Interpretações e precedência entre Lei do Cabo e LGT podem definir disputas sobre novas outorgas

A opinião de advogados e especialistas ouvidos por este noticiário sobre o desenrolar da iniciativa da Anatel de abrir o mercado de cabo a qualquer interessado chega a duas conclusões: primeiro, que sem uma mudança na Lei do Cabo (Lei 8.977/1995), provavelmente apenas a Justiça poderá pacificar as interpretação antagônicas criadas sobre a Lei do Cabo; depois, que mesmo que a Anatel acelere o processo de outorgas, dificilmente se verá novas outorgas no primeiro semestre de 2011.
O conselheiro Jarbas Valente, autor do voto vencedor que definiu pela abertura do mercado, sintetizou em entrevista coletiva a situação que se avizinha: "A Lei do Cabo não impede a atuação de coligadas (das empresas de telecomunicações)". A frase foi dita ao ser questionado sobre a possibilidade de subsidiárias das teles pleitearem outorgas de cabo. Ou seja, para a Anatel, as teles poderão disputar o mercado, desde que não seja diretamente com a empresa concessionária de telefonia (porque a LGT impede) e respeitado o limite de capital estrangeiro previsto na Lei do Cabo. Essa foi a posição que prevaleceu na decisão do colegiado.
Para advogados ligados às operadoras de TV a cabo, a interpretação que a Anatel dá ao artigo 15 da Lei do Cabo está equivocada. Ali, está dito que "as concessionárias de telecomunicações somente serão autorizadas a operar serviço de TV a Cabo na hipótese de desinteresse manifesto de empresas privadas, caracterizado pela ausência de resposta a edital relativo a uma determinada área de prestação de serviço". Ainda que a referência do artigo seja apenas às concessionárias em si, dizem estes advogados, a intenção do legislador era claramente restringir o mercado da atuação das teles de modo geral.

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Mas o conselheiro Jarbas Valente, no voto aprovado por maioria no conselho diretor da Anatel, entende o contrário: "Entendo, na verdade, que o principal objetivo do legislador ao impor o condicionamento previsto no art. 15 da Lei do Cabo era impedir a concentração de redes nas mãos de uma mesma prestadora, o que traria não somente prejuízos à competição, mas ao serviço e, consequentemente, ao usuário". Para Valente, quando a Lei do Cabo foi feita, a restrição às teles é o que garantia a competição, mas ressalta que "o atual cenário é absolutamente diferente" e que "após o cumprimento das metas de universalização, as concessionárias ficaram liberadas para prestar qualquer serviço, inclusive TV a cabo", respeitados os limites da LGT, da Lei do Cabo e do contrato de concessão. O voto do conselheiro Jarbas Valente está disponível na homepage do site TELETIME.
Para esquentar ainda mais as divergências jurídicas que podem surgir, o voto do conselheiro Jarbas Valente tem posições diametralmente opostos às posições do voto da conselheira Emília Ribeiro, que foi derrotado (o voto da conselheira também está disponível no site TELETIME). A conselheira, em seu voto apresentado no final de agosto, remete à regra geral do direito e cita em seu voto posições manifestadas pelo Ministério Público e pelo TCU em 2003, que diziam que em casos de conflito, a Lei do Cabo, por ser a lei específica (Lei do Cabo), deveria prevalecer sobre a lei geral (no caso, a Lei Geral de Telecomunicações). Já o conselheiro Jarbas Valente, em seu voto desta semana, faz raciocínio oposto: "Nesse ponto, não é demais repetir que as LGT foi promulgada cerca de dois anos após a publicação da Lei do Cabo, instituindo diversas e profundas mudanças na regulamentação do setor de telecomunicações do País. Seria, no mínimo, pouco razoável, admitir que a Lei do Cabo continuasse sendo interpretada sem levar em conta as profundas e significativas modificações posteriores na legislação. Em virtude do princípio da precedência da lei posterior, o que ocorre é exatamente o contrário, ou seja, a Lei do Cabo deve ser interpretada à luz das disposições da LGT". Essa divergência conceitual promete ser central em uma eventual disputa de operadores de TV a cabo contra a decisão da Anatel.
Prazos complicados
Em relação ao tempo até a liberação das outorgas, cabe ressaltar algumas etapas importantes. Primeiro, a própria Anatel diz que só iniciará o processo depois de aprovado o novo Regulamento do Cabo. O texto que irá à consulta pública deve ser avaliado pelo conselho em janeiro, segundo o conselheiro João Rezende, relator da matéria. Depois da consulta, será necessário consolidar as contribuições, fazer e votar um novo relatório, para só então enviá-lo ao Conselho de Comunicação Social do Congresso. Se o conselho ainda estiver inativo na ocasião, é necessário esperar 30 dias do decurso de prazo. Só então Regulamento do Cabo poderia entrar em vigor. Com boa vontade, fontes da agência estimam que dificilmente isso acontecerá antes de maio de 2011. Só então começa o processo de chamamento para os interessados nas novas outorgas. Até lá, é mais provável que já exista uma definição sobre o PLC 116/2010 no Senado, o que resolveria boa parte das divergências de interpretação ainda existente.

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