Avançar com a digitalização no Brasil não é uma responsabilidade apenas das empresas de telecomunicações, mas sim de todos os atores envolvidos no ecossistema digital. Esse foi o entendimento do diretor de relações institucionais da Vivo, Tiago Machado, durante a edição de 2024 do Seminário de Políticas de (Tele)Comunicações, realizado em Brasília nesta terça-feira, 6. O evento é organizado pela TELETIME em parceria com o Centro de Políticas de Comunicações da Universidade de Brasília.
O posicionamento da Vivo é uma evolução em relação à discussão iniciada pelas teles sobre o Fair Share (a chamada "contribuição justa" das plataformas nos investimentos de rede), que propõe o compartilhamento de investimentos e receita mais equilibrado entre empresas de Internet e empresas de telecom. Machado lembrou que o Brasil ainda tem muitos desafios de acesso, e que essa fronteira demanda políticas públicas e investimentos, e que o tamanho geográfico do Brasil, por si só, impõe desafios para a expansão da conectividade.
"Pode-se questionar um pouco o ritmo [desse avanço], mas isso tem a ver com a compatibilidade e eficiência desses investimentos [das teles]", explicou o diretor, notando que o movimento ocorre mesmo diante de forte carga regulatória e tributária.
Além dos custos de infraestrutura pelas teles, Machado apontou outro elemento-chave que impõe mais uma barreira para a expansão da conectividade: o peso que o preço de um celular no País exerce sobre a economia da população de baixa renda. "Para uma família que ganha um salário mínimo, gastar isso em um smartphone pode ser impensável", explicou ele.
Segundo Machado, o avanço da digitalização no País deve-se dar a partir do envolvimento de todos os atores envolvidos no ecossistema digital. Além disso, o diretor da Vivo defendeu que o processo de regulamentação deve ser trabalhado de modo a se prezar pela clareza e segurança jurídica.
Neutralidade da rede
Pelo lado da big techs, há um posicionamento absolutamente contrário ao que elas classificam como "taxa da Internet" (network fee), como as plataformas digitais preferem se referir ao assunto. O principal argumento utilizado por essas empresas é de que esse tipo de contribuição fere os princípios da neutralidade de rede.
Alessandro Molon, o diretor executivo da Aliança pela Internet Aberta, sustenta que "a taxa de rede é um retrocesso". A entidade representa algumas das maiores plataformas do mundo, como Google, Tik Tok, Meta (dona do Instagram e Facebook), Amazon e o Kwai.
Segundo Molon, a neutralidade de rede tampouco deveria ser colocada em xeque como forma de melhorar as vantagens comerciais das operadoras de telecomunicações, uma vez que o ciclo de inovação da Internet não está estagnado. "Eu quero ter a liberdade de escolher o que eu quiser, não que seja dito por alguém o que vai chegar mais rápido ou mais devagar no meu telefone celular", completou o ex-parlamentar, que foi um dos responsáveis pela Lei do Marco Civil da Internet.
Anatel e ANPD no debate
O superintendente de regulação da Anatel, Nilo Pasquali, disse que a Anatel busca entender o assunto para descobrir "o que é de fato um problema". No meio de janeiro, a agência iniciou a nova fase de debate sobre big techs e contribuição em redes. Ele ainda defendeu que a Anatel tem sim a prerrogativa de regular esse ambiente por meio do artigo 4 da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que trata dos deveres dos usuários, mas que qualquer iniciativa regulatória será feita a partir das evidências e fatos apresentados e dos problemas que sejam identificados.
O material levado para discussão pública é composto por seis eixos temáticos. "Nem todos a Anatel tem competência para decidir", explicou Pasquali, em referência às pautas que são de responsabilidade do Congresso Nacional. Além disso, o superintendente disse que, para o debate, a agência precisa de contribuições sustentadas por dados e evidências.
Miriam Wimmer, diretora da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), lembra que desde o Marco Civil da Internet o ambiente legal para a regulação do ambiente digital ganhou novos elementos, como a legislação de proteção de dados e a própria atuação da ANPD. "Não há dúvida de que é um ambiente muito mais complexo e que temos novas variáveis sendo acrescentadas a cada dia. Aquilo que gira em torno dos dados dos cidadãos é regulado", disse ela – lembrando que teles, empresas de Internet e bancos são hoje os três setores que mais geram a atenção da ANPD.
Para o advogado Alexandre Veronese, pesquisador do CCOM/UnB, as condições locais do Brasil devem ser objeto central para o debate e é impossível importar os modelos estrangeiros de regulação do ambiente digital.
Já Rodolpho Avelino, conselheiro do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), acredita que esse debate possa ser encarado pelo CGI não apenas pela multiplicidade de atores ali representados, mas também por ser o órgão hoje mais bem estruturado em termos de informação. Segundo ele, o CGI acompanha há muito tempo a evolução da Internet e pode ajudar os formuladores de políticas e atores do mercado a compreender a dimensão do ecossistema no Brasil, disse.