Não são incomuns legislações locais que disciplinam matérias relacionadas aos serviços de telecomunicações, competência privativa da União. Há também caso de legislação federal questionada por supostamente avançar contra competências de estados e municípios.
Esses conflitos de competência têm sido superados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em decisões que favorecem o caráter nacional das telecomunicações e permitem inferir critérios para a solução de futuros conflitos.
Leis locais que criam condições adicionais
Obrigações gerais e impostas aos prestadores de serviços em geral, como a proteção ao consumidor e padrões de acessibilidade a pessoas com deficiência, devem ser cumpridas pelas operadoras de telecomunicações. Contudo, leis locais que preveem obrigações específicas para as operadoras podem gerar conflitos com leis federais.
É o caso de lei estadual da Bahia que impunha às operadoras obrigação de instalar e manter bloqueadores de sinais em estabelecimentos penais. Na ADI 5253/BA, o STF a declarou inconstitucional por entender que, ao criar obrigações não previstas nas relações existentes entre as operadoras e a União, a lei interferiu na competência privativa do ente federal.
Fundamentos similares foram utilizados na ADI 4478/AP e na ADI 4477/BA, nas quais foram julgadas inconstitucionais leis locais que, a pretexto de protegerem direitos do consumidor, interferiram na política tarifária dos serviços.
Nas ADIs 4401/MG e 4739/DF, foram questionadas leis estaduais que teriam invadido a competência federal ao versarem sobre fornecimento de informações para fins de segurança pública. O Supremo as declarou inconstitucionais por entender que interferiam na própria atividade de telecomunicações.
Noutro giro, há casos em que o Tribunal considerou constitucionais leis locais que apenas tangenciavam os serviços de telecomunicações. O primeiro é o da Lei 7.574/2017, do Estado do Rio de Janeiro, que impõe a obrigação de informar ao consumidor a identidade dos funcionários que prestariam serviços de telecomunicação em sua residência ou sede (ADI 5745/RJ). O segundo é o da Lei 6.295/2012, também do Estado do Rio de Janeiro, que dispõe sobre multas de fidelidade em aquisições de aparelhos celulares (ADI 4908/RJ).
Depreende-se desses casos que os entes locais não podem impor obrigações relacionadas à organização e prestação dos serviços de telecomunicações em si, por exemplo, afetando a política tarifária ou a relação entre operadoras e ente federal.
Por outro lado, a princípio, não seriam inconstitucionais leis locais que disciplinarem assuntos acessórios aos serviços; ou impuserem obrigações de caráter meramente informativo ao consumidor. Isto é: leis que envolverem os serviços de telecomunicações apenas lateralmente, sem afetar sua organização.
Conflitos relacionados à infraestrutura
Há, ainda, conflitos gerados em razão de leis versando sobre infraestrutura, elemento essencial para os serviços de telecomunicações por efetivamente dar o tom de sua qualidade, sendo a responsável por permitir maior número de acessos, cobertura, capacidade e velocidade.
De um lado, há conflitos protagonizados por estados e municípios que, aproveitando-se do fato de as infraestruturas de telecomunicações tangenciarem competências que lhes são asseguradas, dispõem sobre o tema, frequentemente afetando a prestação dos serviços.
É o caso, por exemplo, de leis locais que impõem condicionantes para a instalação de estações de telefonia. Leis nesse sentido foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo em dois julgamentos de relevo.
Na ADI 2902/SP, o STF declarou inconstitucional a Lei 10.995/2001, do Estado de São Paulo, que impunha limites à emissão de radiação por estações de telefonia e estabelecia distâncias mínimas entre estas e outras edificações. Nesse caso, conflitavam a competência da União sobre telecomunicações e a competência concorrente de proteção à saúde, no caso, exercida pelo estado. A matéria já era disciplinada em âmbito federal e o Plenário entendeu ser descabida eventual complementação por leis locais.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 981.825/SP, a Primeira Turma julgou inconstitucional a Lei nº 13.756/2004, do Município de São Paulo, que também estabelecia diversos requisitos para instalação e funcionamento de estações. Aqui, a competência da União conflitava mais diretamente com as competências municipais para legislar sobre assuntos de interesse local e disciplinar o uso e ocupação do solo urbano.
A Primeira Turma, seguindo o precedente do ARE 929.378 AgR, entendeu que a lei invadiu a competência privativa da União ao estabelecer requisitos e restrições à instalação de estações. Para a Corte, o ordenamento territorial não permite que o Município disponha sobre matérias constitucionalmente reservadas ao ente federal.[1]
De outro lado, há conflito manifestado por lei federal que, na intenção de promover uma coesão nacional para a implantação de infraestrutura, foi questionada por supostamente invadir matérias de urbanismo, competência concorrente de todos os entes federativos, e de contratações administrativas, em que entes locais também possuem margem de autonomia.
Trata-se da ADI 6482, caso paradigmático para o setor, na qual a Lei das Antenas (Lei 13.116/2015) foi questionada por dispensar contraprestação em decorrência do direito de passagem em vias públicas, faixas de domínio e em outros bens públicos de uso comum do povo, mesmo se objeto de concessões e delegações.
O STF fundou-se, essencialmente, na importância e aumento de interesse pelos serviços de internet e telecomunicações, bem como no teor uniformizante e simplificador dos procedimentos estabelecidos pela lei, que visam facilitar a implementação de infraestrutura e a ampliação da capacidade instalada das redes.
Para o Tribunal, os bens públicos devem estar afetados e vinculados ao interesse público, sendo legítima a restrição imposta pela lei (gratuidade), vez que decorre da necessidade de prestação de serviço de interesse coletivo.
Vantagens para o setor
A profusão de leis locais com diferentes disciplinas sobre os mesmos assuntos torna a organização das telecomunicações tremendamente complexa e insegura, especialmente, quando esses assuntos já são disciplinados por lei federal. Essa situação de incerteza e insegurança jurídica, além de atrapalhar as operadoras, acaba por prejudicar o próprio serviço e, em última medida, seus usuários.
Daí a importância das recentes decisões do STF. Ainda que não resolvam definitivamente as complexidades envolvidas em conflitos de competência, as decisões privilegiam a uniformidade para a organização das telecomunicações no Brasil, ao mesmo tempo, em que consagram a relevância e o caráter nacional do serviço.
[1] O caso ainda não transitou em julgado. Recentemente, em 21/05/2021, o Plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou Agravos Internos interpostos pelo Município.
*-Sobre os autores – Roberta Helena Ramires Chiminazzo e Caio Abreu Dias de Moura são advogados da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados. As opiniões manifestadas nesse artigo não necessariamente representam a posição de TELETIME.