Perspectivas regulatórias para a Anatel em 2024 – Parte 2

Carlos Baigorri e Alexandre Freire

(Este é o segundo de uma série de três artigos, o conselheiro da Anatel, Alexandre Freire, e o presidente da agência, Carlos Baigorri apresentam as perspectivas e prioridades da agência para 2024)

Em 2023, a Anatel encarou desafios inovadores, possivelmente moldando seu papel na sociedade brasileira neste segundo quarto de século recém-iniciado.

Diversos temas foram discutidos, tais como: conflitos no serviço de telefonia fixa comutada em contratos de concessão que se encontram em vias de encerramento, punibilidade de pessoas físicas que fazem circular produtos não homologados pela Agência; expansão das infovias na Amazônia; promoção da equidade de gênero nos cargos de liderança; novo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor (RGC), cuja discussão ganhou um tom especial por incluir temas de ponta, como os padrões comerciais obscuros (dark commercial patterns) e uma maior aderência à Agenda ESG.

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Entretanto, em 2024, o setor de telecomunicações deve evoluir para enfrentar desafios remanescentes de 2023 e abraçar outros que se impõem no futuro.

Neste artigo, os autores destacam os temas preponderantes que devem orientar as discussões na Anatel ao longo de 2024, a saber:

Parte 1 (publicada em 01/02/2024):

– Projetos de ambientes regulatórios experimentais (sandboxes), sendo um deles relacionado ao uso de repetidores e reforçadores de sinais do SMP por munícipios para a expansão da cobertura desse serviço – que se encontra sob a relatoria de um dos autores deste artigo – e o outro, ao uso temporário de radiofrequências para sistemas satelitais em aplicações direct-to-device – em que um dos autores figura como vistor;

– Revisão do Regulamento de Segurança Cibernética Aplicada ao Setor de Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 740, de 21 de dezembro de 2020 (R-Ciber);

– Discussão sobre a substituição de sanção pecuniária pela imposição negociada de obrigação de fazer atrelada a metas E.S.G.;

– Análise da proposta de simplificação da regulamentação e dos serviços de telecomunicações;

– Consectários da aprovação do novo RGC;

Parte 2 (publicada abaixo):

– Regulamentação da aplicação de ferramentas de IA no setor de telecomunicações

– Questões relacionadas ao encerramento das concessões no STFC, com destaque para a situação da Oi

– Fair share e tributação do setor

– Regulamentação do uso de postes – desdobramentos

Parte 3 (a ser publicada em 05/02/2024):

– Propostas para se ampliar a competividade do mercado, após a saída da Oi do SMP

– TV Digital 3.0

– Mercado secundário do espectro novo Projeto do RUE

– GAPE e conectividade nas escolas

– Conclusões

Regulamentação da aplicação de ferramentas de inteligência artificial na Anatel e no setor de telecomunicações

No ano de 2023, o mundo testemunhou a validação do conceito de Inteligência Artificial Generativa (ou IA generativa), que passou a integrar, de diversas maneiras, ao uso cotidiano da tecnologia. Isso ocorreu especialmente na criação de conteúdos, como textos, imagens, músicas, áudios e vídeos, a partir de interações usuário/ferramenta apresentadas em linguagem comum.

No entanto, em que pesem as diversas possibilidades de aplicação da IA generativa, o uso dessa poderosa ferramenta não se encontra livre de riscos, em que eventos indesejados não tardaram a acontecer.

Como exemplo, observam-se casos de citação de precedentes inexistentes tanto no Brasil como nos Estados Unidos, além de situações em que se identificou o fornecimento de informações historicamente imprecisas, inverídicas, ou, ainda, descontextualizadas no uso de ferramentas de IA generativa.

A partir dessa constatação, estes autores, ainda no ano passado, a partir do Ofício nº 30/2023/AF-ANATEL (SEI nº 10326974), deflagaram a discussão do tema, para melhor compreender o uso das diversas ferramentas de inteligência artificial pelo quadro de pessoal da Anatel e pelo setor regulado.

Recentemente, por meio do Ofício nº 15/2024/AF-ANATEL, determinou-se às diversas superintendências a elaboração de diagnóstico e estudos técnicos sobre o assunto, dentro de um prazo de 90 dias.

Embora essa discussão ainda demande um maior amadurecimento, espera-se que, neste ano de 2024, haja uma evolução significativa a seu respeito.

Questões relacionadas ao fim das concessões no STFC

Embora se tenha evoluído na discussão relacionada ao final das concessões do Serviço de Telefonia Fixa Comutada – STFC no ano de 2023[1], com o início de tratativas para a solução consensual de litígios promovidos por Oi S.A., em recuperação judicial, Telefônica Brasil S.A. e Claro S.A., Sercomtel S.A. Telecomunicações e Algar Telecom S.A. – sob a atual supervisão do Tribunal de Contas da União – há muito o que se fazer em relação ao encerramento desses contratos, programada para o ano de 2025.

