CVM vota contra si mesma em decisão do conselhinho

No último dia 29 de agosto, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN, também conhecido como "conselhinho") reverteu condenação aplicada pela CVM em setembro de 2004 a executivos e empresas ligadas ao grupo Opportunity e responsáveis no Brasil pelo Opportunity Fund (fundo presente na cadeia de controle de várias empresas abertas, inclusive de teles como Brasil Telecom, Telemig Celular e até mesmo com uma participação relevante na Telemar). Acontece que, segundo apurou este noticiário, a decisão do conselho de recursos se baseou em argumentos oferecidos pelo Opportunity que já haviam sido rebatidos pela CVM, inclusive perícias de documentos.
A condenação da CVM decorria do Inquérito Administrativo 08/2001, que concluiu pela irregularidade de esforço de colocação de cotas do fundo Opportunity Fund a brasileiros ou residentes, sendo que o fundo era enquadrado nas regras do Anexo IV. Por estas regras, o fundo nunca poderia ter recebido investimentos de brasileiros ou pessoas residentes no Brasil. A investigação da CVM realizada entre 2001 e 2004 levou ao reconhecimento de irregularidades e à imposição de multas de R$ 480 mil a serem pagas por executivos e empresas ligados ao Opportunity, entre eles Verônica Dantas (irmã de Daniel Dantas) e Dório Ferman (presidente do Banco Opportunity S/A). Esta condenação foi, agora, revertida pelo conselhinho.
Segundo informou a este noticiário Felisberto Bonfim Pereira, representante do Banco Central no conselho de recursos e relator do recurso 6255, que anulou a condenação da CVM, a autarquia não empreendeu nenhum esforço adicional para defender as conclusões que levaram à condenação, tais como uma possível sustentação oral ou mesmo um pedido de vistas do relatório final do recurso, ambos mecanismos previstos regimentalmente.

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A votação pela reversão da decisão da CVM foi unânime no que se refere à imputação de esforço de venda das cotas. Ou seja, todos os oito conselheiros do CRSFN acharam que a CVM havia errado em sua condenação imposta em 2004. Incluindo o próprio representante da CVM junto ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, Marcos Galileu Lorena Dutra, que também votou pela reversão da condenação. Na outra imputação, referente à demora para a tomada de providências no sentido de explicitar que o Opportunity Fund era um fundo Anexo IV, o relator sugeriu a manutenção da condenação, mas foi vencido pelo placar de cinco votos a três, inclusive com a oposição do representante da CVM, segundo ele.
Destaque-se que em 2004, não apenas a comissão de inquérito da CVM, mas todos os diretores da autarquia que estavam desimpedidos para votar concluíram pela existência de ilícitos, tanto é que a condenação ocorreu.

Perícia do Opportunity

Segundo Felisberto Pereira, relator do recurso, um fato novo teria surgido durante o período de averiguações, o que o fez ter convicção de que os executivos e empresas ligados ao Opportunity Fund não teriam cometido nenhuma irregularidade. Este fato novo foi uma suposta perícia apresentada pela defesa dos próprios acusados ligados ao grupo Opportunity. A perícia teria sido feita em documentos referentes às contas de um dos cotistas do Opportunity Fund, o empresário Luiz Roberto Demarco, que assumiu na CVM ter conta no fundo. Tais documentos contribuíram para a CVM formar o juízo que levou à condenação em 2004.
Segundo o Felisberto Pereira, contudo, a perícia realizada pelo Opportunity teria evidenciado que os documentos apresentados, especialmente as planilhas de investimentos, seriam falsas. O relator admite que aceitou a perícia do Opportunity como verdadeira, sem pedir contra-prova.
Pereira diz que, entre as inconsistências, estavam somas entre valores em moedas diferentes e timbre de outras empresas do Opportunity que não tinham relação aos extratos do Opportunity Fund.
Marcelo Elias, advogado de Luiz Roberto Demarco, mostra indignação ao saber do fato. Ele diz que os documentos foram apresentados por funcionários do Opportunity, e não por Demarco, que as contestações periciais já haviam sido feitas pelo Opportunity na época em que a CVM investigou o caso e que uma outra perícia foi realizada por Celso Mauro Ribeiro Del Picchia, que impugnou completamente o laudo apresentado pelo grupo de Daniel Dantas.
"Ressalte-se que jamais houve qualquer decisão judicial sobre quaisquer laudos ou impugnações produzidos até o presente momento", diz Marcelo Elias. "No que tange aos e-mail e às planilhas, todos os funcionários do Opportunity que as produziram as reconheceram como verdadeiras, de sorte que com ou sem laudo pericial, a favor ou contra, a CVM e seu órgão julgador de segunda instância deveria ter levado tal fato inconteste em consideração", coloca o advogado. Ele lembra ainda que "os documentos em análise (planilhas e e-mails) foram fornecidos pelos próprios ex-funcionários do Opportunity (acompanhados de declarações) e não por Demarco. Como, ao que parece, não foram fornecidas as informações acima para a CVM (conselhinho), estamos estudando a forma jurídica apropriada para que a decisão de primeira instância seja reinstaurada".

