Lei de proteção de dados pessoais é debatida no Senado, com oposição do setor privado

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal examina um projeto de Lei que trata da proteção dos dados pessoais, o PLS 181/2014, de autoria do senador Vital do Rego (PMDB-PB). Em audiência pública realizada nesta terça, 2, ficou claro que o setor privado é contra o projeto, basicamente porque as regras sobre o tratamento dos dados pessoais coletados pela Internet ou fora dela já existem em diversas outras leis.

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Talvez a posição mais dura contra o projeto seja da Federação Brasileira dos Bancos. O diretor da entidade, Leandro Vilain, argumentou que o projeto vai encarecer a análise de crédito dos bancos e, como consequência, vai aumentar a taxa de juros no País. "O projeto põe em risco toda a estrutura de análise de risco de crédito para o mercado financeiro. A inclusão financeira exige maiores níveis de conhecimentos sobre a população que está entrando no sistema agora, e dessa forma é fundamental coletar informações úteis sobre o cliente para impedir crescimento da inadimplência", disse ele.

Outro ponto de crítica da entidade é que o projeto exige que o cidadão tenha conhecimento "da lógica subjacente ao tratamento automatizado dos seus dados". Para Vilarin, isso significa obrigar os bancos a divulgar a sua metodologia de análise de crédito, o que poderá fomentar fraudes e, no fim das contas, levará os bancos a convergirem para uma metodologia única, já que as instituições conheceriam a metodologia umas das outras.

"O PL se excede na sua proteção a ponto de prejudicar a outra ponta na relação de consumo, os bancos e o consumidor. Pressiona a taxa de juros do setor para cima e aumenta a exposição a fraudes. Por isso, pedimos alteração substancial ou alternativamente pedimos a rejeição do projeto", disse ele.

Para o vice-presidente da Câmara e-Net, Leonardo Palhares, é preciso levar em conta que a Internet se desenvolveu no modelo da gratuidade, sendo financiada por publicidade que, por sua vez, utiliza os dados pessoais dos internautas. "O consentimento não necessariamente precisa existir e, existindo, não precisa ser expresso e inequívoco sob pena de prejudicar o modelo econômico que se baseia na gratuidade. Haverá a possibilidade muito nefasta sob ponto de vista democrático e social de restrição ao uso da Internet", afirma.

Fragmentação

Outra crítica presente nos discursos dos representantes do setor privado diz respeito às múltiplas normas que tratam do assunto. O diretor jurídico da Associação das Empresas de Software (Abes), Manoel Antônio dos Santos, citou inúmeras passagens do Marco Civil da Internet que disciplinam o tratamento dos dados pessoais. Além disso, esse tema também está presente em diversas outras legislações como Código de Defesa do Consumidor (CDC), a Lei de Acesso à Informação, regulamentos da Anatel etc. Para ele, alterações pontuais em leis já existentes dariam conta de resolver as eventuais lacunas legislativas que possam existir sobre o tema.

Coube ao coordenador da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça, Danilo Doneda, defender a existência de uma lei que trate do assunto. Para ele, justamente porque há uma grande fragmentação do assunto é preciso tratá-lo de forma unificada em um único instrumento. "A regulamentação já está sendo feita, mas de forma fragmentada, assistemática, que vai causar colisões entre normas e insegurança. O risco é de você ter normativa incoerente. É necessário uniformização para que todos os setores possam dialogar entre si", afirma ele.

Projeto do Executivo

Vale lembrar que o Ministério da Justiça trabalha em um anteprojeto de lei sobre proteção de dados pessoais que deve passar por uma nova rodada de consulta à sociedade. Doneda disse que a proposta que tramita no Senado não entra em choque com o texto do MJ, mas ele disse que não podia opinar sobre o encaminhamento político do ministério agora que o Senado já trata do tema.

Uma diferença importante entre os dois textos é que o do Senado não cria (e nem pode criar) um órgão regulamentador da proteção de dados pessoais. Explica-se: o Congresso não pode criar novas despesas para o Executivo. Por outro lado, o texto do MJ prevê a criação desse órgão. De toda a forma, o setor privado prefere que haja espaço para a autorregulamentação.

Segundo Doneda, tratar de proteção de dados pessoais também ataca a questão da assimetria de informações entre os cidadãos e as empresas. Quem tem informação pessoal tem poder e esse poder pode ser exercido contra o titular desses dados. "Afirmar que não utiliza os dados pessoais quer dizer o quê: 'nós temos poder, mas não exercemos'. Isso causa um desequilíbrio de poder entre as relações", afirma.

É por este motivo que aqueles que têm menos condições de saber o que é feito com os seus dados devem ter maiores garantias, explica ele. "Essa constatação não é primazia do nosso ministério. Hoje há 102 países em todo o mundo que possuem marcos normativos gerais sobre proteção de dados e 92 possuem autoridades públicas destinadas a zelar pela aplicação dessa lei", afirma ele.

Tramitação

O relator da matéria na CCJ, senador Aníbal Diniz (PT-AC), já avisou que, diante das várias contribuições, vai alterar o seu relatório. Diniz realizou apenas mudanças pontuais no texto original do senador Vital. "Temos muito elementos para reestudar o relatório da matéria. Não tem como imaginar manter o relatório depois de tantas contribuições significativas", disse ele.

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