Retrospectiva regulatória: os casos decididos pela Anatel que definiram as telecomunicações em 2023

Alexandre Freire, conselheiro da Anatel

Com um pouco mais de um quarto de século de existência, a Anatel se vê cada vez mais envolvida em novos e complexos desafios para o cumprimento de sua missão institucional, que é a de levar conectividade significativa e promover a cidadania digital a milhares de pessoas. No ano de 2023, dentre as matérias e processos analisados, selecionei os casos comentados ao longo do presente texto como os de maior relevância.

Os casos elencados evidenciam uma mudança relevante no perfil da Anatel, que vem sendo desafiada na transição digital que se intensifica nos últimos anos.

Os resultados obtidos, por sua vez, expressam tanto a capacidade de resiliência da Agência frente a essas novas demandas como o seu alinhamento com os temas debatidos internacionalmente em diversos fóruns de discussão, tais como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico e a Organização das Nações Unidas – especialmente, quanto a esta última, no que diz respeito às diretrizes da União Internacional de Telecomunicações e à efetivação da Agenda 2030 no setor de telecomunicações como um todo.

Notícias relacionadas

Cláusulas de exclusividade em Ofertas de Referência de Produtos do Atacado (ORPAs) de Roaming

Nos processos 53500.002674/2019-92, 53500.005014/2019-63 e 53500.002679/2019-15, discutiu-se se as grandes operadoras (TIM, Telefônica e Claro) poderiam impor cláusulas de exclusividade em Ofertas de Referência de Produtos de Atacado (ORPAs) de roaming nacional, em face de operadoras que não detenham poder de mercado significativo, especialmente considerando o cenário resultante da alienação da operação da Oi na telefonia móvel, em que o mercado brasileiro se revelou mais concentrado e, portanto, menos competitivo.

Alexandre Freire, conselheiro da Anatel

As ORPAs/Roaming Nacional são um dos remédios concorrenciais de atacado mais relevantes, pois têm o papel de viabilizar que as entrantes possam dotar suas ofertas de atributos essenciais e indispensáveis para competir no Serviço Móvel Pessoal (SMP): a mobilidade e cobertura em todo o território nacional.

Diante desse cenário, em que o mercado de serviço móvel pessoal, em virtude dos altos custos de entrada e da intensividade do emprego de capital na sua manutenção e desenvolvimento, o Conselho Diretor da Anatel entendeu que essas grandes operadoras, ao imporem cláusulas de exclusividade em suas ORPAs de roaming, devem atender os termos do Acórdão nº 9/2022, em que se assentaram as condições para alienação da participação da Oi S.A. no SMP.

Por fim, em votos-vista, ponderei que a manutenção do entendimento no sentido da impossibilidade de emprego generalizado de cláusulas de exclusividade encontra ressonância em precedentes do Conselho Diretor da Agência e no padrão decisório desenvolvido pelas superintendências envolvidas nesses casos.

Destaquei que é importante preservar a confiança legítima do administrado nas instituições estatais e que, apesar da consistência da argumentação apresentada pelas operadoras no sentido de que a manutenção das cláusulas de exclusividade contribuiria para a ampliação da infraestrutura da rede, não há evidências empíricas sólidas em tal sentido.

Acrescentei, ainda, que, consoante recomendações da OCDE, é importante reduzir as barreiras à entrada no setor e incentivar o ingresso de novos entrantes, em que o Brasil, como antecipado, vem sendo marcado por uma maior concentração de mercado após a alienação da operação da Oi S.A. na telefonia móvel.

Nesses votos-vista, procurei conciliar as teses que evidenciam uma multiplicidade de visões do Conselho-Diretor a respeito do tema. Felizmente, a fundamentação apresentada para essa elucidação foi acolhida à unanimidade.

Segurança Jurídica e metodologia para aplicação de multas

No processo 53500.025517/2019-55, discutiu-se o primeiro caso de caráter sancionador envolvendo o manejo inadequado de postes para fixação de fiação de telecomunicações por entidade regulada pela Anatel.

O manejo inadequado de postes tem repercussão nacional em virtude dos diversos acidentes ocasionados a consumidores transeuntes (ou bystanders), não havendo, até então, nenhum precedente do Conselho Diretor da Anatel a respeito do ponto, apesar das rotineiras notícias de acidentes pela imprensa.

Além de reconhecer por unanimidade a caracterização da infração, o Conselho Diretor da Anatel debateu a aplicação adequada de pena de multa ao caso, uma vez que não havia metodologia específica para essa situação. Concluiu-se que a metodologia para obrigações gerais deveria ser aplicada nesse contexto.

