No debate entre TCU e Anatel sobre renovação de espectro, agência defende seu papel regulador

Um dos debates regulatórios mais relevantes do momento tem sido travado de maneira silenciosa entre Anatel e o Tribunal de Contas da União e diz respeito à possibilidade de renovação das autorizações de uso de espectro das atuais operadoras móveis. Em um processo sigiloso de auditoria, o TCU questiona a legalidade destas renovações e as condições que estão sendo estabelecidas pela Anatel. A matéria já chegou ao ministro relator Augusto Nardes em fevereiro.

Segundo apurou este noticiário, a argumentação da Anatel em resposta ao TCU defende as prerrogativas da agência em relação a estas decisões Estabelecer as condições de licenciamento destas faixas é tarefa eminentemente regulatória, sustenta a agência.

O debate está estabelecido para as chamadas bandas A e B (806 MHz a 902 MHz), que são as faixas mais antigas utilizadas pelas operadoras móveis e cujas autorizações começaram a vencer no final do ano passado. Até 2028, todas as grandes operadoras enfrentarão vencimentos de suas outorgas. 

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A Lei 13.879/2019, que criou o Novo Modelo de Telecomunicações, passou a permitir a renovação sucessiva e onerosa da autorização de uso das radiofrequências (anteriormente a legislação estabelecia a renovação por uma única vez), e o Decreto 10.402/2020 regulamentou a lei esclarecendo que esta possibilidade de renovação para as atuais operadoras, se atendidos alguns critérios, entre eles o melhor interesse público. A Vivo foi a primeira operadora a ter autorização de uso de espectro renovada com base na Lei 13.879/2019.

Este é o primeiro ponto de divergência: o TCU entende que a renovação sucessiva só valeria para novas outorgas, e não para autorizações existentes que foram licitadas ou outorgadas com a previsão de uma única renovação. Para o TCU o correto seria a realização de uma licitação. Mas o órgão de controle vai além, e questiona também os critérios e procedimentos estabelecidos para a renovação das autorizações das bandas A e B.

Relembrando, em setembro de 2020, a Anatel estabeleceu regras gerais para a renovação das autorizações de uso de espectro, que valem para todas as operadoras. Em seguida, ainda em 2020, também aprovou o primeiro caso concreto da Vivo. Em linhas gerais, a agência estabeleceu que a precificação seria pelo Valor Presente Líquido, com 90% convertido em obrigações. Também estabeleceu que a partir de novembro de 2028, quando todas as outorgas vencerem, será feito um processo de refarming e as faixas serão novamente licitadas. O TCU quer que a Anatel anule o Acórdão 510/2020, instrumento que estabeleceu as condições de renovação. 

Este noticiário apurou alguns dos argumentos colocados pela Anatel em resposta ao TCU. Segundo apurado, a agência reguladora entende que uma licitação das bandas A e B seria muito complexa porque as autorizações de espectro vencem em momentos diferentes daqui até 2028. Diante deste quadro, a Anatel teria as seguintes opções: fazer licitações em frações, o que não seria adequado do ponto de vista da eficiência do processo; deixar as faixas desocupadas ou ainda renovar em caráter secundário, o que deixaria estas operações desprotegidas e sujeitas a interferências.

A agência destaca que a faixa de 850 MHz é essencial para a prestação dos serviços e que hoje é utilizada em mais de 90% dos municípios, cobrindo mais de 200 milhões de habitantes. Interessante que a Anatel, neste ponto, sustenta sua argumentação de que não seria possível uma revogação do Acórdão 510 com base na Lei 13.655/2018, que estabelece normas de segurança jurídica na aplicação do direito público.

Critérios

Um outro aspecto questionado pelo TCU é em relação a condições e critérios que estão sendo estabelecidos pela Anatel para permitir a renovação das autorizações de uso de espectro, especialmente no que diz respeito ao risco de reiterados descumprimentos de obrigações.

A Anatel diz ao TCU que a renovação que está sendo possibilitada a partir do Acórdão 510/2020 leva em consideração uma análise ampla do cumprimento de obrigações regulatórias por parte dos detentores das faixas, mas que é preciso fazer uma análise que leve em consideração o caso concreto em função do impacto de cada uma das possíveis decisões, como aspectos concorrenciais e o interesse do consumidor. 

A agência também diz ao TCU que é importante olhar as renovações de outorga sob a perspectiva de que haverá um grande refarming das faixas das bandas A e B em 2028 seguido de uma licitação. 

Ainda sobre o questionamento do TCU, que insiste na necessidade de que a Anatel coloque critérios objetivos para a renovação de outorgas, a agência sustenta que há limites para estabelecer condições a priori, e que o interesse público tem várias conotações: concorrência, condições ao consumidor, arrecadação de recursos e mesmo questões de segurança, no caso de espectro de frequência. São questões que dificultam uma definição sobre o que seria o preço justo de uma faixa, diz a Anatel, ainda que, via de regra, a agência adote o Valor Presente Líquido como principal referência. Mas a agência insiste que uma determinada só tem valor quando é explorada.

Nesta discussão de valor do espectro a Anatel é bastante contundente em seus argumentos: direcionar o comportamento dos agentes de mercado de forma a melhor a atender ao interesse público é uma prerrogativa regulatória, e não necessariamente a majoração de recursos ao erário com o cálculo centrado apenas no valor econômico.

Este noticiário apurou que em relação aos argumentos colocados pelo TCU (e que já foram objetos de discussão também dentro do governo na elaboração do Decreto 10.402/2020) de que haveria inconstitucionalidade e ilegalidade na renovação das atuais autorizações de uso de espectro, a agência argumenta com a presunção de legalidade tanto da Lei 13.879/2019 quanto do Decreto 10.402/2020. Não caberia assim ao regulador questionar os instrumentos legais e infra legais estabelecidos pelo Congresso e pela Presidência da República.

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