Anatel avaliou metade dos bens reversíveis com valor nulo, aponta relatório técnico do TCU

Copo meio cheio - ou meio vazio. Foto: Pixabay

A área técnica do Tribunal de Contas da União considerou que os cálculos da consultoria Axon aprovados pela Anatel para o saldo da adaptação das concessões seriam "provisórios e, em alguma medida, incompletos". Incluído na decisão tornada pública na quinta-feira, 23, o relatório da Secretaria de Infraestrutura Hídrica, de Comunicações e de Mineração (Seinfracom) do TCU traz diversos questionamentos. Importante ressaltar que nem todos os argumentos do relatório técnico foram acolhidos no acórdão, como o saldo de mais de R$ 2 bilhões que seria devido pelas concessionárias por conta de venda de ativos de bens reversíveis já efetuadas. Ainda assim, o relatório técnico azem importantes considerações – como a de que metade dos bens reversíveis teria valor nulo nos cálculos do órgão regulador. 

Até porque o assunto é complexo. O processo nº 036.367 é de 2016 – ou seja, de três anos antes mesmo da atualização da LGT, por meio da Lei nº 13.879/2019. E muitos dos entendimentos não foram ainda pacificados. Há também uma ressalva: por que alguns dos ativos considerados de valor nulo pela Anatel no cálculo estão sendo agora objeto de transações bilionárias pelas concessionárias? Na decisão do plenário, o Tribunal acatou argumentos da agência para justificar a metodologia adotada, mas outros elementos ainda estão sendo avaliados em processos específicos.

Os aspectos técnicos que levaram ao saldo de R$ 22,6 bilhões nas contas da agência foram alvo de pesado escrutínio pela Seinfracom. Na decisão do Plenário, os ministros optaram por não seguir a área técnica, que sugeriu que houvesse uma reavaliação de diversos ativos da RBR. 

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Na metodologia da Anatel, a parcela C1 se refere ao valor real dos ativos considerando os livros contábeis na data da adaptação, sob perspectiva de venda de edifícios, terrenos, postes, torres, dutos, cabos de fibra óptica, direito de passagem e equipamentos ativos de rede. Os demais ativos, no entendimento da agência e da Axon, teriam valor contábil nulo. 

Conforme pontuam os técnicos do TCU, "os demais tipos de bens reversíveis também foram valorados pela Axon e pela Anatel com base no valor líquido contábil, sem que fosse realizada qualquer reavaliação ou fosse apresentada a justificativa da opção pela não reavaliação". O problema, afirmaram no relatório, é que "isso corresponde a milhares de ativos, a exemplo do caso de 71,3% dos bens reversíveis da Sercomtel", incluindo fibras, postes, torres, automóveis etc. como ativos de valor nulo. O Tribunal pontua o caso da operadora de Londrina, entretanto, ao mencionar que um Fiat Uno fabricado em 2011 que teve valor contábil considerado igual a zero tem o valor de mercado de R$ 25 mil, segundo a Tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Ainda assim, a consultoria e o regulador qualificaram "diversos carros Fiat Uno do ano 2011" com valor contábil igual a zero.

O caso da Sercomtel é o maior proporcionalmente, mas em termos de quantidade de bens reversíveis, tanto a Vivo quanto a Oi possuem mais da metade da totalidade desses ativos classificados com valor contábil igual a zero – 50,07% e 50,12%, respectivamente. No total, 1,426 milhão de ativos foram classificados com valor nulo, ou aproximadamente 49,18% do total de bens reversíveis. 

"Por conseguinte, segundo o parâmetro de cálculo C1, pretende-se conceder às operadoras de STFC, sem nenhuma contraprestação financeira para a União, cerca de 1,4 milhão de bens reversíveis que, imperativo ressaltar, encontram-se atualmente em uso na prestação de serviços de telecomunicações."

