Quem acompanha a Anatel há muito tempo já viu a agência tomar decisões de grande impacto que mudam o rumo do mercado: grandes processos de licitação, como foi recentemente o edital de 5G; grandes operações de fusões e consolidações, como foi a operação entre Telemar e Brasil Telecom; grandes mudanças regulatórias, como foi a mudança do PGO justamente para acomodar a criação da "BrOi"; grandes inovações regulatórias, como foi a instituição do Plano Geral de Metas de Competição ou a criação do Serviço de Comunicação Multimídia; decisões paradigmáticas, como aquela que desobrigou o cumprimento da Lei do SeAC sobre serviços de vídeo sobre Internet…. Exemplos não faltam nesses 24 anos de história da agência, atentamente cobertos por TELETIME. Nesta segunda, dia 31 de janeiro de 2022, foi tomada uma dessas decisões que definem o futuro do mercado e marcam uma era: a venda da Oi Móvel para as concorrentes Claro, TIM e Vivo.
Mas o que se viu foi uma decisão quase protocolar, como se ali estivesse sendo decidida uma outorga para um serviço privado irrelevante. Sabe-se que era uma operação complexa, em que apenas o voto relator tinha mais de 100 páginas, e que certamente terá implicações concorrenciais, consumeristas e regulatórias de grande impacto nos próximos anos. A Anatel votou o assunto com pressa, em uma sessão extraordinária na última sexta e, após um período de vistas relâmpago, numa outra sessão extraordinária de não mais de 30 minutos nesta segunda, 31. Ficou faltando uma mensagem mais consistente do conselho diretor sobre o resultado final.
Independente dos argumentos sobre esta ser ou não a única alternativa possível diante das circunstâncias (como analisado aqui), o fato é que a operação de compra da Oi Móvel pelas concorrentes diretas tira um quarto operador do mercado, o que por si só é um acontecimento de muita relevância. Nos autos do processo certamente há análises concorrenciais dos técnicos da agência e reflexões dos conselheiros que justificam e dão solidez a essa decisão, mas elas deveriam ter sido expostas e apresentadas, fosse nos votos públicos dos conselheiros, fosse em uma coletiva com a imprensa após a decisão ou, pelo menos, numa nota à imprensa mais longa. É certo que tudo isso estará público para ser dissecado no próprio processo, caso os documentos ganhem versões públicas, mas a Anatel não pode ter constrangimento de assumir publicamente as suas decisões.
Tanto é que a própria decisão da agência traz remédios concorrenciais importantes, como a obrigação de oferta pública de roaming no atacado, oferta pública de referência para operadores virtuais, compromisso de uso do espectro por parte das compradoras. Caberia uma explicação mais detalhada sobre como esses mecanismos irão funcionar, quais os motivadores para a aplicação desses remédios e quais os resultados esperados.
Do ponto de vista dos consumidores, a situação também mereceria melhor detalhamento. Afinal, são 41 milhões de clientes da Oi Móvel. A aprovação traz remédios para mitigar possíveis problemas a estes consumidores, como desobrigá-los de cumprir cláusulas de fidelidade e multas; assegurar a portabilidade; e garantir o desempacotamento no caso de clientes com combos. Mas a explicação sobre esses remédios para estes 41 milhões de consumidores demandaria da agência um pouco mais de atenção do que a simples leitura dos votos dos conselheiros. De novo, é desejável que a agência explicite os motivadores para a aplicação destes remédios (e não de outros) e, sobretudo, quais os direitos que os clientes da Oi Móvel terão daqui em diante.
Do ponto de vista regulatório, o principal desafio trazido pela operação de venda da Oi Móvel é na concentração de espectro. A Anatel tem dito há tempos que algumas questões serão endereçadas na regulamentação do mercado secundário de espectro, que a agência está atenta a novas formas de garantir acesso de novos entrantes ao mercado móvel, que o leilão de 5G foi uma prova de que o acesso a espectro não é uma barreira de entrada etc. A decisão sobre a Oi Móvel, se não é um catalisador para esses movimentos de reformas regulatórias, é mais um argumento nesse sentido, como aliás foi apontado pela SEAE, do Ministério da Economia. O que se sabe é que a agência demandará das compradoras "elaborar e tornar públicos planos de compromissos voluntários de efetiva utilização do espectro". Mas faltou explicar o que é isso. A aprovação da operação seria também um bom momento para uma mensagem de direcionamento sobre o que a agência pensa e como vai tratar a gestão do espectro nos próximos anos. Responsabilidade que também cabe ao Ministério das Comunicações, como formulador de políticas públicas, aliás.
