O site Wikileaks divulgou nesta terça-feira, 8, o que seria o rascunho do relatório elaborado pelo Comitê Executivo Multistakeholder (EMC) do NetMundial, evento que acontece entre os dias 23 e 24 de abril em São Paulo. No texto, escrito com base nas mais de 180 propostas enviadas à organização (considerando a veracidade da origem do documento), ficam claras que as propostas iniciais e a agenda do fórum deverão incluir temas comuns e esperados como universalidade e necessidade de inclusão de todos os setores. Entretanto, o documento procura abordar superficialmente e com brevidade assuntos polêmicos como neutralidade de rede e cibersegurança.
O Comitê havia realizado reuniões entre os dias 31 de março e 1º de abril para definir os temas; e o resultado seria submetido à aprovação do Comitê Multistakeholder de Alto Nível, presidido pelo ministro Paulo Bernardo. Só então, uma vez aprovado, ele seria divulgado para a sociedade. De acordo com o Wikileaks, é esperado que o Comitê de Alto Nível (que inclui ainda as 12 nações que dividem a organização do evento) entregue suas considerações sobre o rascunho na quarta-feira, 9. A última atualização do documento, segundo o site, é do dia 3 de abril.
Além de pontos comuns e esperados, como a garantia de direitos humanos no mundo online como é no offline, da acessibilidade e da natureza aberta da Internet, há algumas questões que chamam a atenção no texto do Comitê. Em especial, a neutralidade de rede é abordada de maneira genérica.
O documento fala em "promover acesso justo a qualquer conteúdo, aplicações e serviços da escolha do usuário" e, para além das propostas de abertura, universalidade, diversidade e agilidade (indicação para políticas agnósticas tecnologicamente), o texto fala em neutralidade, mas de um modo muito mais abrangente do que a questão técnica que permeou recentes debates entre provedores de serviço e de conteúdo. "A Internet deveria continuar neutra, livre de discriminação, para encorajar a liberdade de expressão, o fluxo livre de informações e ideias, criatividade, inovação e empreendedorismo".
Ou seja, não existe relação direta entre essa neutralidade mais genérica e questões como o tratamento diferenciado de pacotes, tampouco a possibilidade de instalação de modelos de negócios diferenciados. Entretanto, ao se falar da infraestrutura, o documento diz que a Internet precisa ter arquitetura aberta e distribuída, com natureza fim-a-fim. Assim, o Comitê fala em "igualdade de tratamento para todos os protocolos e dados, fornecidos por comunicações subjacentes".
Discussões mais abrangentes
O documento da NetMundial coloca no roadmap não apenas a participação multissetorial inclusiva, com equilíbrio geográfico para permitir a voz de países em desenvolvimento, mas também uma abordagem local. "Uma boa parte das questões de governança da Internet deveria ser encarada a este nível", afirma o texto, ressaltando que os agentes multissetoriais locais "deveriam servir como uma conexão entre discussões locais e instâncias regionais e globais".
O Comitê afirma também que é preciso fortalecer o Fórum de Governança da Internet (IGF), citando recomendações de um grupo de trabalho das Nações Unidas. A proposta é melhorar as recomendações e as análises de opções de políticas; aumentar o mandato para considerar o IGF como um fórum permanente; garantir financiamento "estável e previsível" para a entidade; e adotar mecanismos para promover discussões mundiais. Isso porque o Comitê do NetMundial acredita que "há problemas que não estão sendo tratados corretamente por mecanismos de governança de Internet existentes". Para tanto, o IGF seria o meio para discutir as soluções.
ICANN
A entidade afirma que as discussões sobre o futuro das funções da IANA (Internet Assigned Numbers Authority) na ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Number) após a saída dos Estados Unidos na administração "precisam acontecer por meio de um processo aberto com a participação de todos os stakeholders estendendo além da comunidade da ICANN". Além disso, a comissão afirma que "é desejável manter uma separação adequada entre processos de política e seus aspectos operacionais". A necessidade de equilíbrio adequado para promover a participação ativa de todos os setores para permitir um processo realmente global também é citada.
Cibersegurança
O texto diz que discussões para combater o cibercrime devem ser realizadas com a abordagem multissetorial também, incluindo "acordos internacionais" que deveriam "incluir medidas para restringir o desenvolvimento e implantação de ciberarmas". A entidade afirma que as iniciativas para combater ameaças eletrônicas deveriam envolver todos os setores, mas alfineta: "há stakeholders que ainda precisam se tornar mais envolvidas com cibersegurança, como, por exemplo, operadoras de rede e desenvolvedores de software".
Em relação à monitoração da Internet, fica presente a clara irritação do governo brasileiro perante a prática de espionagem, que "mina a confiança na Internet e no ecossistema de governança da Internet", ressaltando que isso contradiz princípios citados no documento – como o direito fundamental à privacidade. Não significa que esse recurso seja banido: ele precisa seguir, de acordo com a entidade, princípios de "necessidade e proporcionalidade", o que provavelmente significa que fins de segurança nacional poderiam continuar usando a prática. Como é um problema sensível, o tema acaba sendo empurrado para outra ocasião: "Mais diálogo em nível internacional é necessário para este assunto utilizando fóruns como o IGF e o Conselho de Direitos Humanos, objetivando desenvolver um entendimento comum em todos os aspectos relacionados".
Para o futuro
De acordo com o Comitê Executivo, todas as organizações responsáveis devem preparar relatórios periódicos com os progressos e esses documentos deveriam se tornar públicos. Além disso, todas deveriam aceitar as propostas acordadas no NetMundial, que seriam utilizadas ainda como base para futuros encontros.
Os pontos que a entidade acredita que deverão ser discutidos além do evento são os papeis e responsabilidades dos diferentes setores, problemas de jurisdição e princípios baseados em código de conduta e indicadores relacionados. A ideia é criar grupos de especialistas, forças tarefa e grupos de facilitadores compostos por entidades e corpos existentes. Esses grupos iriam divulgar relatórios de suas atividades em próximos encontros de governança da Internet.