Nesta segunda parte da entrevista exclusiva com o presidente da Anatel, Carlos Baigorri (confira a primeira parte aqui), ele fala sobre as perspectivas para uso do espectro, novas licitações, WiFi 6, redes privativas e também sobre a gestão interna e processo de modernização regulatória da agência. Também informa que no próximo dia 13 de junho dará posse ao Conselho Consultivo da Anatel, desativado desde 2019, e que pretende envolver este colegiado em debates sobre o planejamento estratégico da Anatel e em outras questões relevantes.
TELETIME – No começo do ano surgiu um debate sobre uma eventual revisão da faixa de 6 GHz, atribuída a uso não licenciado, mas a Anatel já sinalizou que nada muda. Afinal, qual a posição da agência sobre o tema?
Carlos Baigorri – A possibilidade de revisão sempre existe sobre qualquer decisão da agência, mas nesse momento não existe nenhuma perspectiva de rever essa decisão. Foi uma decisão tomada de maneira pensada, consciente, com manifestação da área técnica e por unanimidade do conselho tanto na destinação quanto nas condições de uso. Pode ser que a gente reveja um dia? Sempre pode, mas não há nenhum fato novo nem sinal de que a gente vá fazer isso. A questão sobre a quantidade de equipamentos certificados não é uma preocupação nossa, sabemos que demora um tempo para o mercado reagir às regras e não há razão para rever. O WiFi é uma das formas mais democráticas de acesso à Internet e estamos confiantes na nossa decisão. Se um dia considerarmos que pode rever, a primeira coisa é entrar na agenda regulatória, e o processo pode inclusive indicar que nada precisa mudar. Hoje não tem nem essa expectativa de discussão da agenda. Vão surgir outras faixas para o 5G, vem uma discussão na WRC sobre a faixa de 10,5 GHz, então não precisa mudar nada.
E a definição para as faixas de uso privativo, em 3,7 a 3,8 GHz? Dependia de um sistema, e existe uma forte demanda do setor industrial por isso.
Está nos finalmentes, mas de fato há uma questão com o sistema que não foi finalizado. As condições de uso estão bem definidas, mas por ser uma faixa próxima a banda C, precisamos proteger as estações profissionais com restrições geográficas. O sistema é que vai desenhar essas zonas de contorno, mas isso ainda não está pronto. Então decidimos que para não atrasar mais o processo, vamos buscar uma metodologia em que a delimitação das áreas possa ser feita de maneira mais manual, por quem vai operar a faixa de 3,7 GHz a 3,8 GHz.
Mas esse sistema era importante para a gestão do mercado de uso secundário, para alocação de espectro de maneira dinâmica… Tudo isso ficará parado?
Não, é um sistema importante para tudo isso que você falou e que está sendo desenhado para questões mais complexas, inclusive, como WiFi outdoor. A gente só não quer deixar parado o 3,7-3,8 GHz por conta disso, e vamos em uma alternativa provisória, que precisa sair logo.
Qual a previsão para a licitação de faixas que sobraram no edital e outras que a Anatel ainda pensa em oferecer?
Tem a de 2,3 GHz, as antigas de 2,5 GHz, estas de 26 GHz… A nossa ideia é fazer uma nova licitação. A gente estava com um processo de um chamamento público no TCU para reabrir os lotes de 2,5 GHz, mas percebemos que os lotes municipais não param de pé e precisamos reagrupar melhor, então voltamos para a prancheta para redesenhar um leilão com todas estas sobras. Mas não é para agora. Não temos pressa e tem muito espectro ainda disponível.
450 MHz entraria nessa licitação?
Nesse caso deve entrar depois da decisão da semana passada, para que em 60 dias seja instruído o processo de desistência [das faixas de 450 MHz que hoje estão com as operadoras de telecomunicações na faixa de 2,5 GHz]. No nosso entendimento elas já desistiram nos casos em que havia uma cláusula no edital neste sentido: aquelas que não entraram em operação no prazo teria uma renúncia automática. Mas teria que avaliar se existe ecossistema para essas faixas entrarem em um novo leilão.
Como você planeja o relacionamento com o Congresso, sobretudo na questão de questões que dependem do Legislativo, como alterações legais?
Será sempre uma relação respeitosa em que ficaremos à disposição sempre que formos demandados, mas as alterações legislativas que são importantes para o setor não serão articuladas pela Anatel. Vamos ficar à disposição para ajudar no que for pedido, mas as coisas que a gente achar que são importantes a gente vai sinalizar para o ministério, que fará a avaliação política e encaminhará as questões diretamente ao Congresso. Eu vou lá conversar com o ministro sobre o que for relevante, e com autorização do conselho. Essa interlocução se dará via Executivo, a não ser nas ocasiões em que formos demandados para dar uma opinião sobre alguma questão diretamente ao Legislativo, como sempre fizemos.
