Uma eventual intervenção da Anatel na Oi, conforme recomendação da área técnica da agência ao conselho diretor, tende a ser um dos episódios mais drásticos e conturbados da história recente do setor de telecomunicações, segundo a avaliação feita a este noticiário por diversos especialistas ouvidos nos últimos dias, tanto da Anatel quanto observadores externos. Mas ao que tudo indica há ainda muitas questões em aberto. Este noticiário compilou algumas das perguntas que estão sendo feitas e algumas das respostas coletadas, mas é preciso deixar claro que esse cenário é inédito (a última intervenção do setor aconteceu em 1998 na extinta Companhia Riograndense de Telecomunicações, e tinha como único propósito preservar a empresa em um cenário de mudança societária que poderia prejudicar a empresa).
Confirma alguns pontos levantados, e ainda sem resposta definitiva:
- Quem seria o interventor?
A Anatel pensou em indicações no início do processo, mas a decisão passa pelo governo, e nos últimos dias foram emissários políticos que fizeram as sondagens. Em última instância, contudo, quem nomeia o interventor é a Anatel, por meio do ato de intervenção, de modo que existe uma carga de responsabilidade sobre a escolha do nome que está no ombro do Conselho Diretor da Agência. Hoje, a tendência é que seja uma empresa ou um colegiado, porque a Lei Geral de Telecomunicações diz expressamente em seu artigo 110 que "o interventor prestará contas e responderá pelos atos que praticar". Ou seja, quem assumir terá que arcar com o ônus de eventuais ações judiciais, questionamentos e responsabilizações. - A Telebrás poderia assumir como interventora?
Segundo apurou este noticiário, não existe, até o momento, nenhuma restrição colocada pela área jurídica da Anatel nesse sentido, mas a agência não teria feito essa pergunta especificamente dentro do processo de intervenção, segundo apurou este noticiário. Tampouco existe uma movimentação operacional da estatal nesse sentido, mas a ideia já circula com bastante naturalidade nos bastidores políticos do assunto. - Para que a Anatel faria a intervenção?
A intervenção tem, em última instância, o propósito de preservar a prestação do serviço objeto da concessão do serviço público, ou seja, o serviço de telefonia fixa comutado (STFC). Isso significa que essa é a prioridade. Alguns especialistas apontam que, quando a Lei Geral de Telecomunicações dá como causa a uma intervenção o "desequilíbrio econômico-financeiro decorrente de má administração que coloque em risco a continuidade dos serviços" e que "a intervenção não afetará o curso regular dos negócios da concessionária nem seu normal funcionamento", haveria margem para que o interventor assuma responsabilidade pelos demais serviços. No caso, sobre os serviços de banda larga fixa e serviços corporativos.
A questão é o que seria priorizado. Por exemplo, a priorização dos investimentos: investir e manter os fornecedores do serviço de banda larga (que é o serviço rentável) ou investir na telefonia fixa (mesmo que dando prejuízo)? Nesse caso, há especialistas que dizem que o interventor não pode levar a empresa à inviabilidade, e há quem diga que todo o recurso da empresa deve ser voltado para o STFC, mesmo que isso prejudique o resto. - E quais seriam as obrigações regulatórias do Interventor?
Basicamente, a prioridade seria cumprir todas as obrigações impostas pela Anatel à Oi, sobretudo aquelas estabelecidas no Plano Geral de Metas de Universalização, e também as obrigações de prestação dos serviços básicos da operadora, como atendimento a serviços de emergência e locais de interesse público, além da prestação dos serviços aos clientes individuais e jurídicos que contratem telefonia fixa. Mas existe uma dúvida porque o PGMU imposto pela Anatel às concessionárias prevê, inclusive, a implantação de rede de transporte (backhaul) de fibra óptica em sedes de municípios, vilas, áreas urbanas isoladas e aglomerados rurais que ainda não disponham dessa infraestrutura, e estabelece ainda que até o final de 2024 esse atendimento deve se dar em 100% de cerca de 2 mil localidades (listadas aqui). Não está claro se a empresa, sob intervenção, teria que cumprir essa e outras metas estabelecidas.
Mas há outro problema, segundo fontes ouvidas por este noticiário: todos os serviços prestados pela empresa, inclusive os prestados em regime privado (banda larga e serviços corporativos), também são objeto de deveres e obrigações regulatórias. O interventor não deveria, em tese, fazer a empresa se opor a obrigações da própria Anatel. - O interventor precisará pagar credores e fornecedores da empresa?
Como a intervenção tem um caráter eminentemente operacional para a preservação do serviço público, a leitura dos especialistas é que os recursos devem ser aplicados apenas naquilo que for operacionalmente essencial. Acontece que a Oi tem dois problemas: ela está formalmente sob recuperação judicial, de modo que seriam duas situações de excepcionalidade previstas em lei que se sobreporiam e poderiam, eventualmente, concorrer. O outro problema é o uso do caixa. Em dezembro, a empresa tinha cerca de R$ 1,8 bilhão de disponibilidade de caixa, que seriam suficientes, na situação atual, para chegar a maio, segundo apurou este noticiário. A Anatel avalia que com esses recursos seria possível levar a concessão em funcionamento até 2025, mas não o restante dos serviços. - O que acontece com os clientes da operadora?
