Plataformas digitais, desenvolvimento e integração latino-americana

Foto: Pixabay

Em junho deste ano, publiquei aqui uma nota defendendo uma regulação das plataformas digitais no Brasil em perspectiva desenvolvimentista. Desde então, a pesquisa que venho realizando sobre o tema avançou, reforçando aquele entendimento. Enquanto as grandes plataformas norte-americanas se desenvolveram através de fusões e aquisições (Jia & Kenney, 2021), as chinesas o fizeram por conglomeração, facilitando um processo de catch up em relação às primeiras, ao passo que a Europa, da sua parte, após a derrota frente aos Estados Unidos nas disputas em torno da telemática nos anos 1990, seguiu uma trajetória de subordinação que permitiu o avanço indiscriminado das big five no velho continente, onde a regulação do setor foi tardia (Nieminen, Padovani, Sousa, 2023) e reativa.

César Bolaño, Professor titular aposentado da Universidade Federal de Sergipe

A situação da América Latina não é distinta, o que limita as possibilidades de uma via popular de desenvolvimento, como propõe Martín Arboleda (2023), nas condições postas atualmente. Uma política de regulação das plataformas no Brasil, deve por certo considerar os instrumentos criados na experiência europeia, reativa, mas deveria estar fundamentada num projeto nacional de desenvolvimento voltado ao atendimento das necessidades urgentes da população nacional – à semelhança do conhecido projeto do complexo econômico industrial da saúde (Bolaño & Zanghelini, 2023) –, o que poderia ser ainda mais promissor se as políticas forem desenhadas no interior do projeto de integração latino-americana. Uma política de incitação à conglomeração de startups ao longo do subcontinente poderia cumprir um papel estratégico nesse sentido.

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Na prática, já se pode detectar na América Latina o avanço de empresas nacionais, como a brasileira iFood, que expulsou a Uber Eats do mercado nacional, adquiriu a uruguaia Pedidos Ya e disputa o mercado sul-americano com a colombiana Rappi (Seto, 2023). Seria útil comparar esse movimento com o das plataformas de comércio eletrônico no Sudeste asiático, onde o Vietnã avança com plataformas nacionais, concorrendo e ao mesmo tempo articulando-se com plataformas chinesas. Assim, a principal Shopee, recebe investimentos da Tencent, enquanto a Lazada, afiliada à Alibaba – e que estende seus negócios à Indonésia, Malásia, Filipinas, Tailandia y Singapura –, disputa o segundo posto com a nacional Tizi (ecommercebrasil.com.br, 22-04-2021).

O governo do Vietnã, de sua parte, adota una política de desenvolvimento das tecnologias digitais em diferentes campos, com o objetivo explícito de torná-lo "um país forte e próspero". Assim, as maiores empresas setoriais, controladas pelo Estado, como VNPT, Viettel, CMC e FPT, deram "grandes contribuições ao desenvolvimento do governo e economia digitais, especialmente a construção de plataformas digitais nacionais" (VNA, janeiro de 2023).

Trata-se, portanto, de uma perspectiva desenvolvimentista que deveria ser levada em alta consideração na formulação de projetos de integração e desenvolvimento deste outro lado do mundo. No entanto, uma política de desenvolvimento sustentável que tenha como objetivo a autonomia cultural e tecnológica para o Brasil e para o conjunto integrado da América Latina, além de promover instrumentos de integração que facilitem, por exemplo, a conglomeração das plataformas nacionais em nível continental, deverá avançar, em algum momento, no terreno das grandes plataformas, entendidas como infraestruturas fundamentais para o desenvolvimento, o que exigirá certamente a ação decidida do capital estatal para enfrentar as big techs norte-americanas no seu terreno.

Nesse sentido, seria necessário retomar as velhas discussões do período da privatização das telecomunicações e da construção do livro verde da sociedade da informação no Brasil e revisar conceitos esquecidos como os de monopólio natural e, em especial, de serviço público universal evolutivo. Mas isso é matéria para outra nota.

* – Sobre o Autor: Professor titular aposentado da Universidade Federal de Sergipe, voluntário junto do Programa de Pós-graduação em Economia (PROPEC-UFS), coordenador do projeto "Governança econômica das redes digitais", que conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP – projeto nº 2021/06992-1). As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente refletem o ponto de vista de TELETIME.

Referências

ARBOLEDA, Martín. La necesidad de una vía popular al desarrollo. In: Revista Jacobin, 2023.

BOLAÑO, César; ZANGHELINI, Fabrício. O complexo econômico-industrial de saúde e a economia das plataformas digitais na leitura da economia política da informação, da comunicação e da cultura. Encontro Nacional de Economia Política-ENEP, 2023.

JIA, Kai; KENNEY, Martin. The Chinese platform business group: an alternative to the Sillicon Valley model? In: Journal of Chinese governance, 2021

NIEMINEN, Hannu; PADOVANI, Claudia; SOUSA, Helena. Why has the EU been late in regulating social media platforms? In: Javnost – The Public, Journal of the European Institute for Communication and Culture, 2023. 

SETO, Kenzo. Subimperialismo de dados diante das big techs sul-americanas. Revista EPTIC, 2023 (no prelo).

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