Com a decisão da Assembleia Geral de Credores da Oi de suspender a votação do plano de recuperação judicial para o dia 25 de março, todas as atenções ficam voltadas para o acordo entre Oi, Anatel e Tribunal de Contas da União.
Na mesa do acordo de pactuação por consenso estão as condições para a Oi migrar as suas concessões de telefonia fixa para o modelo de autorização, e com isso livrar os bens reversíveis, poder fazer a venda dos imóveis e se ver livre de pesadas obrigações regulatórias.
Na mesa estão, de um lado, o valor que a Anatel e o TCU definiram para essa migração: cerca de R$ 20 bilhões. E do outro o que a Oi alega ter direito na arbitragem contra a Anatel por desequilíbrios causados na concessão ao longo dos anos. É uma conta de pelo menos R$ 50 bilhões, segundo a Oi. O prazo para a construção de um acordo vai até dia 23 de março (ainda que o prazo regimental para aprovação definitiva no TCU ainda vá até maio, como detalhou TELETIME aqui).
Em diversas ocasiões, a Oi sinalizou que pretende sair dessa pactuação no zero a zero. Ou seja: migra para o modelo de autorização sem nenhum custo, e abre mão da arbitragem. Mas é improvável que o TCU e a própria Anatel aceitem um acordo em que a Oi saia sem nenhuma obrigação, só pelo fim da arbitragem. Afinal, a Lei do Novo Modelo (Lei 13.879/2019), que permitiu a adaptação da concessão, foi aprovada justamente com o discurso de que haveria investimentos em banda larga em troca do fim das concessões.
A questão é que a Oi não tem a menor condição econômica de sair da recuperação judicial com recursos suficientes para assumir compromissos de políticas públicas. Ou seja, alguém tem que assumir por ela.
As implicações para o BTG
O que joga o BTG, seu sócio na V.tal, no olho do furacão. A V.tal tem várias preocupações na mesa, e seu futuro está intimamente ligado ao futuro da Oi. Algumas razões:
1) Parte da rede da V.tal é considerada reversível pela Anatel, razão pela qual a separação da rede de fibra da Oi só foi aprovada com a garantia de que a Oi manteria posição de controle na V.tal. Se a Anatel intervier na Oi, ou se houver a retomada dos bens reversíveis, haverá sem dúvida uma discussão sobre que parte da infraestrutura da V.tal retorna para a União ou deverá ser disponibilizada para a continuidade dos serviços de telefonia fixa;
2) A participação da Oi na V.tal, em torno de 31%, não pode ser reduzida abaixo de 20% sem a aprovação da Anatel, pelos mesmos motivos acima: a garantia da preservação dos bens reversíveis e da funcionalidade da concessão;
3) A V.tal ficou com a sucata de cobre da Oi, em troca de uma dívida de R$ 2,5 bilhões que a Oi teria com a Globenet. A Anatel autorizou a venda de sucata da rede de cobre, desde que assegurado que os recursos sejam revertidos na concessão;
4) A Oi é a principal cliente da V.tal, e qualquer coisa que aconteça com os mais de 4 milhões de clientes de banda larga em fibra da Oi, que funcionam na rede da V.tal, é do interesse da operadora de rede neutra. Os potenciais compradores da ClientCo já deixaram evidente a intenção de negociar os contratos de uso da rede de fibra com a V.tal.
5) No caso de uma intervenção da Anatel na Oi, a agência vai querer priorizar o caixa da empresa (na casa dos R$ 1,8 bilhão) para pagar as despesas referentes ao serviço de telefonia. Tudo aquilo que consuma o caixa de maneira mais significativa (como o contrato de uso da rede da V.tal para banda larga) certamente vai ficar sob a lupa do interventor.
Ainda não está claro de que maneira que o BTG poderia participar de uma solução para o acordo Oi/Anatel/TCU. Uma das possibilidades sendo especuladas é que os planos de expansão da V.tal sejam convertidos em compromissos, numa espécie de troca de investimentos já projetados pela operadora de rede neutra em um modelo que combine cidades e localidades com retorno (VPL) negativo e positivo.
A dificuldade desse tipo de acordo é a oposição de outras empresas. Vale lembrar que a Anatel viu frustrada uma tentativa de fazer, no passado, um acordo de ajustamento de conduta com a Vivo justamente porque parte dos investimentos seria em cidades onde havia concorrentes, e hoje existem operadores de fibra em praticamente todas as cidades do Brasil.
