A saída do conselheiro Moisés Moreira do conselho da Anatel deve provocar um remanejamento nas funções adicionais dos conselheiros da agência. Carlos Baigorri, presidente da Anatel, deve assumir o comando do Gaispi e do Gired, os dois grupos coordenadores dos compromissos assumidos pelas teles nos editais de 5G e 700 MHz, respectivamente. As duas funções estavam sob a coordenação de Moreira, que deixa a agência dia 4 de novembro. Com as novas atribuições, o arranjo é deslocar o conselheiro Artur Coimbra para ser o representante da Anatel no Comitê Gestor da Internet (CGI.Br), função que cabia a Baigorri até aqui. As mudanças ainda dependem de votação do conselho da Anatel, que deve ser feita por circuito deliberativo nas próximas horas.
O arranjo é diferente da sugestão que havia sido feita pelo próprio conselheiro Moisés Moreira ao deixar o Gaispi: ele indicara Artur Coimbra para o grupo gestor, pois ele já vinha acompanhando o trabalho do grupo, e tinha a expectativa de que o Gired já poderia ser extinto. A que parece, com uma sobra de orçamento da ordem de R$ 400 milhões, as pressões para manter o Gired em operação devem prevalecer.
Gaispi e Gired, assim como o GAPE (coordenado por Vicente Aquino) são os três grupos que atuam na implementação de metas previstas em editais e espectro. O pioneiro foi o Gired, criado em 2014 com o leilão de 700 MHz, e que tinha como meta inicial fazer a limpeza do espectro de 700 MHz promovendo o desligamento da TV analógica, o que foi alcançado com sucesso total e distribuição de mais de 12 milhões de kits de recepção para a população de baixa renda, e sobra de mais de R$ 1,2 bilhão de orçamento (que totalizava, na época, R$ 3,6 bilhões). O trabalho foi executado pela EAD, que tinha as empresas vencedoras do leilão como acionistas.
O modelo deu tão certo que ganhou a responsabilidade de metas adicionais (implementação da infovia 01 do Programa Norte Conectado, na na Região Amazônica) e do programa de digitalização das emissoras de TV das prefeituras (programa Digitaliza Brasil). Mais uma vez, houve sucesso no cumprimento das metas e mais uma vez, com sobra de recursos. A discussão agora é onde esses recursos serão aplicados ou se o Gired será extinto e o dinheiro integrado ao orçamento da União.
O modelo Gired/EAD foi a inspiração do Gaispi/EAF e do GAPE/EACE, que nasceram do edital de 5G, em 2021. No caso do Gaispi, as metas que precisam ser implementadas pela empresa EAF são a mitigação de interferências na faixa de 3,5 GHz com a instalação de filtros de banda C nas estações de satélite profissionais e a migração dos usuários de TV aberta via satélite da banda C para a banda Ku. Também estão sob a responsabilidade do Gaispi a construção de sete infovias do Norte Conectado (infovias 02 a 07, com mais de 10 mil km de fibras óticas subfluviais e centenas de pontos de presença em comunidades ribeirinhas) e ainda a contrução da rede privativa do governo em todas as capitais, além da rede móvel em Brasília para uso do governo. O orçamento do Gaispi é de R$ 6,3 bilhões para o cumprimento e contratação de todas estas metas.
Já o GAPE cuida das metas de educação conectada criadas inclusive por recomendação do Tribunal de Contas da União no edital de 5G, e tem sob sua responsabilidade um orçamento de R$ 3,5 bilhões.
Análise
Os expressivos valores geridos por estas entidades, com a imensa responsabilidade de implementar políticas públicas decorrentes da venda de patrimônio público (no caso, espectro) têm sido, obviamente, objeto de muitos interesses políticos, segundo relatos colhidos por este noticiário junto a fontes das empresas e da Anatel nos últimos meses. Era de se esperar: os valores superam, em muito, o orçamento livre para investimentos de muitos ministérios da Esplanada, com uma gestão muito menos amarrada, e o espaço para direcionamentos nas contratações é grande.
Paradoxalmente, o modelo, até aqui, tem sido exitoso justamente por garantir a agilidade de um modelo privado de contratações e operação das empresas, mas conta com a governança de um grupo coordenador, liderado pela Anatel, e do qual participam as próprias empresas vencedoras do leilão ou setores afetados pelas políticas (como radiodifusores e empresas de satélite), além dos ministérios envolvidos. Qualquer direcionamento da atuação das entidades precisa passar pelo aval das empresas de telecomunicações.
O Tribunal de Contas da União, que em 2013 foi muito receoso em relação ao modelo das entidades administradoras, até hoje não levantou ressalvas relevantes à atuação das empresas, mas o interesse da corte de contas tem crescido e já é pacífico nos órgãos de controle que a responsabilidade final sobre qualquer problema recai sobre os gestores das empresas administradoras, os acionistas (no caso, as teles) e sobre a coordenação do grupo de acompanhamento (ou seja, Anatel).