Todavia, a autoridade responsável pela decisão em primeira instância administrativa, entendeu que a penalidade resultante da aplicação dessa metodologia, aproximadamente R$ 260.000,00 (duzentos e sessenta mil reais), não guardaria proporcionalidade com a situação. Portanto, com base em critérios de proporcionalidade, optou por impor uma multa no valor de R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) à infratora.

Na condição de relator do caso, discordei desse posicionamento e entendi que, em respeito aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, dada a circunstância de que já haveria uma norma geral inclusiva para o cálculo da multa, o valor inicialmente fixado em primeira instância deveria ser reduzido para se adequar à metodologia acima mencionada.

Em minha manifestação, registrei que é essencial que as instituições observem os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, pois a atuação inesperada da Administração, por mais meritória que seja, pode gerar prejuízos ainda maiores em virtude do sentimento de imprevisibilidade que isso pode gerar na sociedade como um todo. Atentei, ainda, que disposições inseridas na reforma da LINDB em 2018, aplicáveis ao ambiente regulatório, dão sustentação a esse entendimento.

Aliás, esse entendimento foi incorporado posteriormente, em novembro de 2023, à revisão do PGMU, cuja minuta de proposta normativa deverá ser objeto de consulta pública conforme determinação do Conselho Diretor, em processo de minha relatoria.

No entanto, o Conselho Diretor, por maioria, entendeu por manter a multa aplicada no valor fixado em primeira instância administrativa, no valor de R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), dando maior ênfase ao princípio da proporcionalidade no caso concreto.

Nessa deliberação, propus aplicação de multa resultante da metodologia de obrigações gerais, que resultaria em aproximadamente R$ 260.000,00 (duzentos e sessenta mil reais), conforme mencionado acima. Mas restei vencido.

Arbitragens no setor de telecomunicações e solução consensual de litígios

Oi S.A., em recuperação judicial, Telefônica Brasil S.A. e Claro S.A., Sercomtel S.A. Telecomunicações e Algar Telecom S.A., concessionárias do serviço de telefonia fixa comutada, promoveram procedimento litigioso de arbitragem em desfavor da Anatel, no qual a União figura como terceiro interveniente. O cenário ganha contornos de relevância em virtude de as concessões respectivas encontrarem-se em vias de encerramento nos próximos anos.

Elas pedem, em conjunto, o pagamento de cerca de R$ 53 (cinquenta e três) bilhões por prejuízos econômicos resultantes da concessão, após correção monetária (R$ 16 bilhões, antes da aplicação de encargos monetários).

Apesar dessa situação de litigiosidade, não se descarta, a princípio, a possibilidade de solução consensual para os casos. Isso envolveria a adaptação do modelo de concessão do serviço de telefonia fixa de público para privado como alternativa às arbitragens. Essa abordagem pode compreender as discussões em andamento no TCU sobre os valores devidos pelas concessionárias a título de adaptação, questões relacionadas aos bens reversíveis e a possibilidade de compensação com eventuais créditos titularizados pelo Governo Federal, entre outros.

Com essa premissa, a Anatel, na liderança do ilustre Conselheiro Artur Coimbra – apoiada pela gestão do Presidente Carlos Baigorri, o qual catalisou a discussão da matéria perante o Conselho Diretor da Anatel – e a Advocacia-Geral da União, enquanto representante processual da Agência e da própria União, decidiram provocar a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), do Tribunal de Contas da União, para a busca de uma solução amigável para os casos, o que se encontra ainda em desenvolvimento.

Por sua vez, a SecexConsenso tem por escopo, dentre outros, construir colaborativamente soluções consensuais na administração público e promover o diálogo com as instituições na prevenção dos conflitos.

As negociações, atualmente, foram admitidas pela referida Secretaria, mas se encontram suspensas em decorrência do recesso de fim de ano, que se estende até 16 de janeiro de 2024.

Sanção a pessoa física por comercialização de equipamento não homologado (combate à pirataria)

No processo 53542.001992/2019-40, em leading case inédito na Anatel, discutiu-se a punibilidade de pessoa física que, de alguma forma, está envolvida na circulação de produto não homologado que esteja sujeito à regulamentação da Anatel.

No julgamento, consignei, enquanto relator do caso, que esse tipo de conduta está associada à prática de violação de propriedade intelectual de conteúdo protegido, além de atividades de descaminho e pirataria, não raro com o envolvimento de organizações criminosas, devendo ser promovida a sua prevenção e repressão.