Devem ser tomadas decisões fundamentais, como a extinção direta dos atualmente vigentes, a eventual prorrogação com adaptações ou a realização de licitação para uma nova concessão. Igualmente, outros pontos merecem endereçamento, como a identificação e a destinação dos bens reversíveis, eventual indenização por investimentos não amortizados etc.

No que diz respeito à elaboração de novos contratos, é preciso discutir, sobretudo, matriz de riscos, incluindo a discussão sobre possíveis ajustes para a eventual recomposição do equilíbrio econômico-financeiro em futuros contratos.

Por fim, anota-se que, no ano de 2023, a Oi entrou em nova recuperação judicial, num cenário em que ela já alienou a totalidade da sua operação no SMP e parte relevante de sua operação na banda larga. Assim, a Anatel deve continuar a acompanhar de perto o andamento da recuperação judicial, de modo que a operação da Oi no STFC não fique comprometida nesse final de concessão.

Fair share e distribuição de custos da infraestrutura de telecomunicações

Outro tema, com discussão ainda em estágio embrionário (em fase de consulta pública – já encerrada – e de tomada de subsídios), mas que é estratégico para a Anatel, relaciona-se ao que se denomina de fair share.

Em artigo de autoria de um dos autores deste trabalho com o Professor Ricardo Campos, da Goethe Universität Frankfurt am Main, chamou-se a atenção para a disputa relativa à forma de distribuição dos custos de implementação e manutenção da infraestrutura nos serviços de telecomunicações[2].

Nos últimos anos, em um processo de transformação que ganhou intensidade durante a pandemia de Covid-19, observa-se um aumento significativo no uso por parte dos consumidores de serviços e produtos digitais que demandam uso intensivo dos serviços de tráfego ofertados pelas prestadoras de telecomunicações.

Isso é mais percebido notadamente nos serviços de streaming (como as plataformas Netflix, Disney+, Amazon Prime Video etc.) e em redes sociais cujo modelo de negócios compreendam o emprego intensivo de transmissão de grandes quantidades de dados, como YouTube, o Instagram e o TikTok.

Ocorre que esse aumento exponencial demandou das prestadoras novos investimentos específicos para atender o aumento dessa demanda.

Nesse cenário, tanto no Brasil como em escala global, tem-se percebido um impasse para uma solução negociada entre prestadoras e empresas de tecnologia. Essa situação, eventualmente, pode demandar algum tipo de intervenção estatal, seja no plano legislativo, regulatório ou mesmo jurisdicional, para o enfrentamento do problema.

Esse tema se encontra em discussão no projeto de Regulamento dos Deveres dos Usuários dos Serviços de Telecomunicações (item 3 da Agenda Regulatória ANATEL para o biênio 2023-2024), em que se avaliam, dentre outros, os deveres dos grandes geradores de tráfego (ou GGTs).

Paralelamente a essa discussão, menciona-se, ainda, o debate relacionado à tributação setorial, especialmente no que diz respeito a eventuais disparidades no tratamento dos serviços de telecomunicações (notadamente, tráfego de dados e voz) e serviços de valor adicionado. No entanto, esse ponto, ainda que diga respeito à regulação exercida pela Anatel, insere-se na alçada do Poder Legislativo.

Desdobramentos da regulamentação do uso de postes

Embora o Conselho Diretor da Anatel tenha aprovado projeto de resolução conjunta para uso compartilhado de postes pelas prestadoras de telecomunicações e pelas distribuidoras de energia elétrica, o tema ainda carece de decisão pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Além disso, foi encaminhada para consulta pública o projeto da metodologia de precificação do uso dessa infraestrutura, contexto no qual a Anatel eventualmente terá de decidir, novamente em conjunto com a Aneel, como será essa metodologia.

Sobre os autores: Alexandre Freire é Presidente do Centro de Altos Estudos em Comunicações Digitais e Inovação Tecnológica da ANATEL – CEADI. Presidente do Comitê de Infraestrutura de Telecomunicações da ANATEL. Visiting Scholar at the Goethe Universität Frankfurt am Main's Faculty of Law. Doutor em Direito pela PUC-SP e Mestre em Direito pela UFPR. Nomeado pela Presidência da República como membro da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. Carlos Manoel Baigorri é Presidente do Conselho Diretor da Anatel. Presidente do Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV – Gired e do Grupo de Acompanhamento da Implantação das Soluções para os Problemas de Interferência na faixa de 3.625 a 3.700 MHz – Gaispi. Doutor e mestre em Economia pela Universidade Católica de Brasília (UCB). As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente refletem o pontode vista de TELETIME.

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[1] Para maiores detalhes, confrontar a seguinte matéria, de autoria de um dos subscritores do presente artigo, disponível em: https://teletime.com.br/19/12/2023/retrospectiva-regulatoria-os-casos-decididos-pela-anatel-que-definiram-as-telecomunicacoes-em-2023/.

[2] Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/fair-share-entre-infraestrutura-digital-e-fluxo-de-servicos-e-dados-24012023

 

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