A venda da Oi Móvel, tinha como principal motor a urgência da empresa em concluir a sua reestruturação e o cumprimento das metas econômicas traçadas no plano de recuperação, cujo foco são os credores da empresa e acionistas. Há muitos anos sabe-se que a situação delicadíssima em que a Oi entrou precisaria de atenção especial do governo e da Anatel. Se a decisão da agência de aprovar a venda foi uma forma de resolver o problema, seria apenas um motivo a mais para que um pouco mais de pompa e circunstância num caso tão relevante.
O fato de a agência estar desfalcada em seu conselho diretor e como uma presidência temporária podem ter contribuído para a timidez da Anatel em defender e explicar as suas opções que, diga-se de passagem, foram unânimes e muito convictas entre os quatro conselheiros titulares. Mas a cada vez que a agência deixa de exercer seu protagonismo, ela perde um pouco de sua força. Ser uma agência reguladora altiva e independente requer um exercício diário de convicção e transparência sobre as próximas decisões. Nesse sentido, a decisão da Oi Móvel foi um completo anticlímax. Não deixa de ser, também, um fato histórico.
A gente já tem uma longa história com CADE e Anatel para saber que os tais remédios "comportamentais" acabam tendo um efeito diminuto, entre outros motivos pela dificuldade dos reguladores em fiscalizar seus cumprimentos e pela falta de métricas para medir o seu sucesso ou não destes remédios. Na prática, na prática mesmo, foi uma luz verde e pronto. Talvez por isso ninguém queira falar muito no assunto.
Ah é, a decisão da Anatel foi "às pressas" já que levou só…. UM ANO. E com certeza eles não tem capacidade cognitiva pra ler 100 páginas de um documento em somente 1 ano.
É cada coisa que se lê.
Na mídia especializada desse setor Samuel Possebom é um entre o top dos profissionais. Por isso eu pensei que ele estaria trazendo as respostas, justamente para essas perguntas que ele apresenta. Em outro recente texto do articulista ele se referiu a um certo "clima" na Anatel. Sabemos que a mídia especializada é muito pressionada comercialmente. Fica a sensação de que o que ele tem a dizer não pode ser colocado com mais clareza. Então chega pelas bordas para agitar o ambiente. A questão é que tem muita coisa nebulosa no setor.
Eu fico pensando… As 4 (agora 3) grandes teles têm o maior e mais atualizado cadastro de cidadãos brasileiros; têm acesso aos metadados e palavras chaves dessas conversas. Nos bits que passam pelas teles acontece um Brasil e um Brazil como em nenhum outro lugar do mundo. É muito estratégico, muito sensível. Daí o governo dá dinheiro a elas para implantar 5G. Ora, o setor não foi privatizado?? É tarde para se pagar tanto para ter um 5G daqui a alguns anos. Não seria melhor pagar pelo 6G? Leiloaram o espectro por 20 anos!! Não tem projeto nem diretrizes pra nada. Isso sem contar os bens reversíveis.
E, pra ficar no "momentoso"… Antes de entender a venda da Oi seria importante sabermos por que a Oi faliu. Por que a Anatel não se mexeu? Por que a Anatel praticamente deixou claro que jamais cumprirá seu papel quando for necessária uma intervenção? Eu tenho a impressão que, por esses meandros, acontece alguma coisa tão ilegalmente assustadora como se viu no caso Odebrecht.
Decisão as pressas?? Ponto de vista interessante, já que demorou 1 ano, não concordo em nada com seu ponto de vista. E a aprovação da venda da Vtal já aprovada pelo cade?? Estão esperando o que???? Não posso dizer minha opinião………este país é RIDICULO