Pontuei, ainda, que esse é o primeiro caso decidido pelo Conselho Diretor, em que destaco a liderança do então Conselheiro Moisés Moreira, assim como da Superintendência de Fiscalização da Anatel, no tema.

Ao final, o Conselho Diretor da Anatel entendeu pela punibilidade da prática, tendo, todavia, reduzido o valor da multa aplicada.

Regulamentação conjunta do uso da infraestrutura de postes pela Anatel e pela Aneel

Com o passar dos anos, principalmente em decorrência da ampliação do uso da banda larga e da ampliação do número de prestadores nesse setor, houve uma ampliação da demanda pelo uso dos espaços reservados em postes para a passagem de fios, cabos e de outras estruturas relacionadas, de modo que esses prestadores pudessem fornecer os seus produtos e serviços de conectividade.

No entanto, isso levou a uma exploração predatória dessa infraestrutura.

Ante a incapacidade de os postes existentes conseguirem absorver toda essa demanda, e ante dificuldades de entendimento sobre quem deva fiscalizar o seu uso, houve um aumento significativo de ocorrências indesejadas, na forma de acidentes envolvendo consumidores transeuntes (bystanders) e na forma de ofensas à integridade do meio ambiente urbano, o que, ao fim e ao cabo, compromete a saúde da população como um todo.

Reunião do Conselho Diretor da Anatel aprova Regulamento Conjunto de Compartilhamento de Postes

Com isso, em outubro de 2023, o Conselho Diretor da Anatel aprovou proposta de Resolução Conjunta, em processo por mim relatado, para atualizar o regramento aplicável ao tema.

Dentre outros pontos, o texto aprovado contempla aspectos como condições para acesso à estrutura pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, prazo para adaptação dos novos contratos e para regularização do passivo de postes com utilização irregular, distribuição de responsabilidade quanto à operacionalização e administração da infraestrutura de postes pelas distribuidoras de energia elétrica ou pela administradora de infraestrutura – também conhecida como "posteira", que é apresentada como renovação da regulamentação, constituindo em entidade responsável por eventual exploração comercial dos postes – dentre outros.

Por sua vez, a Aneel e a Anatel apresentam divergências interpretativas em relação à facultatividade ou obrigatoriedade de fornecimento de acesso à infraestrutura pelas prestadoras de serviços de telecomunicações. Enquanto à Aneel entende que a distribuidora ou a "posteira" não é obrigada a fornecer tal acesso, a Anatel entende que, nos termos do art. 73 da Lei Geral de Telecomunicações, esse acesso é cogente, sem prejuízo do pagamento das contrapartidas e do atendimento das condições cabíveis.

Também foi aprovada consulta pública para avaliação de minuta de resolução conjunta para a precificação do uso dessa de postes pelas prestadoras de telecomunicações.

Na ocasião, destaquei o alinhamento da proposta aprovada com as Metas 7.b, 9.4 e 9.c e 11.1, 11.3, 11.7 e 11.a dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), relacionados ao desenvolvimento de infraestrutura.

Igualmente, ressaltei a sua importância no que diz respeito à criticidade das estruturas envolvidas na regulamentação, cuja resiliência deve ser assegurada, conforme Marco de Ações de Sendai, da Organização das Nações Unidas.

A minuta de resolução aprovada pelo Conselho Diretor da Anatel ainda pende de apreciação pela Aneel, pois o tema é de competência conjunta dessas duas agências reguladoras.

Infovias adicionais para o PAIS

Em dezembro de 2023, o Conselho Diretor da Anatel, em projeto sob a relatoria do ilustre Conselheiro Diretor Vicente Bandeira de Aquino Neto, aprovou a inclusão de novas infovias no Projeto Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS), a serem executadas após a conclusão das seis infovias previstas no Edital do 5G.

O PAIS é importante para o desenvolvimento do Brasil por viabilizar infraestrutura e acesso a serviços de telecomunicações em áreas de difícil acesso e por comunidades que se encontram, em muitos casos, alijadas desse importante meio de exercício da cidadania. O programa visa implantar rede de transporte de fibra óptica de alta capacidade ao longo dos rios da Região Amazônica e de redes metropolitanas nos municípios conectados à rede de transporte e foi criado pelo Decreto 10.800/2021.