A Anatel chegou a se manifestar com base em versão preliminar do relatório da área técnica do TCU, dizendo que os argumentos já haviam sido considerados e abandonados, justificando com a "baixa materialidade e incerteza adicional na definição do cálculo do valor residual." A Seinfracom diz que os fundamentos apresentados somente em novembro do ano passado constituiriam em fato novo. A agência argumentou que, das 15 categorias de bens reversíveis, apenas quatro poderiam ter opção de apurar valor residual (torres, veículos, postes, prédios e terrenos). Mas não teriam sido encaminhados estudos para comprovar essa avaliação, diz o relatório.

Ativos passivos como edifícios e terrenos teriam valor independente da prestação, enquanto o de redes (cobre, dutos, poste, fibra) é avaliada conforme potencial de negócio. Além disso, coloca a Anatel, há "uma oferta e demanda real de prédios e terrenos", o que não aconteceria no caso dos demais ativos de infraestrutura passiva, e por isso teriam valor reavaliado. 

A parcela C2 diz respeito ao valor da exploração, ou "o valor de negócio que a União ou o sucessor da concessão, caso fosse dada continuidade à prestação do STFC, poderia extrair dos ativos reversíveis". Neste caso, a Anatel concluiu que o valor seria negativo, considerando o custo da manutenção do serviço defasado. No total, o cálculo é de R$ 40,57 bilhões negativos para o valor em uso dos bens reversíveis, contra R$ 22,34 bilhões do valor contábil líquido (C1). Assim, o relatório diz que as distorções "são as maiores possíveis de se observar". A situação pode ser ainda mais agravada considerando que a RBR empregada pela Anatel ainda contém itens que se encontram em processo de depreciação. 

Negócio bilionário

Porém, o relatório técnico cita notícias mostrando que há interesse significativo de empresas em rede de cobre da Oi e da Algar Telecom, ao ponto de a sucata compensar os custos de desinstalação. Além disso, o Tribunal menciona a venda das torres fixas da Oi para a Highline por R$ 1,69 bilhão e a da própria alienação da InfraCo/V.tal para o BTG Pactual por R$ 12,9 bilhões. Ou seja: há a contestação de que tais ativos poderiam, de fato, ser considerados de valor nulo para o cálculo. Nesse ponto, fica nítida a visão patrimonialista da Seinfracom, já que o fato de as torres ou a rede de cobre terem sido vendidas não significa que não haverá a possibilidade de prestação de serviços, o que pode ser feito por meio de detentores de rede terceirizados.

"Há outros exemplos no setor de telecomunicações acerca da alienação e da aquisição do mesmo tipo de infraestrutura ou até dos próprios bens reversíveis do STFC, que estão sendo avaliados pela Anatel para fins da adaptação das concessões. Assim, observam-se evidências de que a valoração dos bens reversíveis com base no seu valor contábil depreciado ou amortizado, sem que seja realizado um abrangente processo de reavaliação dos ativos de infraestrutura, pode representar uma subestimação dos seus valores reais.", diz a Seinfracom.

O caso da venda das torres da Oi para a Highline é destacado porque indicaria a liquidez dos ativos de infraestrutura, "contrariando as premissas apresentadas" pela consultoria e a agência, além de ser recente e, por tanto, representando uma realidade mercadológica atual. Há ainda a questão que se tratam de 88% do total de torres, conferindo "maior relevância estatística". Tanto que a Seinfracom usou como base o mesmo valor de R$ 212,13 mil por torre na transação e aplicou às demais concessionárias – significativamente acima dos R$ 42 mil/torre utilizados pela Anatel. Desta forma, contabilizando custo de aquisição de valor contábil, chega ao preço médio de R$ 105,1 mil por torre – novamente, mais do que o dobro da avaliação prévia da agência.

Metodologia

Apesar de ter sido aprovada no Plenário do TCU, a própria metodologia para o cálculos dos bens reversíveis pela Anatel e pela Axon foi questionada no relatório da Seinfracom. Isso porque a agência utilizou aproximações e variáveis intermediárias (proxies), opção que aumentaria a complexidade e o risco de fidelidade dos cálculos, porque considera percentual de uso igual à proporção entre contribuição dos custos alocados aos produtos e a contribuição dos custos às contas contábeis das concessionárias. 

