPs é a rede, por conta da dependência que a transmissão de dados viabilizada pelo 5G – e mesmo pelo 4G – tem do cabeamento de fibra óptica. Essa variável, porém, tende a ser relativizada à medida que o compartilhamento de redes torna-se mais usual no mercado.

São os aspectos normativos que, ao serem negligenciados ao longo do tempo, sentenciam número significativo de provedores, principalmente entre os provedores de menor porte, ainda muito pulverizados e mais sujeitos a abalos decorrentes da concentração em curso. Estes, ao invés de se fundirem com outros, perderão mercado para concorrentes mais capitalizados e, por fim, desaparecerão.

Não é preciso ser especialista para perceber o quanto é comum o descaso de ISPs com aspectos administrativos, em particular, os regulatórios. Basta observar pelo noticiário as constantes revisões que a Anatel tem de fazer quando mensura o número de conexões de banda larga ativas no país, por conta de atrasos nos envios de relatórios por parte dos provedores. Obrigação básica de prestadores de SCM, esses dados são fundamentais para a autarquia, que os utiliza como base para suas políticas de expansão do serviço, ainda inacessível a 7,3 milhões de famílias, segundo o IBGE.

Prova da importância que a agência dá a essas informações são as inovações sucessivas implantadas em seu sistema de envio, que passou do SICI para DICI no início de 2021 para depois ser convertido no Coleta de Dados Anatel. Ao desprezar algo tão valorizado pelo agente regulador, parte significativa dos PPPs dá indícios de como está sua gestão. Sendo que os advisers de operações de M&A buscam sempre algum grau de governança nas empresas, não é difícil supor que muitas ficarão pelo caminho.

Mesmo com margens menores, os ISPs têm ainda como crescer. Para tanto, a simples oferta de banda larga não basta mais. As empresas do segmento têm de se adequar a uma nova realidade, em que os aspectos administrativos ganham importância inédita.

* – Sobre o autor:  Fabrício Viana é sócio da VianaCom e da RadiusNet, empresas especializadas em consultoria regulatória e software de gestão para provedores de Internet. As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente representam o ponto de vista de TELETIME.

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