As infovias adicionais contemplam os seguintes trechos: 01 – Santarém/PA – Aveiro/PA – Itaituba /PA que interligará três localidades, 02 – Almeirim/PA – Porto de Moz/PA – Senador José Porfírio/PA – Vitória do Xingu/PA – Altamira /PA que interligará cinco municípios, 03 – Barcarena/PA – Limoeiro do Ajuru/PA – Cametá/PA – Mocajuba/PA – Baião/PA – Tucuruí /PA que interligará seis localidades , 04 – Portel/PA – Melgaço/PA – Bagre /PA que interligará três municípios e 05 – Prainha/PA – Monte Alegre /PA que interligará duas localidades. 

A implantação dessas infovias ainda depende da avaliação e do atesto, pelo Grupo de Acompanhamento da Implantação das Soluções para os Problemas de Interferência na faixa de 3.5 GHz (GAISPI). Também se faz necessária a alocação de recursos para esses projetos adicionais. 

Em voto-vista, acolhido à unanimidade pelo Conselho Diretor da Anatel, observei que a oferta dos cabos de fibra ótica auxiliará a Anatel – e, por consequência, o Brasil – no cumprimento das Metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), uma vez que a disponibilidade desse cabeamento tornará viável a conexão de dados de qualidade à população, podendo proporcionar desenvolvimento econômico, social, ambiental e cultural à região.

Igualmente, mencionei que é necessário que se observem os Marcos de Sendai das Nações Unidas para manutenção da resiliência dessa estrutura, inclusive para que isso sirva como instrumento de resiliência da própria Amazônia. Neste ponto, registrei que esses Marcos devem ser observados durante toda a vida útil da estrutura de cabos, desde a sua concepção e implantação, até o seu descomissionamento. Na oportunidade, conclamei que a implementação do projeto seja norteada por um diálogo com o IBAMA, ICMBio, IPHAN e órgãos estaduais e municipais correlatos.

Posteriormente, em dezembro de 2023, em deliberação relatada pelo ilustre Conselheiro Artur Coimbra, o Conselho Diretor reafirmou esse entendimento, destacando a importância do diálogo com os entes acima mencionados, "no sentido de fortalecer o atendimento dos objetivos da Agenda 2030 nas fases subsequentes da implantação do PAIS".

Promoção da igualdade de gênero na composição da lista de conselheiros substitutos

Em novembro de 2023, encerrou-se o mandato do Conselheiro Diretor Moisés Moreira e, enquanto não se conclui o processo de indicação e nomeação de seu sucessor, ocupará o assento um Conselheiro Substituto.

Os conselheiros substitutos são designados a partir de três listas tríplices formuladas pelo próprio Conselho Diretor da Anatel. Essas listas são, em seguida, novamente avaliadas pelo Presidente da República, que escolherá um nome de cada uma das listas tríplices encaminhadas pela Anatel, consolidando, assim, a lista de substituição. Isto é, essa lista de substituição, conforme art. 10 da Lei 9.986/2000, "é formada por 3 (três) servidores da agência, ocupantes dos cargos de Superintendente, Gerente-Geral ou equivalente hierárquico, escolhidos e designados pelo Presidente da República".

A princípio, havia apenas oito nomes de um total de nove necessários para a composição das listas tríplices a serem encaminhadas.

Todavia, como relator do caso, posicionei-me no sentido de que o art. 10, § 2º, da Lei nº 9.986/2000, teria caráter mandamental, e enfatizei que é "obrigatório, portanto, que haja a indicação de três nomes para cada vaga, sendo que a lei não traz qualquer vedação caso o Conselho Diretor faça constar para a terceira vaga nome de candidato ou candidata que já integre a primeira ou a segunda lista tríplice".

Com base nessa premissa, indiquei a Superintendente Cristiana Camarate para compor duas das três listas enviadas.

Acrescentei que situações como essa já encontram precedentes na Administração Pública, ressaltando que, "por ocasião da composição inicial do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, o Exmo. Desembargador Federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz, então exercendo o cargo de Procurador Regional da República, concorreu às vagas destinadas a membro do Ministério Público Federal em duas listas tríplices simultâneas, as quais passaram pelo crivo do Pleno do Superior Tribunal de Justiça".

Reforcei a importância da efetiva participação feminina em posições estratégicas e de liderança da Administração Pública e de se promover a igualdade de gênero, em aderência à meta 5.5 do Objetivo 5 de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, salientei o simbolismo de Anatel exercer um protagonismo na implementação de políticas de igualdade de gênero.

Espero que, com o tempo, a Anatel se aproxime dos standards estabelecidos na Resolução nº 525/2023, do Conselho Nacional de Justiça, que criou uma política de alternância de gênero para aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de 2º grau.

A proposta foi acompanhada por unanimidade pelos demais integrantes do Conselho Diretor da Anatel.

