A Advocacia Geral da União e as áreas jurídicas do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e da Presidência da República opinaram que a oferta de conteúdos lineares pela Internet não caracteriza serviço de telecomunicações, e sim serviço de valor adicionado (SVA). Não devem, portanto, ser submetidos às mesmas regras e obrigações dos serviços tradicionais de TV paga.
A manifestação dos diferentes órgãos jurídicos do governo aparece no processo que corre no Supremo Tribunal Federal movido pela Bravi (associação que representa produtores audiovisuais independentes). Este processo antecipa o debate sobre a constitucionalidade de uma iminente decisão da Anatel sobre o tema, já que a agência está para julgar o chamado caso Claro vs. Fox, processo em que a Claro questionou a agência de telecomunicações se a oferta de canais linerares da Fox diretamente pela Internet não caracterizaria a oferta de Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), que é um serviço de telecom e que segue a Lei 12.485/2011 (Lei do SeAC). A Claro sustenta que existe uma assimetria de regras e tributos em prejuízo dos operadores tradicionais, fortemente regulados.
A Anatel optou por colher subsídios em 2019 para uma decisão de repercussão geral. Até o momento, os pareceres das áreas técnicas e jurídica da Anatel são no sentido de que este tipo de oferta não precisa obedecer a Lei do SeAC por serem serviços de valor adicionado. Mas falta a decisão do colegiado da agência. O processo está sendo relatado pelo conselheiro Vicente Aquino, que ainda não o colocou em pauta.
Segundo o parecer da AGU entregue ao ministro Ricardo Lewandowski como subsídio à ação da Bravi, "a disponibilização de obras audiovisuais, organizadas linearmente ou de forma avulsa sob demanda, por intermédio de aplicativos que funcionam online (internet) são serviços de valor adicionado, não se enquadrando no conceito de telecomunicações".
Segundo o parecer, "tais serviços, mesmo com programação linear, por não terem natureza de serviço de telecomunicações, não são subordinados à regulação geral de telecomunicações, incluindo aquela estabelecida pela Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC)", diz o órgão. Segundo a AGU, "aplicativos que recorrem à internet com a oferta de conteúdos audiovisuais lineares ou não, gratuitos ou onerosos, não se amoldam à prescrição legal e jurisprudencial de serviços de telecomunicações. A Lei do SeAC – assim como todo a regulação da Anatel – abarca exclusivamente os serviços de telecomunicações, excluído, obviamente, o SVA".
A AGU ainda lembra a manifestação feita pela Secretaria de Advocacia da Concorrência e da Produtividade do Ministério da Economia, que em 2019 afirmou:" Do ponto de vista normativo/regulatório, a Seae considerou as plataformas de conteúdo audiovisual linear na Internet aberta como um SVA. Neste sentido, somos contrários a propostas incrementais para regulamentar as plataformas de conteúdo linear na Internet aberta como um SeAC, pois isso pode levantar barreiras regulatórias artificiais limitadoras da convergência tecnológica, tais como a existência de ilhas regulatórias na política de comunicação e a de silos verticalizados no regime regulatório".
MCTIC defende Marco Civil
Já a consultoria jurídica do MCTIC afirmou que "o debate jurídico sobre a regulação de conteúdo no ambiente online é extenso e complexo" e que "nos inúmeros casos concretos em que tal debate foi travado,(…) ainda que a motivação para a regulação seja pertinente e legítima, seus impactos sobre o ambiente cibernético se revelam qualitativamente distintos daqueles verificados no ambiente analógico, o que frequentemente faz com que seja colocada em questão a proporcionalidade de tais medidas".
Mas para o ministério, "parecem estar corretas as considerações da área técnica da Anatel e de sua Procuradoria Federal Especializada no sentido de que a oferta de conteúdos audiovisuais programados pela Internet não se caracterizam como SeAC, dado que este é um serviço de telecomunicações cuja caracterização pressupõe que a prestadora detenha, necessariamente, o controle ou a responsabilidade pela infraestrutura utilizada como suporte à oferta do serviço".
Ainda segundo a análise jurídica do MCTIC, "isso não quer dizer que qualquer distribuição de conteúdo audiovisual configura SeAC, mas tão somente aquelas que se enquadram nos demais requisitos do Serviço (de telecomunicações, diga-se), e também no próprio conceito legal de distribuição, independentemente da tecnologia empregada para tanto".
Segundo o parecer do MCTIC, "qualquer interpretação conforme à constituição para limitar o alcance do Marco Civil da Internet feriria os próprios princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência, da promoção e acesso às fontes da cultura nacional e da redução das desigualdades regionais e sociais, violando a própria Constituição Federal".
Presidência da República critica produtores
A Secretaria Geral da Presidência da República também opinou sobre o tema por meio de sua Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ). "Os serviços e facilidades prestados por empresas que recorrem à estrutura da internet não têm natureza de serviços de telecomunicações, conceito restrito à empresa prestadora de acesso à internet". A SAJ é bastante dura com a ação proposta pela Bravi junto ao Supremo: "a pretensão última da autora não é outra senão obrigar as empresas que porventura prestem serviços baseados em aplicativos da internet a disponibilizar conteúdo nacional, favorecendo os interesses dos membros da associação, tudo ao arrepio da lei de regência e, destacadamente, do enfrentamento técnico da Anatel".
Na opinião da Secretaria de Assuntos Jurídicos, "o que pretende a BRAVI, no entanto, é incluir os serviços prestados por intermédio de aplicativos da internet (SVA) no mesmo regime regulatório dos serviços de acesso condicionado, submetendo-os ao mesmo tratamento legal das operadoras de TV paga". E vai mais longe, afirmando que "o que pretende a BRAVI (…) é obrigar as empresas que prestam serviços de SVA (aplicativos de internet) a adquirir produções de empresas nacionais, em evidente prejuízo à livre concorrência e em detrimento do interesse do consumidor, que será obrigado a consumir determinado conteúdo em qualquer serviço que porventura contrate".
Para a SAJ da Presidência da República, "atender ao pedido da autora, automaticamente resultaria na subversão dos regimes do SeAC, do Marco Civil da Internet e da Lei da Liberdade Econômica, tudo em clara violação das regras legais vigentes, da interpretação regulatória e jurisprudencial, dos princípios da liberdade econômica, dos direitos fundamentais do consumidor e do princípio da legalidade.
O ministro do Supremo, Ricardo Lewandowski, que relata a ação da Bravi, pediu ainda a manifestação da Anatel, da Câmara e do Senado sobre o tema, além de abrir prazo para a manifestação da Procuradoria Geral da República. Lewandowski considerou "a relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica" ao pedir as informações.