Conectividade significativa tem a desigualdade como obstáculo, dizem especialistas

Painelistas discutem a desigualdade de renda e o impacto da falta de conectividade significativa. Foto: Reprodução/Anatel

Para além da necessidade de oferecer uma conectividade significativa à sua população, o País ainda precisa superar os gargalos mais estruturantes, como o gap de renda, na visão de painelistas do Seminário Conectividade Significativa: Um Novo Desafio para o Brasil, promovido pela Anatel e pelo BID nesta terça-feira, 25, em Brasília. Isso passa não apenas pela necessidade de políticas públicas para fornecer o acesso à banda larga de qualidade, mas também pela redução da desigualdade social, incluindo o peso dos gastos para família de baixa renda e quando se fala de gênero e raça

Citando dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) de 2021, o gerente de pesquisa de orçamentos familiares do IBGE, Leonardo Santos de Oliveira, desenhou o cenário da falta de conectividade no Brasil. "Os principais motivos para quem não tem acesso são a falta de interesse, não saber usar, ser caro ou não ter [disponibilidade do] serviço. Tem bastante espaço ainda para trabalhar em cima de quem não tem esse acesso", colocou. Ele também mencionou dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018, correlacionando a desigualdade de renda com a de acesso digital. Desta forma, estabeleceu no índice de perda de qualidade de vida (IPQV), publicado em 2021, que mostrou que a falta de conectividade precisa ser vista de forma integrada, "e não simplesmente ações isoladas". Ele lembra que os dados mostram que o custo dos serviços de conectividade são proporcionalmente muito maiores dentro do orçamento familiar quanto menor a renda.

Superintendente de competição da Anatel e moderador do painel, José Borges ressaltou ainda o componente da desigualdade de despesa. "O custo de estar desconectado é muito grande. Não é apenas uma questão de não ter acesso", disse. A perspectiva na conectividade significativa é a de garantir direitos, com uma discussão envolvendo esses aspectos do peso dos gastos em famílias de baixa renda. "O custo para a economia brasileira ao não conectar é maior do que o custo das políticas", argumenta o pesquisador da Quello Center for Information Economics and Policy, Tiago Prado.

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Desigualdades

O pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Luã Cruz, disse que a análise do problema precisa considerar as classes C, D e E, que são pessoas sem acesso algum ou que vivem em um cenário de conexão restrita, geralmente por meio de smartphone. E o cenário de quem é conectado tem restrição de direitos vem com práticas de "autoprivação" para não gastar todos os dados da franquia de celular pré-pago, conforme argumenta. E há intersecção com a questão de raça, gênero e classe. "Quem é pobre no Brasil? É a população preta e parda", disse, lamentando não haver presença de mulheres negras no painel. 

Apresentando dados de pesquisa do Idec sobre acesso à Internet móvel nas classes CDE, Cruz mostra que a média do consumo de pacote de dados leva a 23 dias de acesso pleno disponível, sendo que em alguns casos chega a cair para 19 dias. Depois disso, o acesso fica disponível apenas em aplicativos específicos por meio do zero rating. Essa prática, afirma o pesquisador, não é necessariamente a preferida do consumidor: segundo a pesquisa, 80% dos usuários preferem poder escolher a forma de usar a Internet em vez de ter que necessariamente usar as plataformas disponibilizadas sem consumo de franquia. Ele diz que é preciso acabar com o zero rating, citando proibições na Europa e na Índia. "É prejudicial à democracia", afirma.

A pesquisa do Idec diz que 63% dos usuários exerceram ao menos um tipo de restrição de autoprivação. "Ficam desligando o pacote 3G e 4G constantemente, ou não acessam o conteúdo – deixam de clicar em um link para ver depois, quando estão no WiFi, mas acabam esquecendo." Novamente, os mais afetados são jovens, negros e das classes DE diz ele. 

Dentro do contexto de conectividade significativa, Luã Cruz ainda criticou as métricas para considerar quem está de fato online no País. "Se uma pessoa se conectou uma vez nos últimos três meses, para o IBGE ele é usuário de Internet. Para a gente não. Isso é um absurdo, um escárnio." Cruz diz que a universalização precisa necessariamente ser da Internet fixa e "com tela grande" para garantir a real conectividade significativa. Ele também argumentou que o Conselho Gestor do Fust precisa incluir mais representantes da sociedade civil. "Tem três cadeiras, mas no ano passado, o governo [Jair Bolsonaro] colocou um representante do agronegócio, sem nenhuma ligação com a sociedade civil, com interesse de conectar boi."

Pesos

Advogada da Veirano Advogados, Elinor Cristofaro Cotait. Foto: Reprodução/Anatel

Advogada da Veirano Advogados, Elinor Cristofaro Cotait ressalta que a Anatel "aprende com os erros do Estado Brasileiro", e buscou aperfeiçoar a aplicação da política pública. Ela compara a implantação do primeiro PGMU, no qual teria havido desperdício de recursos para universalização da telefonia fixa, com o caráter não arrecadatório do leilão do 5G em 2021. Mas ela ressalta que é necessário ir além da conectividade. "Fechamos 2022 com 11 milhões de analfabetos, e um terço da população analfabetos funcionais. Então falar em conectividade significativa com banda larga não basta, porque tem a classe DE e tem a linha abaixo da pobreza, que nem está na estatística. Precisa ter uma política transversal que envolva educação além de conectividade, o empoderamento da população – seja economicamente para ter acesso individual, seja a partir de redes que possam suprir a necessidade."

Cotait sugeriu alternativas para uso do Fust, com a realização de leilão do valor para receber propostas de projetos mais adequados para o objetivo. Também citou que é necessário colocar a Internet na cesta básica do consumidor, como item essencial, retirando a carga do ICMS igual a de "armas de fogo, perfumes, confetes e serpentina". Além disso, conclamou por políticas públicas nos níveis de estados e municípios, para fornecer acesso gratuito. "O Brasil progrediu muito nas telecomunicações. Ainda falta muita coisa, porque falta muita coisa ao País."

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