Em debate que discutiu redes do futuro e fair share, que aconteceu nesta quarta-feira, 13, segundo dia do Painel Telebrasil Summit 2023, o advogado e professor de direito da Universidade de São Paulo, Floriano de Azevedo Marques, defendeu que é necessário refundar a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) caso ela queira assumir novas atribuições regulatórias do ecossistema digital.
"Acho que o temos que enfrentar aqui, é revisitar essa estrutura [da Anatel]. Isso porque tem muito interesse público a ser tratado nessa forma de regulação. E isso nos força a olhar para outros setores", apontou o advogado.
O tema está sendo discutido em diversos espaços, inclusive no Congresso Nacional, no projeto de lei 2.768/2022, do deputado João Maia (PL-RN), que atribui à Anatel a função de órgão responsável por fiscalizar, disciplinar e até mesmo de aplicar sanções a aplicações over-the-top, mantendo-as ainda como Serviço de Valor Adicionado (SVA). Isso envolve a atuação da agência nos SVAs de intermediação; ferramentas de busca; redes sociais; plataformas de compartilhamento de vídeo; serviços de mensageria e serviços de publicidade online ofertados por operador das plataformas digitais, dentre outras aplicações.
Segundo Azevedo, se o espaço para regular esse ecossistema é a Anatel, criar apenas uma superintendência nova, ou uma diretoria, é pouco. "Temos que pensar em reconfigurá-la. O projeto do Sergio Motta era criar a Anatel, e depois ela evoluir para uma Anacom. Essa discussão, não é de uma diretoria da Anatel. É algo maior", apontou o advogado.
Já o conselheiro da agência Alexandre Freire pensa diferente. Para ele, a Anatel está sim preparada para assumir essas novas atribuições. "Seu papel hoje não é mais aquele pensado há 26 anos atras. Hoje tratamos de plataformas digitais, IA, e afins. São temas diversos daqueles pensados há 26 anos. Temos superintendências que hoje desenvolvem trabalhos de altíssima expertisse", disse Freire no debate.
Para ele, o aperfeiçoamento do Conselho Consultivo pode muito bem representar a parte multissetorial da agência. E ele também defendeu que a criação de uma superintendência nova, focada em direitos e serviços digitais, pode servir para atender a essas novas atribuições.
Debate no parlamento
O deputado João Maia, autor do projeto de lei que propõe novas atribuições para a Anatel defendeu a sua proposta, dizendo que é falho um modelo que cria uma série de medidas regulatórias sem apontar quem regule e fiscalize. Neste sentido, a agência seria o locus ideal para regular plataformas digitais no Brasil.
"Eu acho que a Anatel tem uma experiência, uma vivência. Isso é mais fácil do que criar outro órgão. O nosso projeto é aberto. Acho que a Anatel não pode pensar em conteúdo. Eu lancei a proposta da diretoria, com um imposto para financiar, porque precisamos de uma estrutura", disse Maia.
Segundo ele, a ideia é que a deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), relatora da proposta, produza um relatório para discutir com os líderes partidários. "Depois aprovamos a urgência da matéria para votação em plenário", afirmou. Ao final, ele disse que mais do que apontar uma estrutura, a proposta do seu projeto de lei é provocar o debate. "Nosso projeto é provocativo. E ele está cumprindo o seu papel", finalizou.
Modelos internacionais
A Conselheira para Economia, Indústria e Transformação Digital da União Europeia no Brasil, Maria Buzdugan, uma das participantes do debate, defendeu a criação de regramentos para regular as plataformas. Segundo elas, as regras são importantes porque o poder das plataformas pode ser prejudicial para diversos direitos fundamentais.
"Nós [europeus] também achamos que é importante regula-las. Nós conseguimos convencer todos os nossos estados membros a adotar as regras. E temos leis em implementação. O Digital Service Act (DSA) prevê a responsabilidade compartilhada entre os estados membros do bloco europeu na sua implementação", afirmou. A coordenação da legislação está a cargo da Comissão Europeia junto com coordenadores nacionais de cada estado.
Fair share
Sobre fair share, na declaração das principais instituições europeias do setor de telecomunicações, está prevista a inclusão do fair share. "Estamos todos compromissados para um modelo sustentável. É importante não tornar essa discussão em um conflito entre big techs e os outros. Estamos discutindo como essas empresas vão pagar esse share", afirmou Maria Buzdugan.
O advogado Floriano de Azevedo, entretanto, entende que o termo fair share não é o mais adequado, já que no fundo, no sistema capitalista, todos querem ganhar o "seu" e não compartilhar. Ele também aponta que esta não é uma das melhores saídas, já que no Brasil, existem problemas anteriores de financiamento de redes, que, antes de se pensar em uma política como a do fair share, precisam ser solucionadas.
Para Mario Girasole, VP de assuntos institucionais e regulatórios da TIM, essa fragmentação das ações dos usuários precisa levar a uma conceituação nova que preveja como cada usuário contribui para a evolução desse ecossistema. "Quando falamos de ecossistema, estamos falando de um complexo sistema. E isso precisa fazer parte da agenda regulatória", disse o executivo.
Ele também lembrou que uma rede de telecom não é um tubo, já que essa infraestrutura possui tecnologia e inteligência na entrega do tráfego. "A tecnologia não é má, boa ou neutra. Hoje, não temos uma forma de financiamento adequada das redes. Eu acho que precisamos ver quem está lucrando com as redes, e fazer um modelo que permita o compartilhamento desses custos", finalizou Girasole.