CVM não se manifestou

Durante o julgamento do conselho de recursos no dia 29 de agosto deste ano, contudo, a CVM também não contestou a perícia realizada. Por outro lado, durante o inquérito 08/2001 conduzido pela CVM, os mesmos argumentos de que as provas documentais seriam falsas foram colocados pelos advogados de defesa. E no julgamento do inquérito, realizado em setembro de 2004, o relator do caso, atual diretor da CVM, Eli Loria, adotou postura totalmente diferente. Em seu relatório, Loria colocou: "Mesmo que tais planilhas não possam ser consideradas como contendo informações cuja autoria fosse imputável oficialmente ao Grupo Opportunity, as circunstâncias em que foram produzidas, reconhecidas pela própria defesa, autorizam considerá-los como meio de prova idôneo". Segundo Felisberto Pereira, o Opportunity conseguiu na Justiça o direito de apresentar a sua perícia, e não é praxe do conselho solicitar análises independentes.
Para o relator do recurso no conselhinho, embora houvesse indícios de que os representantes do Opportunity Fund de fato tenham tido a intenção de cometer as irregularidades apontadas pela CVM, não houve como comprovar a consumação do ilícito. "Houve intenção, mas não se comprovou nenhum ilícito", disse a este noticiário. Segundo ele, a autoridade monetária de Cayman, onde o Opportunity Fund é baseado, não enviou a relação de cotistas e a auditoria contratada pelo Opportunity também não apontou entre os cotistas brasileiros ou pessoas residentes no Brasil. Somando-se isso à perícia do Opportunity, explica Pereira, o processo ficou sem as provas documentais, restando a acusação baseada apenas em depoimentos não seriam "suficientes para manter as condenações", segundo palavras de Felisberto Pereira.