Os clientes não têm dono, o que significa que nada impede a mudança para outras prestadoras de serviço, caso haja a disponibilidade de empresas concorrentes. Inclusive, a própria Lei Geral de Telecomunicações diz em seu artigo 114 que "será desnecessária a intervenção quando a demanda pelos serviços objeto da concessão puder ser atendida por outras prestadoras de modo regular e imediato". Nesse caso, contudo, a Anatel teria que decretar a caducidade da concessão. - O que acontece com os bens da Oi durante a intervenção?
Os bens da concessionária precisam de autorização da Anatel para serrem alienados pelo interventor. O problema será definir o que é bem da concessionária e o que é bem da empresa. Desde 2011, a legislação permitiu a consolidação de todas as atividades de uma empresa, inclusive aquelas prestadas em regime privado, em um único CNPJ. Esse problema é especialmente crítico quando se fala do caixa da empresa, já que não existe clareza sobre o quanto desses recursos poderão ou não ser utilizados. Outro problema são os bens reversíveis, porque o interventor teria que fazer um levantamento detalhado de quais são os bens reversíveis e obviamente haveria questionamento dos acionistas da empresas sobre a abrangência desse levantamento. - Quanto tempo dura a intervenção?
O prazo precisa ser definido pela Anatel. A lei estabelece que a agência define "prazo, seus objetivos e limites, que serão determinados em função das razões que a ensejaram". Fontes ligadas à operadora avaliam que não existe comprometimento da prestação do serviço de telefonia fixa. A Anatel não vê assim, e aponta as reclamações dos usuários que estão sendo migrados para outras tecnologias de telefonia fixa, por exemplo, além da incerteza sobre a estabilidade financeira da empresa. - Como a intervenção dialoga com o processo de Recuperação Judicial?
Ninguém sabe ao certo, e é isso o que tem causado mais insegurança ao processo. Na primeira recuperação judicial, a Anatel ameaçou a Oi de intervenção em alguns momentos, e chegou a nomear observadores para as deliberações do conselho de administração da empresa, mas naquela ocasião a agência tinha também a pressão de ser a principal credora. A dívida da Oi com a União foi renegociada e em tese não se altera agora (ainda que Oi buscasse um desconto maior). Existe, naturalmentem, incerteza sobre a capacidade da empresa de arcar com esse e com outros compromissos no futuro. Mas a juiza responsável pela Recuperação Judicial deixou bem claro que a prioridade da RJ é com os credores da empresa. - Como fica a arbitragem contra a Anatel?
Esse é um outro ponto sem resposta, pois o interventor na Oi assume no lugar de todos os administradores da companhia. Isso significa que ele tomará as decisões sobre os litígios, inclusive sobre a arbitragem. Se recuar da arbitragem, que pede mais de R$ 50 bilhões, pode ser acusado de deixar de cumprir com os deveres fiduciários com a companhia. - E como fica o acordo com o TCU para a migração da concessão para autorização?
Supondo-se que a intervenção aconteça antes do dia 23 de março, que é o prazo final para as negociações com o TCU, o interventor seria o responsável por participar também dessa mesa. Nesse caso há uma situação paradoxal, porque a pactuação prevê as condições para a migração da concessão para autorização (sendo que cabe ao interventor zelar pela prestação do serviço como concessionário) e também das condições dessa migração, ou seja, o quando a Oi poderá assumir de compromissos e custos, o que será reconhecido como bem reversível e, obviamente, se essas condições justificariam o fim da arbitragem contra a Anatel. - Quais as etapas do processo de intervenção?
Pelo menos dois especialistas ouvidos por este noticiário apontam que a primeira coisa que o eventual interventor teria que fazer é promover, do ponto de vista administrativo, uma clara separação funcional do que é concessão e o que é autorização dentro da Oi, para ter clareza das relações de receitas e despesas. A Anatel tem, de certa forma, conhecimento sobre esses custos. Isso deixaria a agência com a evidência sobre a insustentabilidade da concessão, o que faria com que o interventor tivesse que fazer o que a própria Oi tem feito há alguns anos: pedir alívios regulatórios para garantir o mínimo de viabilidade do serviço de telefonia fixa. Esse movimento também colocaria o interventor na complexa condição de inventariante dos bens reversíveis.
Quando será o último capítulo dessa novela?
Cheiro de Falência
Não concordo que o interventor seja a Telebras. Isto seria de muito mau gosto. Primeiro privatizam a empresa sob a alegação de incompetência estatal e depois de falirem a empresa querem repassar o problema para quem foi acuso de incompetência? Que seja um empresa privada a interventora ou fechem de vez a Oi.