Você pode até se surpreender com a pergunta do título, afinal sabemos o que é uma televisão desde a primeira metade do século passado. Mas isso não quer dizer que o termo continue exato para dar conta de toda a evolução tecnológica que se desenrolou a partir do conceito inicial.
Acredito ser fundamental desmistificar um entendimento que persiste há mais de 73 anos, desde que Assis Chateaubriand inaugurou a transmissão televisiva no Brasil.
Crédito: divulgação Omarson Costa.
Convido você a refletir:
1- Ainda faz sentido chamarmos de televisor a tela que se coloca na sala de estar, quarto ou cozinha de uma casa?
Hoje o aparelho denominado Smart TV faz muito mais que apenas mostrar imagens: lhe dá acesso à Internet e pode comandar os demais aparelhos eletrônicos da residência, como um comando central.
2- Ou televisão é o que se assiste no aparelho descrito no item 1?
3- Televisão seria uma empresa que possui uma licença para operar um canal (faixa do espectro de radiofrequência, com largura definida, a ser utilizado para difusão de sinais de sons e imagens captados por receptores); produz conteúdo artístico em forma de grade de programação com dramaturgia, jornalismo, variedades – ao vivo e pré-gravados –; os transmite via ondas eletromagnéticas por uma antena; e tem remuneração de publicidade?
4- Se o tamanho de tela exceder 30 polegadas temos uma televisão? Ou o componente físico da tela – LED, Crystal UHD, OLED, QLED – é o que a distingue?
Antes de responder, peça a alguém da geração Z para definir TV. Ouvirá que é qualquer coisa que tenha vídeo: canal de TV (gratuito ou pago), Instagram, Netflix, TikTok, YouTube… tudo é TV. Para essas pessoas, televisão nada mais é do que uma tela com vídeo. Então, celular é televisão, tablet é televisão, televisor é televisão, media indoor (painéis dentro do elevador) é televisão.
Quer dizer, se passa conteúdo de vídeo contínuo – que pode conter publicidade ou não; pode ser formato curto de 15 segundos ou formato longo de 2 horas – é TV.
Televisão é transmissão de vídeo
A afirmação pode soar polêmica, em especial para os profissionais que construíram a indústria até 2012. Mas é a evolução do entendimento que mais se adequa ao comportamento atual de espectadores e ao uso das tecnologias.
Alguém pode dizer: "mas o vídeo do TikTok tem 15 segundos, enquanto o programa 'É de Casa' dura quatro horas".
Isso é escolha do produtor. Em ambos os casos, ele pagará o artista ou influenciador, cenário, cinegrafista, etc.
Crédito: divulgação Omarson Costa.
Sob a perspectiva da legislação brasileira, um canal de televisão precisa ter uma parcela de 5% dedicada a serviço e informação – entenda-se jornalismo.
Sob o ponto de vista de audiência, esse diferencial já não é uma vantagem absoluta. Nos EUA, por exemplo, cada vez mais pessoas migram para as redes sociais em busca de notícias.
Um estudo recente do Pew Research Center, mostrou que 32% dos jovens de 18 a 29 anos recebem regularmente notícias do TikTok e que, juntas, as plataformas da Meta – Facebook e Instagram – ainda predominam.
Esse comportamento se reproduz, em parte, no Brasil, onde a audiência do maior telejornal, o Jornal Nacional da Rede Globo, perdeu quase metade de sua base de telespectadores, nos últimos 20 anos.
Em 2004, ele registrava 39,8 pontos de Ibope na Grande São Paulo. Até 16 de março de 2023, esse número despencou para 23,5%, queda de 41%, mantendo share de 38,1% dos aparelhos ligados.
É fato que o JN vem sofrendo com o desempenho ruim das novelas que o antecedem, mas a emissora reconhece a perda de terreno e procura saídas.
Durante evento para o mercado publicitário, realizado em outubro, Manzar Feres, diretora de Negócios Integrados em Publicidade da Globo, admitiu que o canal perdeu 24% da audiência, nos últimos seis anos. Se mensurado apenas a grade da TV aberta, o número cai ainda mais.
No começo deste ano, Manuel Belmar, CFO da Globo deu uma entrevista em que revelou ser a TV 3.0 o foco de investimento. Entretanto, nos EUA, mesmo com a tecnologia ATSC 3.0 rodando desde 2019, o investimento de publicidade está em queda na TV linear, de acordo com Insider Intelligence.
O avanço tech mudou os meios de acesso
Vídeo é vídeo não importa se transmitido por: IP (uma rede de internet) terrestre; uma rede móvel sem fio, caso do 4G e 5G; por satélite, caso de um jogo da Copa da UEFA, ao vivo; pelo YouTube, caso da CazéTV que mostra eventos esportivos; por antenas terrestres na Paulista; ou por streaming premium, caso da NFL na Amazon Prime Video! A única coisa que muda é o meio.
Tudo isso é interpretação regulatória, um imbróglio que, no fundo, trata de lobby contra cobrança de impostos e responsabilidades de empresas de tecnologia.
Acredito que o caminho é regular vídeo de todos os tipos (duração, gênero, autoria) e dispositivos (por qual tecnologia é tornado público). Mas este é um assunto para meu próximo artigo.
*Sobre o Autor – Omarson Costa é especialista em transformação digital da indústria de mídia e conselheiro de administração para empresas dos setores de telecomunicações. As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente refletem o ponto de vista de TELETIME