A situação enfrentada pelas operadoras de telecomunicações para contornar a tragédia provocada pelas enchentes no Rio Grande do Sul foi sem precedentes do ponto de vista operacional e logístico. Do ponto de vista de mobilização das empresas em resposta à crise, há algo que só foi visto durante a pandemia. É isso que se conclui de uma conversa mais atenta com quem está na linha de frente.
Marcelo Repetto, responsável comercial pela Regional Sul da Claro, conta que em tempo recorde foi necessária uma mobilização que alterou completamente todas as atividades da empresa: desde a atenção aos funcionários afetados, passando pela infraestrutura danificada, pelos processos relacionados a atendimento aos clientes, comunicação corporativa e atenção aos canais de venda. "E a gente não pode esquecer que o cliente no Rio Grande do Sul está em uma situação de vulnerabilidade sem precedente, e o nosso papel é acolher e ajudar no que for possível", diz o executivo.
Outro aspecto importante é destacado por Marcelo Ilha, diretor de operações no Rio Grande do Sul: "precisamos criar, rapidamente, um canal de cooperação com as autoridades encarregadas, porque reestabelecer os nossos serviços era essencial para o trabalho deles e para a população, e com as outras operadoras para que a gente conseguisse somar esforços", diz Ilha.
Na rede, múltiplos desafios
Do ponto de vista de infraestrutura, todo tipo de problema surgiu ao mesmo tempo: ERBs ficaram sem energia ou foram danificadas pelas águas, fibras foram arrastadas pela enxurrada, equipamentos residenciais ficaram debaixo d'água. "A logística é complexa, porque muitas estradas não são transitáveis, há muita lama, há redes e equipamentos submersos", explica do diretor de operações da Claro. Uma viagem de 30 km a partir de Porto Alegre, por exemplo, se tornou uma viagem de 300km, como é o caso de acesso a Eldorado do Sul, uma das cidades mais afetadas.
Algumas ERBs precisaram ser reconectadas com backhaul por satélite, diz ele, e um aspecto importante para possibilitar a volta rápida dos sinais foi a cooperação de roaming entre as operadoras. Outro desafio tem sido o da energia, indisponível em muitas regiões, ou intermitente. E os rompimentos de fibra que acabam acontecendo de maneira involuntária pela movimentação de tratores e caminhões dedicados a recuperação de outros serviços. "É uma situação tão complexa que a gente comemora quando o vento sopra para o lado certo, comemora cada centímetro que a água desce e cada pessoa resgatada", relata Marcelo Ilha.
A Claro mobilizou equipes e equipamentos de outros estados para dar suporte nas atividades operacionais. "E só não foi mais porque não tem nem como receber mais pessoal, já que falta água e abrigo para todo mundo. Mas são centenas de colaboradores que querem voluntariamente vir para cá", diz.
Atendimento: processos revistos
Já a parte de atendimento ao cliente passou por uma transformação completa. "A demanda aumentou muito pelo atendimento. As pessoas precisam comprar carregadores, aparelhos, ficam preocupadas com a conta, perderam chip e precisam reativar a linha, clientes de outras operadoras mais afetadas nos procuram para contratar o serviço quando sabem que a rede está funcionando", explica Repetto.
"Mas do outro lado a gente precisa evitar que as pessoas saiam de casa e se desloquem, porque há um pedido das autoridades para que não haja deslocamentos", explica Marcelo Repetto. A saída foi priorizar a otimização dos canais digitais de atendimento.
Também existem demandas das autoridades que são priorizadas. "Eles ( as autoridades) precisam muito de infraestrutura para poder fazer o trabalho de resgate. Hoje, por exemplo, a gente foi chamado para viabilizar posições de call center para atendimento ao voluntariado".
Mas tudo começou dentro de casa. Segundo Repetto, o primeiro impacto da crise foi socorrer os colaboradores e familiares em risco, e colocar todo mundo em segurança. "Muitos colaboradores nossos ficaram ilhados, precisaram de resgate. Outros precisaram cuidar de familiares em situação de perigo", diz Ilha.
"Quando a água foi subindo aqui em Porto Alegre no entorno da nossa sede, quase ficamos ilhados, porque o foco era na mobilização das equipes. E depois de evacuar a família para regiões seguras no litoral, a gente praticamente mudou para cá", diz Repetto.
Depois desse socorro inicial, foi preciso reinstituir os protocolos de trabalho remoto da época da pandemia para evitar ao máximo o deslocamento das centenas de funcionários em funções administrativas.
Logo em seguida, foi a hora de pensar em como atender os clientes, com todo tipo de problemas diferentes decorrentes das enchentes (perda de equipamento, serviço indisponível…), mas também por uma demanda que estava explodindo porque, também a exemplo do que se viu na pandemia, há a percepção na população de que conectividade é essencial, sobretudo em situação de crise.
"A gente não teria como atender todo mundo em loja, até porque muitas estavam fechadas. Então levamos todos os processos possíveis para o digital, no app, no site e no Whatsapp", diz. Um dos processos mais complexos foi a necessidade de autenticação presencial para a troca de chips, justamente um dos serviços mais demandados na crise do Rio Grande do Sul. Outro problema muito demandado era a emissão de segunda via de fatura, função que já existe nos canais digitais mas em muitos casos precisou ser reorientada.
"Foi preciso rever os roteiros de atendimentos todos, e criar uma comunicação especial para os clientes das áreas afetadas", diz. Segundo Marcelo Repetto, uma das preocupações é dar acolhimento para o cliente que perdeu tudo. "A parte de equipamentos a gente vai substituir nos casos das pessoas que foram afetadas, assim como a rede. O cliente precisa ter logo de cara a certeza de que a gente está do lado dele".
Por fim, foi preciso dar atendimento aos canais de distribuição da Claro: quiosques, lojas em shoppings, revendas etc, que também foram afetadas.
Lições da pandemia
Marcelo Repetto lembra que boa parte das mudanças, protocolos e processos já tinham a memória do período da pandemia de Covid-19, o que agilizou um pouco as coisas. E medidas que já haviam sido implementadas naquela época, como bônus nas franquias de dados e postergações de cobranças, foram implementados logo de cara.
Até mesmo as campanhas precisaram ser reposicionadas, para atender às demandas de voluntariado, orientações das autoridades e orientações sobre uso dos recursos de atendimento digital.
"Mas eu diria que a coisa mais significativa que estamos vivenciando é essa rede de cooperação e solidariedade. Os nossos colaboradores de todo o Brasil se ajudam. As operadoras cooperam entre si. E a interação nossa com as autoridades é total para ajudar na recuperação das redes e manutenção dos serviços para as equipes de resgate e apoio. Mas teremos ainda muitos desafios pela frente quando as águas baixarem", diz Marcelo Repetto.
Galeria de imagens
As imagens a seguir foram gentilmente cedidas pela operadora e retratam algumas das situações enfrentadas em campo: