O sucesso do novo Fust depende de bons projetos de conectividade

Tive a honra de moderar o painel do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) durante o Evento NEO 2022, ocorrido entre 5 e 8 de setembro na cidade do Porto, em Portugal. Comigo estavam Carla Krossara, representando a Anatel; Zé Roberto Nogueira; Renato Paschoarelli e Marcelo Pinheiro, representando as prestadoras de telecomunicações. De forma virtual, contamos com a participação destacada da secretária de telecomunicações do Ministério das Comunicações, Nathalia Lobo, que também é presidente substituta do Conselho Gestor do FUST. Essa gestão colegiada, aliás, é uma das boas novidades trazidas pela Lei 14.109/2020, que reformulou completamente as regras de funcionamento e aplicação do fundo de universalização. 

O grande mérito da nova lei do Fust foi remover os entraves jurídicos para possibilitar a promoção da universalização através da expansão da conectividade em banda larga. Antes de sua promulgação, o objetivo do Fust estava preso às metas de universalização da telefonia fixa, um serviço cada vez menos essencial em tempo de serviços digitais cada vez mais convergentes.  O importante é que agora, depois de longos anos de imbróglios políticos e jurídicos, o Fust está finalmente habilitado a financiar projetos voltados para a conectividade de pessoas e escolas em regiões economicamente pouco atrativas, e o painel sobre o tema no Evento NEO 2022 revelou boas sinergias entre os passos dados pelo Conselho Gestor do Fust e as ideias de projetos defendidas pelos operadores associados à NEO.

Roberto Nogueira, CEO da Brisanet, sugeriu no debate uma quebra de paradigma na priorização de projetos financiados com recursos do Fust. Ao contrário do que houve na expansão das tecnologias anteriores, como a energia elétrica e a televisão, cujos benefícios chegaram primeiro às capitais e depois nas cidades interioranas e por último nas zonas rurais, ele quer que, entre os projetos a serem financiados pelo Fust, seja dada prioridade àqueles que levarem conectividade às famílias que vivem nas zonas rurais, de forma a conectar pessoas e escolas das áreas mais afastadas dos grandes centros. Para isso, ele apresentou três condicionantes a serem observadas: que os recursos sejam para projetos reembolsáveis, que as taxas de juros não sejam superiores a 3% ao ano e que a cada 1 milhão de reais investidos sejam conectadas, com fibra óptica, pelo menos 2 mil casas ou, em caso de acesso sem fio, 3 mil pessoas.

Notícias relacionadas

Marcelo Pinheiro, presidente da NIP BR, prestadora que atua no Vale do Paraíba, em São Paulo, destacou no painel que é preciso que haja equilíbrio entre investimentos em áreas rurais e urbanas, considerando que há pessoas e escolas desconectadas em muitas periferias de cidades. A operadora, que atua numa região cuja renda per capta é 50% superior à média nacional, entende que mesmo nas regiões mais favorecidas há distorções que impossibilitam às famílias mais pobres terem acesso à internet e que os recursos do Fust podem ser utilizados para promover a universalização entre as famílias de baixa renda.

Renato Paschoarelli, representante da Algar Telecom, destacou que a composição do Conselho Gestor do Fust está bem equilibrada, que os programas priorizados pela portaria estão em linha com o espírito da lei e apontou que no futuro o governo e os integrantes do conselho terão de pensar na possibilidade de destinar uma parte dos recursos para o incentivo à demanda, uma vez que a expansão das redes e a implantação de infraestrutura tendem a resolver em breve a questão da oferta. Se hoje ainda há milhões de famílias desconectadas porque não há oferta, este problema, com certeza não será uma realidade quando as metas estabelecidas no leilão do 5G forem atingidas. E aí vem o desafio: se o problema da oferta estiver resolvido, o fundo de universalização terá que necessariamente ser utilizado para o incentivo à demanda, algo que hoje é impensável pela imposição do teto de gastos que impossibilita a utilização do Fust em projetos ou despesas não reembolsáveis.

Cenário otimista

Para todas as questões levantadas a secretária Nathalia Lobo apresentou um cenário bem otimista. Primeiro que os projetos, neste momento inicial, serão em não reembolsáveis (R$ 28 milhões) e reembolsáveis (R$ 658 milhões). Os estudos em andamento estão direcionados para que as taxas de juros a serem aplicadas fiquem baixas com contrapartidas de investimentos em escolas e áreas isoladas. Isso está inteiramente em linha com o que vem sendo defendido pelas entidades representativas das prestadoras de pequeno porte, tanto no que diz respeito aos projetos reembolsáveis quanto às taxas de juros a serem aplicadas.

A Anatel, conforme afirmou a assessora do conselheiro Artur Coimbra, Carla Krossara, já adaptou seu Regimento Interno e o Regulamento de Arrecadação de Receitas Tributárias às disposições da nova Lei do Fust, de forma a ajustar os processos de arrecadação nos exercícios futuros. Também fará uma atualização do Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações – PERT para ajudar o conselho gestor na priorização dos projetos. O grande desafio para as operadoras é desenvolverem projetos de conectividade que atendam aos requisitos estabelecidos na lei e nos decretos regulamentadores para terem acesso aos recursos. Os projetos serão apreciados pelo Conselho Gestor composto por membros do governo, BNDES e representantes das operadoras e da sociedade civil.

Assim como aquele que chega à fonte primeiro toma água mais limpa, as operadoras que acelerarem a elaboração e a apresentação de projetos ao Conselho Gestor certamente terão mais chance de tê-los aprovados.

O novo Fust é uma realidade, apesar de muitos ainda não acreditarem que seus recursos serão realmente utilizados nas finalidades a que se destinam. Fazer com que os mais de R$ 650 milhões destinados para o ano de 2022 e os valores previstos para 2023 sejam realmente aplicados é tarefa que exige o esforço de muitos, ainda mais nesse momento de consolidação de critérios e normas. O Conselho Gestor está se preparando para apreciar celeremente os projetos que forem apresentados. Contudo, para isso, é fundamental que as operadoras estejam com as equipes antenadas para, assim que for aberto o prazo para a apresentação das propostas, elas sejam tempestivamente apresentadas e submetidas à apreciação.      

Pela lógica dos projetos reembolsáveis, quanto mais propostas forem aprovadas, maior será o volume de recursos movimentado e maior será o próprio fundo, que tende a ganhar estabilidade e sustentabilidade com o tempo.

Fico satisfeito em colher o fruto da boa semente plantada. O que era uma simples minuta de projeto de lei anexa ao plano estrutural de redes de telecomunicações que conseguirmos aprovar no Conselho Diretor da Anatel e entregar ao Ministério das Comunicações inspirou várias das proposições legislativas que resultaram na nova lei do Fust, cujo conselho gestor agora trabalha para definir e financiar projetos de expansão da conectividade  para pessoas e escolas de diferentes localidades do Brasil.

Sobre o autor: Aníbal Diniz é consultor da Associação NEO. Advogado (OAB-DF), graduado em História pela UFAC. Atuou no jornalismo (1984- 1992), foi assessor de comunicação da Prefeitura de Rio Branco (1993-1996), secretário de comunicação do Governo do Acre (1999-2010), senador da República PT-AC (2011 e 2014) e conselheiro da Anatel (2015 – 2019). As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente refletem o ponto de vista de TELETIME.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui
Captcha verification failed!
CAPTCHA user score failed. Please contact us!