Com adoção global ocorrendo em ritmo mais lento do que o esperado, o Open RAN ainda não virou realidade nas redes comerciais brasileiras por conta de desafios de ordem técnica, comercial e financeira. Tal cenário não deve mudar no curto prazo, ainda que uma evolução na abordagem das redes desagregadas com múltiplos fornecedores também seja apontada por especialistas.
Nas últimas semanas, TELETIME conversou com players do ecossistema de redes, que apontaram uma baixa probabilidade do Open RAN estrear comercialmente no Brasil ao longo de 2024. No âmbito global, a consultoria Omdia reduziu recentemente projeções de market share do modelo no mercado de redes de acesso: de 18,5% para 17% até 2027.
"Ainda há desafios a enfrentar, como a necessidade de padronização e interoperabilidade entre os diferentes fornecedores, bem como os investimentos em infraestrutura e treinamento de pessoal, devido à mudança de abordagem de fornecedor único para múltiplos fornecedores. Além disso, o tema de custos ainda é uma equação que precisa ser confirmada", resumiu a Vivo, ao ser questionada sobre a perspectiva de adoção do Open RAN no Brasil.
"Eu não vou dizer que está mais devagar ou mais rápido, mas as operadoras de forma geral estão valorizando o legado", avaliou o CTO para a América Latina da Nokia, Wilson Cardoso. Globalmente, os maiores casos de sucessos de empresas que utilizaram a abordagem de múltiplos fornecedores vieram de empresas que construíram redes do zero (greenfield), como a norte-americana Dish e a japonesa Rakuten, nota o profissional.
Já projetos brownfield (complementando redes existentes) teriam se revelado ainda mais complexos, especialmente com a dinâmica de compromissos 5G no padrão standalone (SA) do Brasil, aponta Cardoso. Mesmo as provedoras regionais 5G – que devem construir redes móveis do zero – não optaram pela abordagem em um primeiro momento, preferindo minimizar riscos.
Por outro lado, a Nokia vê a chegada das obrigações do leilão 5G em cidades pequenas como um possível indutor de projetos comerciais das operadoras brasileiras (ainda que não em 2024). Um outro uso viável em consonância com o legado seria utilizar estações rádio base com Open RAN para estender cobertura de sites tradicionais, opina o diretor da fornecedora.
Quem também vislumbra 2025 como o ano mais provável para projetos comerciais do Open RAN é o presidente da NEC no Brasil, José Renato Gonçalves. A empresa tem atuado integradora em projetos do gênero, inclusive no Open Care 5G ao lado de parceiros como o Hospital das Clínicas, o Itaú e a Deloitte. Gonçalves vê um ganho de escala de equipamentos Open RAN e maior disponibilidade de recursos de software como pontos cruciais para a consolidação do padrão, inclusive no Brasil.
Avançando
De uma forma geral, "o desenvolvimento do Open RAN não parou", avalia o diretor de soluções de redes da Ericsson, Paulo Bernardocki, também em entrevista ao TELETIME. Ao citar o trabalho da O-RAN Alliance (entidade global para padronização da abordagem desagregada), o executivo destacou avanços técnicos que teriam a fornecedora – um dos vendors "tradicionais" do mercado de redes – como um dos líderes.
Entre eles, o suporte para o chamado open fronthaul, recurso que dará às operadoras a possibilidade de você utilizar um rádio de um fornecedor e o controlador de outro, explica Bernardocki. Segundo ele, mais de um milhão de rádios entregues globalmente pela Ericsson já estão preparados do ponto de vista do hardware para a função.
Outro marco seria acordo firmado entre a fornecedora e a Telefónica para adoção de uma rede de acesso aberta construída sobre a arquitetura baseada em nuvem (cloud RAN) da Ericsson. "Isso vem para acelerar o processo como um todo", notou Bernardocki. Dona da Vivo, a Telefónica é uma das grandes entusiastas globais do Open RAN.
No Brasil, a operadora avalia o padrão pelo menos desde 2019, quando a Vivo foi a primeira operadora a fazer testes com o Open RAN, na região Nordeste (nas cidades de Juazeiro e Petrolina). Ao TELETIME, a empresa destacou que continua avaliando a tecnologia e irá, "dentro de sua estratégia, decidir o momento adequado para fazer investimentos na rede comercial".
"[Estamos] acompanhando com muito interesse essa tecnologia que busca desagregar os componentes de hardware e software das redes de acesso rádio, devido à sua abordagem aberta e flexível, permitindo que diferentes fornecedores tenham componentes interoperáveis. Como consequência, há uma maior disponibilidade de fornecedores e uma considerável redução de custos", defendeu a tele.
Comercial
Quem também ainda aposta na demanda Open RAN no Brasil é o CPQD, que inaugurou um núcleo de evolução tecnológica em Campinas neste mês com espaço para testes, treinamentos e validações na tecnologia.
Na ocasião, o gerente de Soluções de Conectividade do centro de pesquisas, Gustavo Correa Lima, apontou a questão técnica da abordagem como algo que está sendo resolvido, inclusive com projetos brownfield relevantes, como os anunciados pela Vodafone no Reino Unido. "Temos visto a demanda crescer", notou o especialista, destacando também o apoio de fornecedores tradicionais como Nokia e Ericsson ao padrão como algo relevante.
Por outro lado, Lima nota que cláusulas de exclusividade em contratos com vendors também dificultaram que operadoras brasileiras adotassem novos fornecedores para as redes de acesso, em obstáculo que estaria sendo gradualmente removido. O especialista ainda aposta nas redes privativas como nicho no qual o Open RAN deve ser em breve introduzido por empresas brasileiras. Outra fronteira seria o agro. (Colaborou Mara Matos)