Especialistas apontam preocupação na decisão do STF que permite autoridades solicitarem dados a plataformas

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou constitucional a possibilidade de autoridades nacionais solicitarem dados diretamente a provedores de aplicação estrangeiros com sede ou representação no Brasil sem, necessariamente, seguir o procedimento do acordo celebrado entre o Brasil e os Estados Unidos, gerou preocupações em pesquisadores e especialistas do campo de direitos digitais no Brasil.

Paulo Rená, advogado, pesquisador na área de direitos digitais e doutorando da Faculdade de Direito da UnB, aponta que a decisão, embora afirme a constitucionalidade do artigo 11 do Marco Civil da Internet, segue na contramão do próprio artigo, fragilizando-o. "A Seção 2 do Capítulo 3 do MCI trata de regras para proteger nossos registros, nossos dados pessoais e nossas comunicações privadas. A decisão do STF fragiliza essa proteção, ao facilitar o acesso das autoridades brasileiras aos dados de cidadãos brasileiros por meio de requisição direta a empresas de outros países", explicou Rená ao TELETIME.

Outro aspecto apontado pelo pesquisador na recente decisão da corte suprema brasileira e segundo ele, o mais problemático, seria uma distorção sem base legal. "O voto-vista de Alexandre de Moraes estabelece uma ordem de prioridade entre as solicitações diretas e o caminho internacional tradicional de MLAT e cartas rogatórias que não encontra respaldo na nossa legislação", afirmou.

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Ele também explica que o decreto nº 8.771/2016, que regulamenta o art. 11 do Marco Civil da Internet, define padrões para segurança e sigilo dos registros, dados pessoais e comunicações privadas. "A decisão foi tomada tendo em mente o fornecimento de dados para elucidação de investigações criminais", aponta Paulo Rená.

Rená também manifesta preocupação quando observa que a parte dispositiva do voto proferido pelo ministro Gilmar Mendes, relator da ação, ao não citar o art. 22 do MCI, abre brecha para diversas interpretações das autoridades nacionais. "É preocupante pelo aspecto mais prático de como isso será interpretado pelas autoridades nacionais na solicitação direta de dados e comunicações eletrônicas", diz. Por outro lado, o pesquisador explica que a decisão reforça a validade do Marco Civil da Internet para empresas com sede em outros países, sendo suficiente para aplicação da nossa legislação que esteja no Brasil um dos terminais – ou seja, computadores, celulares ou quaisquer aparelhos conectados à Internet.

Atalho

A advogada e pesquisadora da área de direitos digitais, Nathalie Fragoso, também aponta preocupações. Ela avalia que a decisão do STF lida com uma questão complexa e a resolve com um atalho, porque é unilateral. "O processamento transnacional de dados, quando suscita conflitos jurisdicionais, é melhor resolvido na coordenação entre os Estados-nação. Desde a apresentação da ação, em novembro de 2017, as legítimas críticas das autoridades brasileiras ao MLAT poderiam, mas não foram endereçadas adequadamente", explicou a advogada, que é sócia do escritório VMCA e professora do Instituto Insper.

Ela também lembra que o Brasil aderiu à Convenção de Budapeste, mas isso ainda não bastava para a resolução do problema de transferência de dados internacionais. "Nesse contexto, o problema, que é inescapável ao funcionamento da rede, foi algo terceirizado: as empresas afetadas precisarão contornar o conflito jurisdicional, para não correr o risco de, respeitando uma jurisdição, romper com as determinações da outra", afirmou.

A motivação

Nathalie Fragoso, que também atuou como amicus curiae (amigo da corte) na ação, explica as requisições diretas de dados por autoridades brasileiras a provedores de aplicação sediados no exterior, suscitou que fosse levada ao STF a questão MLAT, pedindo que fosse declarada a sua constitucionalidade e aplicabilidade nessas situações.

"A Suprema Corte reconheceu que sim, é constitucional, mas nem sempre aplicável. Por maioria de votos, foi admitida a possibilidade de requisição direta de dados a provedores de aplicações sediados fora do Brasil, com representação no país, quando coletados e de qualquer maneira tratados no país, ou referidos a crimes cometidos por indivíduos localizados em território nacional. O STF também recomenda que sejam tomadas providências legislativas e diplomáticas para aperfeiçoamento, que agora, na minha avaliação, perdem urgência para os responsáveis", finaliza a advogada.

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