Anuência prévia envolvendo a faixa de 700 MHz e consequencialismo decisório

No ano de 2021, houve a licitação dos lotes de frequência associadas à tecnologia 5G (nas frequências de 2,3 GHz e superiores). Além disso, também houve a licitação de faixas localizadas na frequência de 700 MHz, relacionada à tecnologia 4G, mas que se encontrava ociosa. Mais especificamente, essas faixas correspondem às frequências de 708 a 718 MHz e de 763 MHz a 773 MHz.

Esse lote do leilão foi idealizado para ser operado a partir de uma matriz de rede neutra. Isto é, dentre os compromissos a serem assumidos pela adjudicatária, consta a obrigação de ofertar a rede no atacado para terceiros provedores de varejo em condições isonômicas e não-discriminatórias, os quais fornecerão o serviço diretamente ao usuário final.

Além disso, a vencedora deveria assumir o compromisso de levar conectividade a mais de 30 (trinta) mil quilômetros de rodovias federais e a localidades sem 4G, em metas que são exigíveis já a partir do final do ano de 2023.

A adjudicatária dessas faixas foi a licitante Winity II Telecom Ltda., a qual, em meados de 2022, requereu anuência prévia de pareceria firmada com Telefônica Brasil S.A. para compartilhamento de faixas de radiofrequências e de infraestrutura de rede, na forma de contratos de exploração industrial de radiofrequências e de RAN Sharing.

Inicialmente, a operação recebeu posicionamento contrário da Procuradoria Federal Especializada da Anatel (PFE/Anatel), no que foi seguida pelas áreas técnicas.

A partir de uma interpretação sistemática dos termos do Edital, a referida Procuradoria, num pronunciamento construído em sólida base argumentativa, entendeu que, dada a circunstância de Telefônica Brasil S.A. não poder participar da aquisição do lote em questão – uma vez que o edital vedava o seu arremate por prestadora já titular de outorga primária na casa dos 700 MHz, e a Telefônica se encontra nessa condição – ela também não poderia receber o uso secundário do espectro.

No Conselho Diretor, o processo foi distribuído a mim e, ao analisar o caso, entendi inicialmente que era necessário buscar uma solução consensual e harmônica para o impasse.

Na oportunidade, considerei que as consequências do indeferimento puro e simples do pedido poderiam trazer prejuízos significativos às metas de conectividade estabelecidas para o lote arrematado, sendo importante destacar que essas metas também estão contempladas na posteriormente lançada 3ª fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC III), o que apenas amplificou o aspecto crítico do objeto em referência.

Com essas reflexões, observei que o indeferimento do pedido poderia, talvez, levar à própria renúncia de outorga, pois a vencedora pode considerar que o plano de negócios por ela adotado não seria economicamente viável sem a aprovação da operação.

Sem o atendimento das metas relativas ao lote arrematado, diversos locais remotos e rodovias federais continuariam sem acesso à internet, o que faria com que diversas pessoas, especialmente àquelas em situação de maior vulnerabilidade social, continuem sem conectividade num processo de transformação digital cada vez mais intenso.

A partir desse dilema, e já entendendo pela necessidade de busca de uma solução dialogada para o caso, expedi Memorando-Circular instaurando procedimento cooperativo intersetorial na Anatel envolvendo três de suas superintendências (a Superintendência de Competição, a Superintendência de Outorgas e Recurso à Prestação e a Superintendência de Planejamento e Regulamentação).

Além disso, determinei a divulgação de versão pública de vários documentos preparatórios do processo, tais como o parecer da PFE/Anatel e o informe inicialmente produzido pelas áreas técnicas envolvidas.

De forma inédita na Administração Pública Federal, diligenciei para que, em conjunto, e com fundamento nos arts. 49-A e seguintes da Lei 9.784/99, essas áreas, de forma coesa, adotassem uma série de providências, tais como: estudar os impactos da operação para novos ingressantes no mercado de telefonia móvel, informar as condições mínimas para uma solução consensual que envolvesse as pequenas prestadoras e as anuentes envolvidas no caso e avaliar quais devem ser as condições mínimas para ofertas no atacado para compartilhamento de espectro e infraestruturas de rede.

Como resultado, as superintendências mencionadas produziram manifestação técnica conjunta, em que responderam os questionamentos que lhes foram endereçados, com uma análise sistêmica, regulatória e concorrencial exaustiva, contribuindo significativamente para que o Conselho Diretor pudesse tomar a decisão mais informada para o caso.

Paralelamente, deflagrei um diálogo com as anuentes e com as pequenas prestadoras, de forma a construir um espaço propício a uma solução consensual para o caso, o que teve por ponto de partida essa manifestação das áreas técnicas.

