Comitê Gestor da Internet recomenda ao governo estudar separação estrutural

A iniciativa é inédita, mas também polêmica. O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) recomendou, por meio de um documento oficial, que o Ministério das Comunicações e a Anatel estudem a possibilidade de implantar, no Brasil, a separação estrutural das redes de telecomunicações. Nunca antes o comitê havia tomado uma posição aberta sobre aspectos da regulamentação do setor e a carta, que foi encaminhada nesta segunda-feira, 1, ao ministro das Comunicações, Hélio Costa, e ao presidente da Anatel, embaixador Ronaldo Sardenberg, é vista como uma vitória pelos representantes do terceiro setor que compõem o comitê.
A comemoração vem do fato de que houve uma grande resistência à idéia de que o grupo apresentasse qualquer tipo de demanda ao governo da parte de outros membros que compõem o CGI.br. O obstáculo transposto é a representação do próprio governo no grupo. O comitê tem uma composição mista, com representantes do governo, de entidades civis e empresas. Essa natureza tem criado tensões dentro do grupo desde o início da reforma do setor de telecomunicações, promovida pela Anatel. Enquanto os representantes do terceiro setor defendem uma atuação mais contundente do comitê na política do setor, os representantes do governo acham que este não é um papel do grupo.

Nas duas pontas

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Indícios desta tensão estão na própria carta encaminhada ao governo. No documento, o consultor jurídico do Minicom e membro do comitê, Marcelo Bechara, aparece como o único contrário à sugestão. Bechara explicou que não é necessariamente contra a proposta de estudar a separação estrutural. O consultor discorda da necessidade de se encaminhar um pedido desses ao ministro. "Por princípio, tem muita coisa que eu concordo nessa discussão. Sou contra o envio do documento porque não vejo efeito prático nenhum nessa carta", afirmou a esta reportagem.
Para ele, a idéia de estudar a medida já está colocada na consulta pública do ministério para a criação de novas políticas públicas e na proposta da Anatel de um Plano Geral de Regulamentação (PGR). Bechara tem subsídios para considerar a carta inócua: como consultor jurídico do Minicom, é em suas mãos que a carta irá parar depois de chegar ao gabinete do ministro Hélio Costa. E Bechara antecipa que seu parecer será de que a medida solicitada já está sendo tomada pelo governo.

Pela redução de custos

Na carta, a justificativa de sugerir a análise da separação estrutural é a necessidade de ampliar a oferta de acessos à internet no Brasil. O documento compara a infra-estrutura de telecomunicações às demais redes que existem em outros setores, como os do setor elétrico, ferroviário, rodoviário e de saneamento. E, por todos esses serviços serem tratados como monopólios naturais, é necessário que o governo adote medidas que minimizem essa situação, abrindo espaço para outras empresas.
O documento define a separação estrutural como a dissociação do provedor de infra-estrutura dos provedores de serviços, em figuras jurídicas distintas e com controle acionário também distinto, impedindo que uma empresa ofereça o serviço da outra. Note-se que a separação "de regimes" sugerida pela Anatel no Plano Geral de Outorgas (PGO) não é a mesma citada pelo CGI.br. A separação de regimes constitui apenas a criação de pessoas jurídicas diferentes para a oferta de cada serviço, mas permite que o mesmo grupo preste todos os serviços. Também não exige a criação de uma empresa "prestadora de infra-estrutura".
O documento também considera a possibilidade de adoção de uma separação funcional, mais tênue do que a estrutural, mas que também tem como resultado a prestação independente da infra-estrutura dos demais serviços.

A fórceps

Para o coordenador geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e membro do Coletivo Intervozes, Gustavo Gindre, o simples encaminhamento da carta é considerado uma vitória das entidades não-governamentais que compõem o CGI.br. "É um marco porque é a primeira vez que o comitê gestor se posiciona sobre uma questão regulatória", afirma Gindre, que ocupa uma das vagas do terceiro setor no grupo. "E essa posição nasceu a fórceps", complementa.
Segundo Gindre, a resistência dos representantes do governo em encaminhar o documento não é novidade no comitê. Desde que teve início o processo de reforma nas telecomunicações, questões polêmicas – a definição do que é backhaul e se ele é reversível à União, por exemplo – têm permeado os debates do grupo, mas nunca houve maioria das partes que defendiam um posicionamento mais contundente do CGI.br.
Gindre não tem falsas ilusões de que a carta mudará o rumo das análises sobre a separação. Por enquanto, a questão está entre as ações de longo prazo previstas no PGR e o Minicom tem visto a idéia com reticência. Para ele, a vitória é política, em favor das entidades representativas da sociedade que compõem o comitê.

Sem uso político

Para o coordenador do CGI.br e secretário de Política de Informática do Minicom, Augusto César Gadelha, é exatamente essa visão política das ações do comitê que devem ser afastadas. "O comitê deve ter clareza sobre qual é o seu limite. Ele não pode achar que pode resolver tudo da internet", avaliou. "Não vou admitir que o comitê gestor seja usado para fins políticos".
Gadelha disse que não quis opor-se ao documento, apesar de achar que ele extrapola as atribuições do comitê. Para evitar conflitos com o ministério e desgaste no comitê, o coordenador disse ter suavizado o texto em longas discussões com os demais membros do grupo, já que a idéia original era de certa forma exigir que o governo adotasse a separação estrutural. "Ninguém vai fazer cobrança nenhuma do ministro porque este não é papel do comitê."
O secretário apóia o debate sobre o tema argumentando que a questão não está bem definida nem mesmo pela Comunidade Européia, cujas decisões são usadas como parâmetro para apoiar a separação. Na opinião de Gadelha, a separação pode ser uma alternativa, mas não é a única, como muitos tentam defender. A necessidade de realizar mais estudos é que o sistema pode causar efeitos colaterais, como o aumento do preço dos acessos.

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