O presidente da Anatel, Leonardo Euler, não acredita que o PLC 79/2016, que reforma o marco legal das telecomunicações, possa ser o local adequado para resolver os impasses que a agência detectou na interpretação dos diferentes instrumentos legais que levaram a agência a expedir, cautelarmente, uma proibição à Fox na oferta de canais lineares diretamente ao consumidor. Conforme informou este noticiário, alguns radiodifusores vislumbram a possibilidade de levar ao Senado, onde tramita o projeto do novo marco legal, a possibilidade de resolver o enquadramento dos serviços OTT de canais lineares diante da polêmica entre enquadrá-los como SeAC, como indica a cautelar da agência, em linha com a reclamação da Claro, ou como Serviços de Valor Adicionados, como querem as empresas de mídia, as empresas de Internet e as grandes programadoras de TV paga.
Para o presidente da agência, contestar a cautelar expedida no âmbito administrativo, como estão fazendo as emissoras, é algo legítimo. "Prezo pela autonomia da área técnica e pelo contraditório que, aliás, é um princípio jurídico fundamental. Quero crer que a irresignação manifestar-se-á sempre com o devido respeito aos agentes públicos", diz. Mas o debate deve seguir neste tom, analisa o presidente da agência. "Não acredito que qualquer agente econômico defenda regulação instrumentalizada mediante barganha. Prefiro não fazer essa leitura. Afinal, não se endereça o interesse público dessa forma. Acredito na supremacia do interesse público. E tal entendimento não prejudica a construção de soluções nas quais coexistam os interesses público e privado. Trabalho com essa perspectiva", diz Euler.
Ele reitera que sua posição sobre o PLC 79 é conhecida. "Cuida-se da principal reforma microeconômica do setor de telecomunicações desde a sua desestatização. Não é o PL das teles. Não é o PL da radiodifusão. É o PL da Internet em banda larga", diz ele. "Permanecer com o marco legal vigente, descompassado da realidade e incapaz de atender adequadamente a demanda da sociedade por conectividade, implica para o País desperdiçar valiosos recursos que poderiam ser traduzidos em investimentos para aprimorar a infraestrutura de telecomunicações, notadamente nas áreas mais desprovidas de acesso", conclui, em entrevista concedida por escrito. O risco do movimento dos radiodifusores de levar o debate sobre a questão dos serviços OTT ao PLC 79 é que o texto alterado necessariamente voltaria à Câmara, atrasando ainda mais sua aprovação.
O presidente da Anatel também comenta as possíveis implicações que a indisposição entre radiodifusores e agência por conta da cautelar da Fox pode trazer para o edital de 5G, especialmente na questão da liberação da faixa de 3,5 GHz. "Quanto ao edital vindouro, chegamos a essa etapa (relatoria para submissão à Consulta Pública) após um intenso trabalho realizado no âmbito do Comitê de Espectro e Órbita, das áreas técnicas da Anatel e de sua Procuradoria Federal Especializada. Não foi fácil. A seriedade do trabalho decorre da compreensão de que se o 4G mudou a vida das pessoas, o 5G remodelará a sociedade e os meios produtivos. Cuida-se não apenas de maior velocidade e menor latência, mas de uma plataforma habilitadora da chamada indústria 4.0 e de serviços nas diversas verticais. É fundamental para lograrmos ganhos de produtividade sem os quais não há crescimento econômico sustentável. É preciso atender à crescente demanda por conectividade, insumo indispensável ao desenvolvimento socioeconômico nacional e ao pleno exercício da cidadania. O Brasil não pode ficar atrasado nessa agenda", diz o presidente da Anatel.
No que tange às sobras de recurso da EAD, que é outro ponto de possível atrito por conta da indisposição entre o setor de radiodifusão e a Anatel após a cautelar, Euler prefere não tecer maiores comentários."No âmbito do Conselho Diretor, a discussão é protagonizada pelo Conselheiro Moisés Moreira, na condição de presidente do Gired. Aliás, também presidi o referido grupo no final do ano passado. O momento era tenso, mas conseguimos bons encaminhamentos a partir de um diálogo respeitoso e técnico".
Entenda o caso
As áreas técnicas da Anatel, no dia 13 de junho, emitiram uma cautelar impedindo a Fox de comercializar diretamente ao consumidor os seus canais lineares por meio da plataforma Fox+ (Fox Plus). Trata-se do modelo direct-to-consumer, que tem se mostrado bastante comum na estratégia das programadoras de TV paga tradicional como forma de se adaptarem a uma nova geração de consumidores e novos provedores de conteúdo que priorizam os conteúdos entregues pela Internet. O processo foi iniciado a partir de uma reclamação da Claro no final do ano passado, alegando assimetrias de regras na oferta de canais diretamente ao consumidor em relação àqueles ofertados a partir de operadoras de TV paga. A cautelar da Anatel diz que a programadora Fox deverá utilizar uma empresa outorgada no Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) para autenticar o acesso aos canais, assegurando o cumprimento das obrigações previstas na Lei do SeAC (Lei 12.485). Até o dia 15 de agosto a Anatel tem também uma tomada de subsídios aberta sobre o tema, para então o processo ser levado ao Conselho Diretor para uma decisão de mérito. As superintendências da agência já manifestaram, em entrevistas exclusivas aqui e aqui, sobre os conflitos de interpretação entre a Lei do SeAC, Lei Geral de Telecomunicações e Marco Civil da Internet, e sobre os desafios conceituais em torno do caso. Além disso, o debate se insere em um contexto ainda mais complexo, pois em outro front a Anatel ainda analisa a aplicação da Lei do SeAC no caso da fusão entre AT&T e Time Warner (hoje Warner Media), cuja resolução depende agora do conselho diretor.
A agência também já se manifestou, inclusive ao Senado, sobre a necessidade de ajustes na Lei do SeAC. Importante destacar que a decisão cautelar é apenas sobre a Fox (não afetando outros casos similares, apesar do precedente), e tampouco afeta conteúdos sob-demanda (como aqueles oferecidos pela própria Fox, Netflix, Amazon etc), conteúdos ao vivo esporádicos (como jogos de futebol) ou conteúdos ofertados gratuitamente pela Internet. O assunto é polêmico e está dividindo a indústria de TV paga. Do lado da tese apresentada pela Claro e reconhecida, em parte, pela cautelar da Anatel, estão os programadores e produtores independentes nacionais, a ouvidoria da agência e a associação NeoTV, que representa pequenas operadoras e TV paga e alguns ISPs de maior porte. Contra a posição da agência estão as gigantes de Internet, os grande grupos de comunicação brasileiros (especialmente os radiodifusores) e as programadoras estrangeiras e grandes produtores de conteúdo internacionais.
Evento
Os impasses regulatórios e legais decorrentes das questões em análise pela Anatel serão um dos principais temas do PAYTV Forum 2019, evento organizado pela TELETIME e pela TELA VIVA que acontece dias 30 e 31 de julho em São Paulo, no WTC Center. Mais informações sobre participantes confirmados, a programação completa e as condições de participação estão disponíveis no site www.paytvforum.com.br