Entidades da sociedade civil e pesquisadores que atuam no tema de direitos digitais estão organizando um movimento global contra o "fair share", também chamada de "network contribution" ou "network fee" por opositores da abordagem. A ideia é que o movimento seja lançando no próximo Internet Governance Forum (IGF), que acontece na cidade de Kyoto, Japão, na primeira semana de outubro, com um manifesto que está circulando globalmente para adesões.
O documento, que circula internacionalmente para adesão de assinaturas, diz que na Europa, onde essas discussões avançaram ao longo do ano passado, um conjunto de grupos de interesse rejeitaram a ideia porque ela afeta a concorrência, a pluralidade dos meios de comunicação social, a proteção do consumidor, a inovação e a qualidade do serviço. O manifesto diz também que foram expressas outras preocupações sobre a forma como a proposta viola a neutralidade da rede e o seu efeito prejudicial na Internet aberta e global.
"Na verdade, um mecanismo de compensação monetária direta ou indireta às operadoras de telecomunicações com base nos fluxos de tráfego de interligação teria um efeito imediato e abrangente sobre os utilizadores e os mercados digitais. Tal intervenção num mercado anteriormente não regulamentado teria um impacto negativo na escolha dos consumidores e nos preços dos serviços online", diz o documento.
São citados estudos que mostram que tal intervenção criaria um ambiente jurídico imprevisível e inconsistente e criaria uma carga administrativa significativa, hostil à inovação e ao investimento. As entidades fazem um apelo global, aos governos de todo o mundo para que se a medida não seja introduzida nos ordenamentos jurídicos nacionais.
O documento cita organismos internacionals, como o Body of European Electronic Communications Regulators (BEREC), e a OCDE, para postular que a Internet provou a sua capacidade de lidar com volumes crescentes de tráfego, mudanças na procura padrões, tecnologias, modelos de negócios, bem como no poder de mercado (relativo) entre os participantes do mercado.
"Estes desenvolvimentos refletem-se nos mecanismos de interligação IP que regem a Internet, que evoluíram sem necessidade de intervenção regulatória", diz o documento.
O ambiente digital criado, diz o manifesto, produziu um ambiente altamente competitivo, em grande parte sem regulamentação ou organização central, com um modelo de troca de tráfego que produziu preços baixos, promoveu a eficiência e a inovação e atraiu o investimento necessário para acompanhar o ritmo da procura.
Também é citado o caso da Coreia do Sul, onde a implementação do sistema de fair share, teria resultado em preços elevados, um mercado de interconexão deficiente e efeito adverso sobre o investimento. Além disso, na Europa, muitos outros grupos de interesses manifestaram a sua oposição, incluindo associações que representam todos organismos de radiodifusão privados e públicos e organismos preocupados com a pluralidade dos meios de comunicação social; estes incluem partes interessadas como a Sports Rights Owner Coalition, a Motion Picture Association e a Wikimedia Europe.
No final, diz o manifesto que será lançado no IGF, o debate sobre a partilha justa não tem a ver com grandes tecnologias e não tem a ver com investimento em infraestruturas, mas sim de devolver o poder às operadoras de telecomunicações para exigirem pagamento a quem quiser chegar aos seus clientes. "Não importa o quanto as operadoras de telecomunicações tentem distorcê-la, esta questão tem a ver com a neutralidade da rede e, efetivamente, com os direitos dos utilizadores. No final, este modelo de negócio da era da telefonia representaria uma mudança radical no funcionamento da Internet global e poderia fragmentá-la", afirma o documento.
Por fim, as entidades reforçam o apelo aos líderes políticos e aos governos de todo o mundo que se oponham à imposição de obrigações de pagamento direto em benefício de operadoras de telecomunicações. "O sistema atual funciona, provou a sua resiliência e a sua capacidade de evoluir juntamente com a Internet", finalizam as entidades.