PL 2.630 não trata apenas de fake news, mas de economia de dados

O debate sobre PL 2.630/2020, aprovado pelo Senado nesta semana, está focando mais nas fake news e desinformação, mas deveria levar em consideração toda a cadeia da economia de dados, na visão de especialistas em debate sobre regulamentação de plataformas promovido pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br) nesta sexta, 3. 

A diretora do departamento de serviços de telecomunicações do Ministério das Comunicações (mantendo o cargo que detinha no antigo MCTIC), Miriam Wimmer, entende que há um "universo de questões jurídicas" envolvendo o assunto, mas que é necessário ter uma visão mais ampla nesses temas que o PL aborda. "Neste momento, a discussão tem sido sequestrada e polarizada pelo debate à desinformação e ao fake news", afirma. 

"Eu diria que o problema do debate público diz respeito a como calibrar o ambiente jurídico para encontrar um ponto de equilíbrio. De um lado, serviços inovadores que beneficiam o usuário; do outro, tem a questão concorrencial, mas que não é só de poder de mercado, é também de 'level playing field' [nivelar o campo] sobre serviços tradicionais", diz Wimmer.

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O advogado Edmundo Matarazzo argumenta que não se trata de regulação de plataformas, mas sim de usuários – no caso, 3,8 bilhões de pessoas no mundo usuárias de redes sociais. Isso envolve então também a economia de dados que se abre com a possibilidade de conexão ubíqua. "A discussão do 5G não é do serviço móvel. Não tem nada a ver com telecomunicações mais", declara.

Concentração

Outra questão levantada é o problema da concentração da economia de dados nas mãos de gigantes globais da Internet. O advogado e professor do Instituto Brasilense de Direito Público (IDP), Danilo Doneda, comenta o recente anúncio do WhatsApp de oferecer pagamentos pelo aplicativo traz preocupações, uma vez que é uma plataforma utilizada para "80% de todas as comunicações privadas no Brasil", o que por si já caracterizaria um problema de concorrência. "Você não larga com um cavalo de vantagem, mas com meio hipódromo de vantagem", diz.

Membro conselheiro do CGI.br, representante da comunidade científica e tecnológica, Marcos Dantas ressalta que três das principais empresas de Internet – Amazon, Facebook e Google – têm vários acionistas investidores em comum. "Há uma extrema concentração de capital e eles operam na lógica de remunerar esse capital", analisa.

Algoritmos 

A advogada e representante do Intervozes, Flávia Lefèvre, coloca que a própria prática de moderação de conteúdo passa por monetização, uma vez que os algoritmos "são calibrados com interesses comerciais e nem sempre estão alinhados com o interesse público". Ela lembra que a audiência total do YouTube no Brasil concorre atualmente com a TV Globo, mas que os próprios recursos de recomendações dos portais de vídeo são responsáveis por 70% do consumo de conteúdo. 

Lefèvre considera ainda que há uma formação de dominância na economia de dados, indiretamente ou diretamente ligados a um grupo pequeno de empresas globais. Ela cita que no Brasil e na América Latina, a maior parte do acesso à Internet é feita pelo celular. "Muitos com acesso zero-rating a plataformas que dominam o mercado, especialmente o Facebook e WhatsApp, que integram o mesmo grupo econômico."

Censura

No entendimento da advogada, o PL 2.630 tem avanços importantes, especialmente se tratando de transparência e identificação clara de conteúdos impulsionados e contas automatizadas. Mas ela vê com preocupação outros pontos, como o Art. 10, que trata de envio de mensagens em massa e que não apenas tem problemas de criar bancos de dados sensíveis, mas também fere a presunção de inocência. "Hipóteses que são muito abrangentes e abertas, correndo risco de ter censura."

Para conselheiro do CGI.br, Marcos Dantas, "os algoritmos estão modulando o tráfego", uma vez que a pessoa tem os dados individualizados para levar à máxima personalização. "Esse sistema de mediação passa a ser antidemocrático. Não leva a pessoa ao poder de pensar, mas apenas reforça o que ela já acredita", declara.

Na opinião de Miriam Wimmer, esse equilíbrio para manter um ambiente saudável é importante também no contexto do PL 2.630. "Há risco do chilling effect, um esfriamento do debate em razão de regime descalibrado, além de temores com custos e incertezas jurídicas que podem levar a um ambiente de censura e autocensura", declara. Para endereçar isso, a diretora do Minicom argumenta que não se deveria buscar uma "bala de prata" com uma única solução, mas uma estratégia de vários níveis. 

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