A divisão de temas entre os conselheiros instituída no começo da sua gestão terá alguma consequência regimental?
Estamos avaliando se existe a possibilidade de haver uma prevenção sobre estes temas, ou seja, os processos afins serem encaminhados sempre para o mesmo gabinete, mas pode ser que isso esbarre ainda em questões regimentais que precisaremos ajustar.
Mudam as atribuições dos comitês?
São coisas diferentes porque os comitês funcionam como fórum de debate, interação social, e outra coisa são as relatorias dos processos mais críticos sobre os temas designados a cada um dos conselheiros.
E o Conselho Consultivo? Vai voltar a ter alguma atuação na sua gestão?
Dia 13 ele será reinaugurado. Vou dar posse aos conselheiros consultivos, já que agora há quórum para funcionamento e deliberação. Mas existem algumas vagas que têm mandato remanescente de apenas dois meses, então vamos esperar agosto para buscar recompor com integrantes definitivos. E no dia 13 a gente vai abrir o diálogo com o debate sobre o nosso planejamento estratégico e ouvir o que eles acham. E quero que eles se engajem e participem das discussões sobre a Anatel e o seu futuro.
O Conselho do Fust começou a funcionar esta semana, e a Anatel participa. Vocês acham que faz sentido o Fust ser aplicado apenas em infraestrutura ou precisa olhar para o consumo também?
Não posso dizer, porque depende muito agora das decisões do Conselho Gestor. Eu particularmente estou há muito tempo no setor de telecomunicações e nunca criei expectativas de que o Fust fosse ser utilizado para alguma coisa, mas agora surgiu essa janela, e as coisas podem começar a andar, o que será ótimo. Se conseguirem usar o Fust para infraestrutura já é ótimo, mas se conseguir pensar em uso, serviços, a demanda, melhor ainda. O fato é que o PERT (Plano Estrutural de Rede de Telecomunicações) está se esgotando em termos de coberturas necessárias. O Fust pode ajudar, por exemplo, nos projetos do GAPE, que estão com o conselheiro Vicente. São R$ 3 bilhões, mas isso vai acabar uma hora, e o Fust pode ajudar a dar continuidade para os programas de educação. Mas estamos aqui apenas para ajudar, não somos nós que vamos definir os recursos disponíveis nem as condições e projetos.
Como está a agência do ponto de vista operacional e orçamentário?
Orçamento não tem sido um problema, porque desde a decisão do Tribunal de Contas [que determinou o custeio com recursos do Fistel sem contingenciamento] estamos com o orçamento adequado às nossas necessidades e situação. Mas a questão de pessoal ainda é um grande desafio, com muita perda por aposentadoria ou porque os servidores estão deixando o serviço público, principalmente nas categorias que não tiveram reajustes nos últimos anos pela inflação. Nós pedimos um novo concurso para repor esse quadro. Estamos conseguindo lidar com a situação até aqui com novas ferramentas e com o teletrabalho que foi instituído depois da pandemia, o que inclui o estabelecimento de metas de produtividade, mas isso tem um limite.
E o processo de mudança na forma de atuar da agência, mais em linha com conceitos de fiscalização regulatória e regulação responsiva? Permanece?
Vai ser mantido, mas a gente tem conversado entre os conselheiros se há a necessidade de alguns ajustes. A cautelar do telemarketing mostrou bem isso. A nossa visão é que a agência caminha para um meio termo entre uma visão antiga, da origem da agência, de aplicar PADO em todos os casos, e um segundo momento mais recente em que PADO virou a última opção e muitas vezes visto como algo negativo. Nossa visão é de buscar um caminho do meio. No caso da cautelar aconteceu exatamente isso: conversamos, fizemos cartilha, fizemos reuniões, sensibilizamos, mas nada aconteceu. Não deu, é PADO. É saber a hora de usar o porrete. Até porque teve um efeito que a gente usou tanto o PADO que as empresas do setor passaram a absorver as multas como algo inevitável. Mas quando a gente começa a colocar o PADO contra os usuários ou empresas contratantes, como uma empresa de call center, ou um marketplace que vende um celular não certificado, ou um banco… quando esse ator recebe um PADO de R$ 50 milhões, o efeito pedagógico é muito maior.