Sem regulamento, contas do backhaul favorecem empresas

O mistério sobre o processo de troca de metas de universalização para incluir a expansão do backhaul como uma obrigação das concessionárias ganha novos contornos. A Anatel tem sofrido nas mãos da Justiça, que paralisou a mudança de metas por suspeitar que, sem uma citação expressa nos contratos de outorga, não há garantias de que essa nova rede será reversível à União ao fim da concessão. Mas os problemas não estão restritos às dúvidas sobre a reversibilidade. As contas da Anatel para garantir que havia equivalência econômica entre a instalação dos Postos de Serviços de Telecomunicações (PSTs) e expansão do backhaul podem colocar a agência novamente na berlinda.
Para que o governo pudesse trocar a meta de instalação de PSTs pela de implantação de backhaul sem que fosse necessário mexer nas tarifas de telecomunicações, a Anatel teve a missão de estruturar a mudança de forma que os custos fossem absolutamente equivalentes para as concessionárias. Para isso, foi encomendada uma fórmula ao CPqD capaz de abarcar os custos variáveis das duas estruturas em jogo. O resultado desse exercício matemático jamais foi divulgado oficialmente pela Anatel, que apenas assegurou publicamente que os valores eram coincidentes.
No entanto, as tabelas resultantes desses estudos mostram uma realidade diferente do divulgado até agora. O trabalho final da Anatel, ao qual este noticiário teve acesso, mostra uma equivalência de valores tão perfeita que atinge até a última casa decimal. Mas a coincidência de custos não se sustenta sob uma análise um pouco mais atenta do sistema utilizado para obter esse resultado tão preciso.

Notícias relacionadas
Para fazer os valores se ajustarem com tal excelência, a Anatel incluiu no projeto uma "fase 2", que sequer está retratada com clareza no decreto presidencial que trocou as metas de universalização. Nessa fase 2 seriam atendidos, segundo os cálculos da agência reguladora, 28.207 mil localidades. Esse número é nada menos do que oito vezes o total de localidades a serem atendidas na "fase 1", que nada mais é do que a exigência feita no decreto e assumida até agora pelas empresas.
A desproporção tem uma explicação simples: a implantação do backhaul nas sedes municipais não chega a custar sequer um terço do que seria investido nos PSTs. Para atender as sedes municipais, as concessionárias gastariam R$ 242,169 milhões segundo os cálculos da Anatel. Porém, se a meta dos PSTs fosse mantida, o custo com a implantação dos postos seria de R$ 802,480 milhões. A diferença entre uma meta e outra, de R$ 560,311 milhões, seria compensada com a execução da fase 2.
Desaparecimento
Dessa forma, uma pergunta surge naturalmente: onde está o detalhamento da fase 2? A resposta é que ele não existe. Assim como a própria fase 2. Segundo o material da área técnica da Anatel, essa segunda etapa seria detalhada na regulamentação do decreto que trocou as metas. Regulamentação esta que ainda não foi feita, apesar de o documento presidencial ser bastante preciso sobre o prazo: a Anatel tinha 120 dias para fazer o decreto, data esta que venceu em agosto do ano passado.
Só que, por recomendação da área técnica da Anatel, a fase 2 foi eliminada do processo. Assim, a agência aprovou a implantação do backhaul em "fase única", o que abre caminho para o entendimento de que as 31.646 mil localidades (soma das 3.439 mil sedes municipais com as demais 28.207 mil localidades na conta da Anatel) seriam atendidas dentro de um único cronograma. Mas não é assim que a implantação do backhaul está sendo feita.
Segundo fontes que participaram das negociações da mudança das metas, esta lista de "outras" localidades, fora as sedes, seria organizada em 2010, quando executarão uma auditoria sobre os lucros obtidos pelas concessionárias com a exploração do backhaul e a existência de um "eventual saldo de recursos", segundo o decreto nº 6.424/2008, que alterou o PGMU.