O relatório diz que não é possível calcular com exatidão esse custo, e diz que não há comprovação de que a premissa é verdade por conta das diferenças entre as concessionárias. "Recorda-se que há concessões de STFC abrangendo poucas cidades, caso da Sercomtel e da Algar, concessões em um estado, caso da Telefônica, concessões em 26 unidades de federação, caso da Oi, e concessão em todo o Brasil, caso da Claro."

O entendimento é de que houve desconsideração do valor residual de expressiva parte dos ativos, incluindo vários ainda com "vida útil". No Manual de Contabilidade Aplicado ao Setor Público (MCASP), há o comando de que o órgão realize a revisão da vida útil e do valor residual do ativo a cada final de exercício financeiro. 

Há também o questionamento do argumento da Anatel de que o desligamento de redes legadas seria "a tal ponto oneroso, que exigia anos para sua realização e, em alguns casos, levou ao abandono de redes metálicas legadas". Os técnicos do Tribunal reforçaram que não são apenas as redes metálicas na relação de bens reversíveis, mas vários itens de redes de fibra, além de outros ativos como torres e dutos, que podem ser explorados com aluguel, por exemplo. "Assim, proceder com a precificação de milhões de ativos de infraestrutura das redes, como subcategorias de cabos de cobre, cabos de fibra ótica, dutos, torres e postes, em zero real, sem que uma análise específica seja realizada, não se mostra uma abordagem aceitável", diz o relatório.

A própria Anatel colocou que apenas os terrenos e edifícios deveriam ser reavaliados, mas a Secretaria do Tribunal de Contas afirma que a agência não apresentou qualquer justificativa para a não reavaliação de demais bens reversíveis, "a exemplo de equipamentos de comutação e de roteamento, gateways e outros ativos de rede relacionados". 

Para o caso de ativos de difícil conferência in loco, como cabos de cobre, fibras ópticas e dutos, o próprio MCASP considera utilizar parâmetros de referências com características, circunstâncias e localizações assemelhadas. "O que se mostra inadequado seria não proceder com a reavaliação dos referidos ativos, e adotar diretamente seu valor contábil líquido que, deve-se registrar, muito provavelmente é nulo." Por isso, sugeriu a determinação de a agência reavaliar o valor contábil do ativo considerando o direito de passagem. Assim, restou aceitar o "processo de reavaliação específico para alguns grupos de ativos". Para os equipamentos ativos de rede, por sua vez, disse que "mostra-se aceitável processo de reavaliação para os itens adquiridos posteriormente a uma referência temporal estabelecida pela própria Anatel".

Declarações

A Anatel apresentou diversas estatísticas que demonstrariam a desvalorização das redes de cobre, seja por defasagem tecnológica, seja por depreciação de tempo de vida útil. Mas a Seinfracom ressalta que há o componente do direito de passagem contratualmente pactuado entre as empresas do setor. Tanto que o próprio presidente Carlos Baigorri chegou a afirmar que esse e os contratos de pontos de fixação nos postes de energia seriam o maior atrativo para o novo leilão de concessão que está sendo preparado pela agência para 2025 caso as empresas atuais não optem pela migração. "Assim, causa espécie que a projeção de receitas para 'o maior atrativo da nova licitação da concessão de telefonia fixa' apresente somatório de receitas totais igual a zero ao longo de todo o período compreendido entre os anos 2019 e 2043, nos termos da metodologia de cálculo adotada pela Anatel."

Um importante dado, com base em planilhas apresentadas pela Anatel, mostra que os valores de bens reversíveis adquiridos pelas concessionárias cresceu no período de 1997 a 2019, incluindo nos últimos anos. Por isso, diz o relatório, não se sustenta a premissa de atribuir nenhum valor de mercado a esses equipamentos. 

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