Câncer metastático

A seguir, editorial da revista TELETIME que circula em julho analisando o comportamento da imprensa e as lições a serem extraídas do caso Daniel Dantas:

Acabou o "Silêncio ensurdecedor" (título de nosso editorial de maio). A Polícia Federal levantou a tampa do lixo acumulado por Daniel Dantas e seu grupo Opportunity ao longo de mais de uma década. O cheiro é muito ruim. Os leitores da revista TELETIME e, particularmente, do serviço on-line TELETIME News já tinham conhecimento de boa parte dos fatos, indícios e suspeitas agora apresentados ao público em geral pelos grandes órgãos de imprensa e as redes de TV. Algumas das notícias que já demos há anos são agora reapresentadas por alguns jornais como exclusivas. Não nos aborrecemos por não nos darem os créditos. É irrelevante na ordem das coisas. Estamos felizes e esperançosos. Os principais órgãos de imprensa voltaram a fazer bom jornalismo nos assuntos que envolvem Dantas e sua tropa de opportunistas. Sumiram as reportagens e notinhas plantadas sem qualquer trabalho de aferição, a não ser os casos crônicos de venalidade identificáveis. E acabou a omissão. Mas a satisfação de ver confirmado tudo o que alguns poucos jornalistas corajosos e honrados apontaram custou caro. Mino Carta foi processado duas vezes; Paulo Henrique Amorim perdeu por conta de incansável firmeza vários empregos nesse período; Luís Nassif vem sendo seguidamente ofendido e, como os demais, é vítima de campanhas orquestradas de desqualificação; Elvira Lobato, da Folha, foi processada por relatar suposto trânsito entre o público e o privado na Anatel em proveito de Dantas; inúmeros jornalistas e até grandes grupos de comunicação foram espionados e tiveram seus negócios bisbilhotados para a montagem de factóides.
TELETIME e jornalistas desta editora sofreram cinco processos judiciais movidos por Dantas e seu grupo por causa de reportagens contra seus interesses. A primeira ação, com intenção de nos intimidar e causar dano financeiro irreparável, foi movida em 1999 pelo Opportunity e pela economista Elena Landau depois que TELETIME noticiou a existência de possíveis informações privilegiadas em operações da Lightpar na bolsa. Pediam indenização de R$ 3 milhões. TELETIME venceu em todas as instâncias, até o STF.

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Outras quatro ações foram colocadas entre os anos 2003 e 2006. Pediam indenização em função de reportagens que mostravam possíveis atos de gestão fraudulenta do Opportunity; problemas de rentabilidade causados pelas elevadas despesas operacionais das operadoras geridas por Dantas em comparação com as concorrentes; revelavam as disputas societárias ou o conflito de interesses existente no fato de Luiz Leonardo Cantidiano ter sido nomeado no fim do governo FHC para presidir a CVM, justamente no período em que a autarquia investigava o Opportunity Fund, do qual o próprio Cantidiano fora advogado.

Em todos os processos movidos pelo Opportunity ganhamos até o momento em todas as instâncias. Houve ao longo desses anos em que acompanhamos a atuação do Opportunity apenas um processo que perdemos – o processo que acabou movendo contra nós Luiz Leonardo Cantidiano. O então presidente da CVM alegou que houve ofensa à sua honra por TELETIME ter noticiado o conflito de interesse entre sua função de servidor público e sua atuação como advogado de Dantas no passado, além de termos escrito em editorial que "uma das medidas importantes (do então futuro governo Lula) seria tirar as raposas colocadas para tomar conta do galinheiro das telecomunicações".
Ao mesmo tempo em que essa ação dava entrada na Justiça do Rio de Janeiro, grandes escritórios cariocas de direito societário organizaram uma manifestação de solidariedade a Cantidiano, reunindo cerca de 300 advogados em almoço no Jockey Clube. Patrocinaram a causa do presidente da CVM os advogados Sérgio Bermudes, Marcelo Trindade e Helio Saboya Filho. Ironia dessa história: Cantidiano acabou saindo da presidência da CVM (sem explicar as razões) dois anos antes da conclusão do mandato e antes de terminar o inquérito do Opportunity Fund. Para substituí-lo, o ministro Antônio Palocci indicou a Lula o nome de Marcelo Trindade, o advogado de Cantidiano contra nós. Perdemos esta ação em duas instâncias da Justiça do Rio e agora recorremos em Brasília.

Como corolário dessa história do Opportunity que agora está no noticiário policial, podemos extrair uma lição básica: faltaram ao Estado instrumentos fortes e independentes para regular e fiscalizar as operadoras privatizadas. Agências e autarquias como CVM e Anatel acabaram capturadas pelas grandes empresas e grupos econômicos dos setores que estavam sob seus cuidados. E no caso específico de Daniel Dantas o câncer metastático de uma série de graves ilícitos do Código Penal se espalhou pelas principais instituições da República. E contaminou mesmo boa parte da imprensa, que quando não agiu de maneira pouco ortodoxa, municiada e financiada por Dantas, no mínimo se omitiu, sob a desculpa esfarrapada de que se tratava de uma "guerra empresarial".

Essa história precisa ser toda recontada para que sirva de lição. Vale a frase de George Santayana: "Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo".

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