As concessionárias não falam do assunto abertamente. No entanto, fontes das empresas asseguram que o que está sendo cobrado neste momento é a expansão do backhaul apenas nas sedes dos municípios, ou seja, a antiga fase 1 dos cálculos da Anatel. Olhando o decreto 6.424/2008, responsável pela troca das metas, fica ainda mais claro de que apenas a fase 1 está sendo contabilizada até agora, já que o cronograma editado pelo governo faz referência apenas às sedes, ou seja, 3.439 municípios até 2010.
Conta ao contrário
Assim, a falta da "fase 2" gerou uma desproporção flagrante entre uma meta e outra até este momento. E um saldo positivo para todas as concessionárias. Os resultados consolidados dos cálculos mostram o seguinte panorama para cada uma das empresas:
Telemar – Gastaria R$ 420,311 milhões com PSTs. Para atender as sedes municipais com backhaul (fase 1), a previsão de gastos é de R$ 177,580 milhões. A diferença, de R$ 242,731 milhões, seria paga no atendimento a outras localidades não listadas (fase 2).
Brasil Telecom – Gastaria R$ 236,829 milhões em PSTs. Desembolsará R$ 41,833 milhões com o atendimento das sedes com backhaul (fase 1), restando R$ 194,996 milhões para equilibrar as contas com outras localidades (fase 2).
Telefônica – os PSTs custariam R$ 131,771 milhões. Para atender as sedes municipais com backhaul, precisará injetar apenas R$ 18,794 milhões (fase 1), sobrando R$ 112,976 milhões para a inexistente fase 2
CTBC Telecom – Desembolsaria R$ 12,334 milhões com PSTs. Pagará R$ 3,961 milhões com o backhaul nas sedes municipais (fase 1) e, com os outros R$ 8,373 milhões restantes, atenderia a fase 2
Sercomtel – É o caso mais intrigante. Gastaria R$ 1,235 milhão com PSTs e não precisará desembolsar um centavo com o atendimento das sedes (todas as duas cidades cobertas pela tele já têm backhaul). Assim, o investimento do dinheiro "economizado" viria apenas na fase 2.
Com esses dados, a própria Anatel chega à seguinte conclusão: "Considerando-se o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, a instalação da infraestrutura de conexão IP de alta velocidade nas sedes dos municípios não atingiria o total do custo de instalação dos PSTs. Portanto, foi necessária a previsão de uma segunda fase de instalação de backhaul, cujos critérios serão definidos pela Anatel mediante regulamento".
Sem regras
O panorama acima demonstra que, sem a fase 2, não há como as contas se equilibrarem, e nesse caso as empresas sairão no lucro. E, conforme a legislação, esse ganho precisa ser revertido em ganhos tarifários para o consumidor.
Considerando que ainda prevaleça a indicação de que esta segunda etapa será regulamentada pela agência, o regramento da implantação do backhaul passa a ser fundamental para conciliar os custos. No entanto, seis meses depois de expirar o prazo para a criação do regulamento, o Conselho Diretor da Anatel sequer está analisando uma proposta para este documento.
Assim, não existe hoje um parâmetro divulgado publicamente sobre a real equivalência entre as metas. Durante o processo de negociação com o governo, as concessionárias reclamaram que não haveria equilíbrio entre as contas, argumentando que o backhaul sairia bem mais caro do que a instalação dos PSTs. Até o momento, não é esta a realidade, mas realmente não há como assegurar que as contas se equilibrarão realmente, mesmo com a execução futura de uma fase 2.
Até porque a auditoria pode chegar a valores maiores ou menores dos obtidos pela Anatel para o atendimento da segunda etapa, uma vez que não se sabe formalmente até hoje quais os parâmetros de custos considerados para a expansão nas mais de 28 mil localidades sem atendimento.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui
Captcha verification failed!
CAPTCHA user score failed. Please contact us!