Contribuição de big techs em redes reacende debate sobre franquia na banda larga 

Foto: Pexels

O pleito da cadeia de telecom para uma contribuição das grandes plataformas de Internet nos investimentos de infraestrutura de rede está revivendo o debate sobre a proibição de franquias nos serviços de banda larga fixa.

Na última quinta-feira, 15, representantes de algumas das principais operadoras do País, da Anatel e especialistas discutiram o tema em debate promovido pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE). Tanto a reguladora quanto Claro e Vivo relacionaram a defesa da contribuição das big tech com a cautelar que desde 2016 proibiu a cobrança por franquias na banda larga (ao contrário do que ocorre no segmento móvel).

"Não existe onde não se cobre gás, energia elétrica ou água por consumo. Por que telecom deveria ser cobrado por flat fee [taxa fixa], como se fosse ilimitado?", questionou o CEO da Claro, José Félix – classificando a vedação das franquias como uma distorção regulatória que afeta o retorno sobre o capital investido no setor, ao supostamente não refletir a dinâmica de custos.

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Neste cenário, uma contribuição das plataformas responsáveis por boa parte do tráfego gerado nas redes se faria necessária, entende o executivo. Segundo dados trazidos por Félix, o tráfego de banda larga fixa na rede da Claro em 2023 tem mais de 50% do volume associado a três players: Facebook (20,1%), Google/Youtube (17,4%) e Netflix (15,1%).

Vice-presidente de assuntos regulatórios da Vivo, Camilla Tapias também colocou a "limitação regulatória e econômica" da vedação das franquias como um dos pontos de partida para o pleito das teles – mas defendendo que não há condições do consumidor suportar sozinho o pagamento pelo tráfego gerado. Ao classificar a prestação de telecom como um "mercado de dois lados", a executiva defendeu a contribuição das big techs.

"Não se trata de regulação de margem ou de preço, mas de um reconhecimento da necessidade de remuneração por serviços prestados", afirmou ela. "Antes do streaming, o tráfego era muito menor e não se tinha necessidade de cobrar dos dois lados, mas a realidade mudou. A qualidade do ecossistema está ameaçada para as operadoras e para as próprias OTTs", apontou Tapias.

Neste sentido, a proposta em discussão na União Europeia para criação da figura de grandes geradores de tráfego (LTGs, na sigla em inglês) foi trazida à mesa. No arranjo, as plataformas com o perfil teriam que buscar acordos comerciais com as operadoras, com autoridades competentes realizando arbitragem na falta de consenso. O tema ainda está em discussão no bloco e suscita posições diversas entre países europeus.

Anatel

No Brasil, a Anatel tem em andamento uma tomada de subsídios sobre as responsabilidades de grandes usuários de redes de telecom, mas ainda pendente de um longo processo regulatório. Presente no debate promovido pelo IREE, o presidente da agência, Carlos Baigorri, reiterou a preocupação com o poder de influência exercido pelas plataformas e também colocou a limitação das franquias na banda larga fixa como parte da equação – mas notando que em 2016, quando o debate esteve em voga, a reguladora foi alvo de forte pressão social.

Para o servidor, entretanto, ao não permitir que as operadoras repassem eventuais custos do crescimento do tráfego ao consumidor, elas inevitavelmente buscariam repassar a carga para outros agentes da cadeia, sob risco do modelo "não parar em pé". Neste sentido, o cenário na banda larga fixa seria distinto da banda larga móvel – uma vez que nesta, as franquias são permitidas.

Como reflexo, os usuários de serviços pré-pagos já ficariam uma semana por mês sem acesso à Internet móvel por conta da limitação de seus pacotes de dados, colocou Baigorri – reiterando que boa parte do consumo das franquias é causada por peças de publicidade digital, intermediadas justamente pelas grandes plataformas.

Contraponto

Assessora sênior de políticas e advocacy da Internet Society, Paula Bernardi trouxe uma visão bem diferente das teles quanto à proposta de contribuição financeira das big techs. Para ela, as regras seriam desastrosas, indo contra a lógica das interconexões da Internet aberta e quebrando as características da rede global.

Bernardi traçou um cenário onde cada plataforma teria que negociar com milhares de provedores de acesso no caso do Brasil, além de demais países. O arranjo poderia ter efeito negativo para empresas de menor porte e geraria aumento de preços em serviços de streaming e nuvem para o consumidor final. A representante da Internet Society também colocou que são os usuários – e não as plataformas – os grandes geradores de tráfego, ao acessarem conteúdos de sua preferência nas redes.

Professor da FGV e ex-conselheiro do Cade, Cleveland Prates também pediu cuidado com uma "punição" para as big techs que oferecem conteúdos considerados atrativos pelo consumidor. Para ele, a discussão deveria passar antes pela desregulação da cadeia de telecom – incluindo a própria revisão da "distorção regulatória" causada pela limitação de franquias na banda larga.

Uma outra possibilidade – pouco abordada no debate no IREE – foi a contribuição das big techs para fundos setoriais de infraestrutura, como hoje já fazem as teles. Além de Prates, o conselheiro da Anatel, Artur Coimbra, citou o arranjo como algo que pode ser avaliado, mas não sem notar que a reguladora ainda tem muito o que estudar a respeito do papel das plataformas no ecossistema brasileiro.

Também estiveram presentes no encontro realizado em São Paulo o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do PL 2.630 sobre regulação das big techs, e o conselheiro da Anatel, Alexandre Freire. Já o Legal Grounds Institute fez parte da coordenação do evento.

2 COMENTÁRIOS

  1. Obrigado sempre por nos manter informados!
    Gostaria a ajuda do autor sobre se continua vigente a cautelar da Anatel sobre franquia no 2023. Tenho pesquisado sobre o assunto sem sucesso!
    Desde já agradeço!

    • Também agradecemos Miguel, pelo prestígio ao nosso trabalho! A cautelar de 2016 que proibiu franquias na banda larga fixa (Despacho nº 1/2016/SEI/SRC) segue vigente.

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