Embora a conciliação pretendida não tenha sido obtida ao final, os diálogos desenvolvidos posteriormente à manifestação conjunta das áreas técnicas serviram para que o Conselho Diretor da Anatel, em deliberação concluída no final de outubro de 2023, deferisse, por maioria, em deliberação em que restei vencido em menor extensão, a anuência prévia requerida, mas com a imposição de condicionantes, nos termos do voto-vista do ilustre Conselheiro Moisés Moreira.

Mais recentemente, Winity II Telecom Ltda. apresentou pedido de reconsideração em face dessa decisão.

O Conselho Diretor deliberou pela exclusão de condicionantes relacionadas à menção dos valores a serem praticados no roaming, utilizando como base o valor estabelecido à Telefônica Brasil S.A. nos remédios impostos no caso do fatiamento da operação da Oi S.A. , bem como as municipalidades a serem ofertadas e à obrigatoriedade de oferta pública de roaming, com precificação igual àquelas decorrentes desses remetidos.

Esse encaminhamento, aliás, havia sido proposto por mim e pelo ilustre Conselheiro Artur Coimbra na ocasião da apreciação inicial da operação pelo Conselho Diretor. Mas, ali fomos inicialmente vencidos.

Consulta pública para atualização da regulamentação de coleta de dados do setor

Encontra-se em discussão na Anatel a revisão do Regulamento para Coleta de Dados Setoriais, aprovado pela Resolução nº 712, de 18 de junho de 2019, conforme Item 25 da Agenda Regulatória 2023-2024, aprovada pela Resolução Interna Anatel nº 182, de 30 de dezembro de 2022.

O objeto da proposta é aprimorar o regramento das rotinas pelas quais as entidades reguladas deverão encaminhar os dados relativos às suas atividades, nas hipóteses e na forma determinadas pela Anatel. Mais especificamente, busca-se incrementar os instrumentos de governança nesse processo.

Enquanto relator do caso no Conselho Diretor da Anatel, a partir de contribuições trazidas pela Encarregada de Proteção de Dados da Anatel, refleti sobre a necessidade de a proposta em estudo também necessitar contemplar as evoluções legislativas que se desenvolveram posteriormente à regulamentação em revisão, notadamente a Lei Geral de Proteção de Dados, que entrou em vigor em meados do ano de 2020.

Assim, sugeri contribuições para um desenho mais aperfeiçoado da governança da gestão de dados encaminhados à Anatel, inclusive no que diz respeito à sua eliminação e propus a submissão da proposta a consulta pública para recebimento de comentários e contribuições pela sociedade como um todo.

A proposta foi acolhida à unanimidade pelo Conselho Diretor da Anatel em 09 de novembro de 2023.

Encerramento das sobras de lotes de banda larga, licitadas em 2015

Em dezembro de 2023, o Conselho Diretor da Anatel revogou parcialmente o leilão de espectro nas faixas de 1,9 GHz e 2,5 GHz, realizada em 2015, cujo escopo era voltado para provedores regionais de banda larga.

Na mesma oportunidade, determinou que não se realize novo chamamento público para verificação de interessados no uso de radiofrequências nessas faixas, em quarenta e seis lotes que ainda se encontravam pendentes de adjudicação.

O Conselheiro Artur Coimbra, relator do caso, fez uma avaliação do contexto da licitação em questão e assentou que, passados oito anos do certame, para essa ampliação do acesso ao espectro pelas prestadoras de pequeno porte, foi necessária a implementação de soluções bastante complexas e desafiadoras, potencialmente incompatíveis com a sua capacidade financeira.

Apesar disso, e pontuando que esse modelo atualmente se encontra em descompasso com as práticas adotadas mundialmente, o Conselheiro Artur Coimbra mencionou que essa iniciativa deve ser exortada pelo seu contributo ao desenvolvimento das rotinas da Agência.

O ilustre conselheiro-relator asseverou, ainda, que, apesar de alguns insucessos dessa licitação no alcance de suas metas, com a experiência por ela propiciada, a Anatel "aprimorou seus procedimentos, evoluiu processos, ampliou a digitalização de suas ferramentas e estreitou significativamente os laços com as prestadoras de pequeno porte".

Concluiu que muito do sucesso atribuído ao Edital do 5G, publicado anos mais tarde, deveu-se à experiência propiciada pelo edital do leilão de espectro de banda larga revogado.

