Em nota divulgada na última sexta-feira, 15, a Coalizão Direitos na Rede (CDR) manifestou preocupações sobre a nova norma do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que regulamenta a propaganda eleitoral no ambiente digital para as eleições de 2024.
A principal delas é a que trata sobre a responsabilidade das plataformas nos conteúdos produzidos por terceiros. Segundo a rede de organizações que defendem direitos digitais, a Resolução n° 23.732/2024 contém um dispositivo prevendo que provedores de aplicação serão "solidariamente responsáveis, civil e administrativamente, quando não promoverem a indisponibilização imediata de conteúdos e contas, durante o período eleitoral", em casos que a corte eleitoral chama de "casos de riscos".
Para a CDR, o dispositivo da Resolução do TSE interfere no atual regime de responsabilidade de provedores sobre o conteúdo produzido por seus usuários estabelecido na legislação brasileira, especificamente pelo Marco Civil da Internet, em seu artigo 19.
O MCI diz que que os provedores somente serão responsabilizados civilmente por conteúdos gerados por usuários nos casos em que descumprirem ordem judicial específica de remoção.
Para a CDR, o artigo 9°-E da Resolução n° 23.610/2019 do TSE pode afetar a liberdade de expressão e a livre circulação da informação nas redes sociais, na intenção de combater a circulação de notícias falsas. "Este regime de responsabilidade sobre conteúdos produzidos por usuários não deve ser defendido por conta do interesse empresarial, mas por conta de estar diretamente conectado a direitos dos próprios usuários. Com esta proposta em vigor, assume-se que as plataformas de Internet devem implementar filtros e tecnologias para decidir instantaneamente se aquilo que seus usuários postam gera estes riscos sob pena de responderem na Justiça – sem qualquer incentivo para que elas mantenham no ar os vários casos que gerarão dúvida. O caminho fácil para o poder econômico será assumir o risco de derrubar publicações legítimas", afirma em nota da CDR.
Dessa forma, a norma do TSE alteraria o estabelecido com o arcabouço jurídico brasileiro, o que deveria ser feito por alteração legislativa. Como exemplo, a CDR cita o debate que está em curso no Congresso Nacional na forma do Projeto de Lei No 2.630 de 2020, que trata deste e de diversos outros temas sobre regulação de plataformas e cuja importância a CDR tem reiterado nos últimos anos.
"A política proposta no dispositivo 9°-E – a indisponibilização imediata de conteúdos e perfis durante o período eleitoral, nos casos de riscos trazidos pela normativa – induzirá que as empresas provedoras de aplicação optem pelo caminho da segurança e proteção de sua própria operação, e promovam uma retirada massiva de conteúdo para evitar que sejam sancionadas", afirma a Coalizão Direitos na Rede.
A CDR sugere ao TSE que discuta as graves consequências desse dispositivo e dialogue com a sociedade civil e especialistas que vêm contribuindo com o tema, inclusive sobre a consulta sobre essa regulamentação que a corte eleitoral fez, na tentativa de encontrar formas de reparar os efeitos indesejados que a nova resolução pode ocasionar na sociedade.
Constitucionalidade do artigo 19
O regime a responsabilidade das plataformas previsto no Marco Civil da Internet e a moderação de conteúdos nas redes sociais estão em debate no Supremo Tribunal Federal (STF). A corte constitucional brasileira discute a responsabilidade de provedores de aplicativos ou de ferramentas de Internet por conteúdo gerado pelos usuários e a possibilidade de remoção de conteúdos que possam ofender direitos de personalidade, incitar o ódio ou difundir notícias fraudulentas a partir de notificação extrajudicial.
As duas questões são objeto dos Recursos Extraordinários (REs) 1037396 e 1057258 (Temas 533 e 987 da repercussão geral), recordou o STF.
O Tema 533, de relatoria do ministro Luiz Fux, trata do dever de empresa hospedeira de sítio na Internet de fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar, sem intervenção judicial, quando for considerado ofensivo.
Já o Tema 987, relatado pelo ministro Dias Toffoli, discute a constitucionalidade de regra do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) que exige ordem judicial prévia e específica de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedores, hospedeiros de websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.