Depoimentos válidos

Também nesse caso, o conselho de recursos foi em sentido oposto ao da CVM. O diretor da autarquia, Eli Loria, em seu relatório de 2004, foi claro em relação aos depoimentos, que funcionários do grupo Opportunity e pessoas envolvidas na comercialização do fundo anexo IV prestaram durante a investigação: "Em relação ao fato de que a acusação teria formado sua convicção com base em depoimentos contraditórios, sou obrigado a divergir de tal assertiva. A Comissão de Inquérito apenas disse que devido à impossibilidade de obter o que seria a prova cabal – lista nominal dos investidores residentes e domiciliados no Brasil que efetivamente operaram no Opportunity Fund a partir de meados de 1996 ? devido às negativas da Cayman Islands Monetary Authority, fundamentou suas conclusões, em maior grau, nos depoimentos e informações prestadas pelas pessoas envolvidas. Não disse que os depoimentos não eram eficientes, nem que eram contraditórios. (…) Convém lembrar que a prova testemunhal é um meio de prova, tendo o mesmo valor que qualquer outro, pois todas as provas são relativas. É apta a embasar uma condenação, ainda mais quando em harmonia com os demais depoimentos colhidos nos autos e não elididas por outros elementos de convicção (…). Aliás, os depoimentos colhidos são de fundamental importância para este julgamento (…). Os depoimentos de Luis Roberto Demarco, Bernardo Patury, Rosângela Browne, Daniela de Góes e Bóris Muroch são categóricos, consistentes e em sintonia com os demais elementos dos autos no sentido de que cotas do Opportunity Fund eram efetivamente oferecidas no Brasil. Assim, devem merecer fé e são robustos, aptos a servir de suporte a uma condenação. Neste mesmo sentido, tem-se ainda o depoimento do Sr. P.L., confirmando a existência da oferta, associado ao subscription agreement em que consta sua identificação", relatou Loria em sua análise.
Felisberto Pereira explica que a sua análise se baseou nos relatórios da CVM da época do inquérito, e naquilo que foi apresentado pela defesa. Ele explica que faz parte das atividades do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional receber os advogados das partes. Explica que durante o julgamento esteve com o advogado do Opportunity, Francisco Maciel Müssnich, por quem teria sido informado ser muito difícil saber quem são os cotistas do fundo já que, após o preenchimento da ficha de subscrição, esses nomes se tornam números. Felisberto Pereira explica ainda que a decisão pode ser revista caso surjam fatos novos.
Funcionário de carreira do Banco Central, Felisberto Pereira está há poucos meses no CRSFN. Ele acredita que o julgamento na CVM, em 2004, "foi dificultado porque era um caso que estava muito rumoroso" na imprensa. De fato, na ocasião a imprensa tratou intensivamente da investigação. E, de fato, o assunto começou com uma denúncia, da revista Carta Capital, e ao longo da investigação aberta pela CVM vários veículos trouxeram informações sobre o caso. Entre eles o jornal Correio Braziliense e o serviço E-News, do site UOL News, à época sob a responsabilidade do jornalista Paulo Henrique Amorim. O arquivo com algumas das principais reportagens da época está disponível em www.teletime.com.br/arquivos/reportagens.pdf .
Este noticiário não foi autorizado, até o momento, a ter acesso ao processo que tramitou no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional ou ao relatório final sobre o caso. As explicações foram prestadas por Felisberto Pereira durante entrevista no dia 11 de setembro.

Quem é o CRSFN

O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional é o órgão responsável por rever, no caso de recursos, as decisões administrativas da CVM, Banco Central entre outras autoridades com poder fiscalizador e sancionador atuantes no mercados financeiro, de câmbio, de capitais, e de crédito rural e industrial. São ao todo oito conselheiros com poder de voto nas decisões, dos quais quatro representantes de órgãos públicos e quatro representantes de entidades de classe dos mercados afins. No caso da decisão sobre o Opportunity Fund, votaram, além do relator Felisberto Pereira (representando o Banco Central), Rita Maria Scarponi (representando a Comissão Nacional de Bolsas de Valores), Osmar Roncolato Pinho (segundo o conselho, representando a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), Marcos Galileu Lorena Dutra (representando a CVM), Leonardo Brunet Mendes de Moraes (representando a Associação Brasileira das Companhias Abertas), Carlos Alberto Parussolo da Silva (representando a Associação das Empresas Brasileiras de Leasing), Raul Jorge de Pinho (representando a Secretaria de Comércio Exterior – Secex, do Ministério do Desenvolvimento) e Pedro Wilson Carrano Albuquerque (representando o Ministério da Fazenda). Nem todos são titulares. Entidades como a Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos) e a Anbid (Associação Nacional dos Bancos de Investimento) também têm seus representantes no CRSFN.
Este noticiário encaminhou dia 11 de setembro uma série de questionamentos sobre a decisão do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional à CVM e aguarda as respostas. Entre elas, o que levou o representante da autarquia no conselhinho a não defender as conclusões do inquérito 08/01.

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