Edição de enunciado sumular sobre o dever de carregamento de sinal obrigatório pelas prestadoras do SeAC (must carry)

Algumas entidades titulares de outorga de radiodifusão aberta de sons e sinais (televisão) consultaram à Anatel sobre a extensão do dever de carregamento de canais obrigatórios em sinal digital, especialmente à luz das alterações trazidas pela Lei nº 14.173, de 2021.

Analisando o pleito, o Superintendente de Planejamento e Regulamentação propôs a edição de súmula a respeito do tema, de modo a pacificar essa controvérsia interpretativa.

Foto: Pixabay

Buscando dirimi-la, o ilustre Conselheiro Artur Coimbra relatou essa proposta de enunciado sumular assentando entendimento no sentido de que, à luz dessa alteração, e independentemente da circunstância de o sinal gerado ou transmitido pela emissora aberta ser digital ou analógico, a prestadora do SeAC tem a obrigação de retransmitir o seu sinal não apenas no município-sede da área de outorga.

Segundo o relator, essa obrigação alcança a área de outorga na sua integralidade, a qual deve ser compreendida como toda aquela que pode ser regularmente atendida pela estação, o que inclui o seu contorno protegido.

Esse entendimento se encontra atualmente cristalizado no Enunciado nº 25, da Súmula da Anatel, aprovado à unanimidade pelo seu Conselho Diretor em novembro de 2023.

Pedido de exploração de satélites estrangeiros e consulta pública

Em abril de 2023, o Conselho Diretor da Anatel, por unanimidade, aprovou proposta de ato que estabelece compromissos para exploração de satélites e critérios para realização de Consulta Pública para conferência de direito de exploração de satélites.

O ilustre Conselheiro Artur Coimbra, relator do caso, registrou que, com o Regulamento Geral para Exploração de Satélite (RGSat), aprovado pela Resolução nº 748, de 22 de outubro de 2021, a Anatel inaugurou uma nova etapa para a exploração de satélites no Brasil. De acordo com o conselheiro-relator, essa norma trouxe algumas inovações, a exemplo da simplificação do procedimento de outorga, que passou a prescindir de licitação, tornando o ambiente institucional brasileiro mais competitivo.

O conselheiro-relator asseverou, ainda, que essa regulamentação também prescreveu que a Anatel pode estabelecer compromissos a serem observados pelas exploradoras de satélites, vez que eles já figuraram como condições dispostas em editais anteriores de licitação.

A minuta do ato, cuja discussão fora igualmente precedida de consulta pública, foi objeto de contribuições acatadas pelo Conselho Diretor, relacionadas aos seguintes aspectos: permissão a estrangeiros nas operações de controle de satélites brasileiros; possibilidade de as interações entre os representantes das exploradoras de satélites e a Anatel ser realizadas em espanhol e em inglês, que são idiomas oficiais da própria UIT; imposição de consultas públicas para a conferência de direitos de exploração de satélites, inclusive quando associados a sistemas de satélites não-geoestacionários, dentre outros.

Novo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor (RGC)

Aprovado em 2014, há quase dez anos, o Regulamento Geral de Direitos de Consumidor, já demandava uma revisão em virtude da remodelagem da vivência da relação entre usuários e prestadores de serviços de telecomunicações.

Inicialmente relatado pelo então Conselheiro Emmanoel Campelo, o caso foi objeto de pedido de vistas pelo Conselheiro Vicente Bandeira de Aquino Neto, que propôs as seguintes alterações em relação à proposta inicialmente encaminhada pelo conselheiro-relator: fixação do horário de atendimento em call center, entre 06:00 e 22:00; migração automática dos clientes para outros planos ao final dos contratos quando o plano não mais fosse ofertado, desde que o valor fosse igual ou menor ao pago pelo usuário; tratamento diferenciado a prestadores de pequeno porte, que ficarão dispensados, em condições especificadas no próprio regulamento, de algumas obrigações ali impostas; maior flexibilidade nas regras de ressarcimento dos usuários, cujos valores deverão ser corrigidos monetariamente; suspensão total dos serviços em caso de inadimplência do usuário, excetuados o recebimento de chamadas e chamadas de emergência, após a sessenta dias.

Em seu voto, o Conselheiro Vicente Aquino determinou a criação de grupo de trabalho com o objetivo de definir índices de desempenho e critérios para promoção de uma classificação comparativa entre as Prestadoras de acordo com as ações realizadas quanto aos compromissos ambientais, sociais e de governança corporativa (Agenda ESG), em aderência aos ditamos da Agenda 2030 da ONU. Além disso, o conselheiro-relator determinou a inclusão de dispositivos determinados a coibição dois padrões comerciais obscuros (ou Dark Commercial Patterns) e à inibição de desconto abusivo de franquia de dados para veiculação de conteúdo de publicidade e externou preocupações relacionadas à obsolescência programada de equipamentos.

