Ericsson: UE pode fragmentar cadeia de telecom com proposta para patentes

Imagem: Ericsson/Divulgação

As regras sobre patentes essenciais (SEPs, na sigla em inglês) em discussão na União Europeia podem fragmentar o mercado de telecomunicações, prejudicando o desenvolvimento de tecnologias como 5G e 6G não só no Velho Continente, como no mundo, avalia a Ericsson.

Para a gigante do fornecimento da cadeia de telecom, existe um risco considerável do movimento desencadear a criação de regras específicas para diferentes países, dificultando a obtenção de licenças no futuro. A opinião é de Julia Brito, brasileira que atua na área de advocacia da Ericsson em Bruxelas, na Bélgica, com foco em propriedade intelectual.

O texto aprovado no início de janeiro no Comitê de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu e referendado em fevereiro visa evitar disputas sobre patentes essenciais em tecnologias 5G, WiFi e IoT, devendo impactar carros conectados e soluções de mitigação de mudanças climáticas. Além da própria Ericsson, as críticas incluem outras gigantes do setor, como Nokia e Siemens.

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Julia Brito, advogada brasileira que atua na área de propriedade intelectual da Ericsson em Bruxelas, na Bélgica

"A questão é o desenvolvimento. [A proposta] coloca em risco a habilidade de as empresas desenvolverem, de contribuírem nessas tecnologias, principalmente quando se fala de pesquisa", afirma Brito em entrevista exclusiva ao TELETIME, realizada em março durante uma visita dela a São Paulo. 

Na avaliação da porta-voz da Ericsson, a ideia da Comissão Europeia é trazer mais previsibilidade para o mercado de patentes. Entretanto, a discordância das empresas inclui o fato de que as patentes são produzidas com uma visão global, e não observando exclusivamente uma região.

"Não podemos esquecer que se trata de um mercado global. A partir do momento em que você começa a ter regras específicas na União Europeia – e que isso, eventualmente, alcance outras jurisdições -, acaba tendo um impacto muito relevante no licenciamento, que é global".

De acordo com o seu relatório anual, a Ericsson investiu cerca de 50,7 bilhões de coroas suecas (em torno de R$ 24 bilhões) em pesquisa e desenvolvimento de patentes em 2023, o que resultou em uma receita de 11,1 bilhões de coroas suecas (R$ 5,20 bilhões). O portfólio soma hoje mais de 60 mil patentes.

Mudanças em modelo tradicional

Para que tecnologias como 5G e 6G saiam do papel, há um ciclo que dura, em média, 10 anos de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, explica Brito. O processo funciona de forma colaborativa, começando com o desenvolvimento do padrão, visando a economia de escala, e passa pelo incentivo à produção em termos justos e não discriminatórios, para atrair o interesse do maior número possível de empresas. 

O modelo funciona dessa forma há cerca de 40 anos no mercado de telecom, em smartphones e dispositivos eletrônicos. Com o avanço de novas tecnologias como Internet das Coisas (IoT), as patentes começaram a invadir outros setores, se tornando fundamentais para a construção de carros conectados, por exemplo.

Para as empresas do segmento, outro problema das mudanças é a falta de previsibilidade sobre o impacto em tecnologias que já estão em processo de desenvolvimento. O resultado é uma maior incerteza quanto à implementação de inovações mais recentes. 

"Nós estamos discutindo essa proposta ao mesmo tempo em que empresas estão investindo na pesquisa do 6G. E há essa falta de previsibilidade, de não saber como vai funcionar, quais são os custos e impactos no desenvolvimento. Você acaba tirando os incentivos de empresas participarem do desenvolvimento de padrões abertos", diz. 

Centro de Assistência

Para endereçar as novas necessidades, os eurodeputados desejam criar um Centro de Assistência ao Licenciamento das patentes essenciais no modelo one-stop shop, fornecendo formação e apoio gratuitos a startups e pequenas e médias empresas (PME).

Segundo o projeto, ficaria a cargo do Escritório de Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) da estruturação de uma base de dados com os registros de titulares das patentes essenciais, verificando quais são realmente determinantes para um padrão e qual o pagamento justo pela sua utilização. 

Entretanto, as empresas da cadeia de telecomunicações acusam a falta de experiência do EUIPO para a tarefa. "Esse centro de competência não tem absolutamente nenhuma experiência tanto em patentes ou padrões, ou mesmo nas realidades comerciais desses acordos", afirma Julia Brito. 

Para implementar mudanças positivas no modelo em curso sem ocasionar prejuízos ao setor, a indústria entende que é preciso adotar um foco no incentivo à padronização das patentes essenciais, o que está diretamente conectado com a proteção de propriedade intelectual

Em outras palavras, a advogada brasileira acredita que é necessário proteger o processo de desenvolvimento de novas soluções. "Por ser um processo voluntário, você precisa ter uma garantia de que a sua invenção, que está sendo compartilhada, terá um retorno razoável para manter o nível de investimentos."

Por outro lado, um centro de competências que tenha como alvo as PMEs e startups deve atuar para que esse público entenda quais são seus direitos e obrigações sobre o licenciamento de patentes, argumenta a Ericsson. Neste caso, uma solução são os 'pools' de patentes. Atualmente, a indústria automotiva conta com 65 licenças referentes ao 'pool' de 5G, ao preço de US$ 32 cada, por exemplo. 

"Conforme o mercado se desenvolve, várias dessas iniciativas para a área da IoT já estão acontecendo. Acho que isso ajuda muito mais com esse tipo de licença, com eficiência, do que criar todo um sistema burocrático que não vai agregar ao que já existe no mercado hoje."

Próximos passos

Após a votação no Comitê de Assuntos Jurídicos em janeiro, o Parlamento Europeu teve 454 votos favoráveis à proposta, 83 contrários e 78 abstenções no final de fevereiro. Agora, a proposta precisa ser discutida entre os países membros da União Europeia para entender se haverá ou não de fato uma nova legislação. 

 

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