As implicações para o governo
Mas existe também uma grande pressão sobre o governo. Se o acordo com a Oi não acontecer, a empresa vai levar a arbitragem adiante. Hoje o valor pedido é da casa dos R$ 50 bilhões. Que a Oi consiga um êxito de 10% em seus pleitos, já seria uma conta de R$ 5 bilhões em precatórios que terão que ser pagos aos acionistas da Oi, podendo ser um valor bem maior.
Além disso, sem o acordo para a migração da concessão para autorização, uma intervenção da agência na Oi se torna inevitável, o que joga o governo na responsabilidade de ter que assumir a operação de telefonia fixa até achar um novo comprador para a concessão, e se isso não acontecer, ele mesmo operar.
Operar telefonia fixa hoje é uma operação deficitária (a Anatel estima em algo entre R$ 2 bilhões e R$ 4,4 bilhões nos próximos dois anos), ainda mais se não estiver atrelada a um pacote de outros serviços, como banda larga ou serviços móveis. E existem inúmeras responsabilidades estabelecidas pela regulamentação.
Só a Oi, como mostrou TELETIME nesta reportagem, tem que atender 53 mil clientes como serviço de utilidade pública, como bombeiros, polícia, Defesa Civil, Vigilância Sanitária entre outros. São mais de 43 tipos diferentes de atendimento, em praticamente todos os municípios brasileiros. Sem falar no atendimento ao usuário residencial de telefonia fixa e milhões de estabelecimentos comerciais que ainda dependem do telefone fixo.
Além disso, o Plano Geral de Metas de Universalização, que integra o conjunto de obrigações da concessão, estabelece regras de atendimento aos clientes de STFC (incluindo prazos de ativação), disponibilidade mínima da rede, terminais de uso público e até mesmo a disponibilização de backhaul de fibra em 2 mil localidades brasileiras. Tudo isso (e os custos destas obrigações), e outras obrigações, cairiam no colo da União.
O fator Tanure
Mas existe um movimento paralelo, que nos últimos dias perdeu calor, mas que pode estar inclusive por trás do interesse do governo para o adiamento da AGC: dar tempo para que o empresário Nelson Tanure, por meio da Trustee DTVM, assuma posição de controle na Oi. Tanure, que tem como braço direito o ex-ministro das Comunicações Hélio Costa, tem acesso aos partidos de sustentação do governo no Congresso, e estaria se movimentando para assumir uma posição no conselho da operadora.
Em tese, um acionista com mais de 5% de participação na Oi (caso da Trustee DTVM) precisaria de pelo menos 30 dias para convocar uma assembleia de acionistas com a finalidade de alterar a composição do conselho da empresa e assim assumir posição de comando e poder influenciar na negociação com os credores.
A Assembleia Geral de Credores será retomada dia 25 de março, o que é um prazo inferior ao que uma tomada hostil necessitaria. Mas a homologação do Plano de Recuperação Judicial, se for aprovado, leva mais tempo. Há quem considere que Tanure ainda não pode ser descartado na equação sobre o futuro da Oi.
Lembrando que no passado a Anatel já atuou para impedir uma outra tentativa de tomada de controle do empresário. Mas o cenário político era outro.
E o que Tanure pode estar buscando? Aposta-se em uma manobra de fortalecimento de posição na mesa de negociações com o BTG ou com eventuais compradores da ClientCo. Tanure tem interesse de negociar a venda da rede da Ligga Telecom para a V.tal (ou entrar como sócio da empresa de rede neutra), e se tiver posição de controle sobre a Oi, sua posição para essa conversa se fortalece.
São especulações de mercado movidas muito mais por suposições do que por fatos concretos, mas que hoje têm sido seriamente avaliadas pela Oi, pela Anatel, pelo governo e pelos credores numa análise de cenários futuros para a companhia.
Análise perfeita. Infelizmente o Governo Lula não tem se manifestado, aparentemente fechando os olhos para os problemas, no "faz de conta que não é com ele", entretanto a conta pode ser muito maior e o prejuízos para os, ainda usuários da telefonia fixa e, claro, os empregados que perdem seus empregos pela redução proposital da Rede metálica da telefonia fixa ainda em uso nas residências.