Esse entendimento foi acolhido pelo Conselho Diretor e as novas regras passam a vigorar em nove meses (regras gerais), e em quinze meses (registro das ofertas e novas regras de reajuste de preço), a depender do caso.

Consulta pública do novo Plano Geral de Metas de Competição (PGMC)

Em outubro de 2023, o Conselho Diretor da Anatel, em processo relatado pelo ilustre Conselheiro Vicente Aquino, decidiu submeter à consulta pública a proposta do novo Plano Geral de Metas de Competição (PGMC).

A proposta se encontrá disponível para contribuições pelo prazo de 60 dias. Além da consulta, determinou-se a realização de audiência pública, em formato híbrido, em que os interessados poderão debater o tema tanto presencial como remotamente.

Alexandre Freire, conselheiro da Anatel

O PGMC foi inicialmente aprovado por meio da Resolução nº 600, de 8 de novembro de 2012, tendo sido posteriormente atualizado pela Resolução nº 694, de 17 de julho de 2018.

Esse normativo estabelece o balizamento para estimular a competitividade no mercado de telecomunicações, com o emprego de instrumentos como a regulação assimétrica adequada a situações específicas para corrigir falhas de mercado, o que pode beneficiar tanto os consumidores quanto as prestadoras do setor. Ao final, o PGMC tem por escopo propiciar disrupção, dinamicidade e competividade a um setor em permanente mudança.

Dentre os pontos mais críticos da proposta, elencam-se: (i) a adoção do modelo de custos bottom-up, (ii) a inclusão do roaming dentro da área de prestação, (iii) a inclusão de terminais M2M/IoT na Oferta de Referência, (iv) a vedação de cobrança de mensalidade por dispositivo M2M/IoT, (v) a vedação de roaming por mais de 90 dias contínuos na rede da mesma prestadora ofertante e (vi) o roaming dentro da área de registro para Prestadoras de Pequeno Porte até 31 de dezembro de 2030.

Considerações finais

Pode ser depreendido que os casos comportam um aspecto multifacetado, denotando desafios que a Anatel vem enfrentando e superando juntamente com o amadurecimento de sua experiência institucional.

Mesmo as experiências que não alcançaram o resultado esperado ofereceram, em retrospectiva, um manancial formidável de aprendizado por tentativa e erro, permitindo que a Anatel obtenha os feedbacks necessários para não replicar os erros do passado e aprender com eles para alcançar as suas metas no futuro.

Isso ganha um contorno especial em virtude de o setor regulado – o de telecomunicações – ser extremamente disruptivo, em que, parafraseando os ensinamentos do filósofo Heráclito, a sua única característica permanente é a própria mudança.

Da mesma forma, a Anatel vem se maturando como instrumento para a inclusão digital, especialmente para pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade. Com isso, pode se perceber que a Agência está engajada em exercer um papel transformador na sociedade, promovendo a democracia pela acessibilidade a novas tecnologias nas suas mais diversas projeções, sem se encastelar como uma entidade hermeticamente fechada que exerce atividade regulatória como um fim em si mesma.

Essa postura, aliás, denota aderência às diretrizes da Agenda 2030 da ONU e às recomendações da OCDE, o que vem sendo abraçado pelo Conselho Diretor da Anatel como um todo.

Em 2023, muitos desafios foram superados, e o próprio setor regulado rotineiramente apresentou contribuições e propostas valiosas para a atuação do regulador. Espero que, em 2024, ao novamente fazer esse retrospecto, possa falar de outros desafios e problemas não mencionados agora. Isso será um sinal de êxito da atuação da própria Anatel e dos seus diversos servidores e colaboradores que, conjuntamente, são essenciais para o êxito da missão constitucionalmente atribuída à Agência.

*- Sobre o Autor: Alexandre Freire é Conselheiro Diretor da Anatel e  Presidente do Centro de Altos Estudos em Comunicações Digitais e Inovação Tecnológica da Anatel – CEADI. Presidente do Comitê de Infraestrutura de Telecomunicações da Anatel. Visiting Scholar at the Goethe Universität Frankfurt am Main's Faculty of Law. Doutor em Direito pela PUC-SP e Mestre em Direito pela UFPR. As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente refletem o ponto de vista de TELETIME.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui
Captcha verification failed!
CAPTCHA user score failed. Please contact us!