A tecnologia não vai reduzir as desigualdades sociais no Brasil

A recente implementação da tecnologia 5G no Brasil retomou o debate sobre a redução de desigualdades sociais por meio da universalização da conectividade.

Marise De Luca (Foto 3M Digital)

É verdade que a tecnologia é necessária para levar conectividade a quem precisa, mas sabemos que um esforço muito maior é requerido para causar impacto social.

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Os jovens de hoje nasceram em um mundo no qual a inclusão digital é condição essencial para o exercício da cidadania.

Dados do estudo "O Abismo Digital no Brasil", da PWC e Instituto Locomotiva, divulgado em março de 2022, mostram que:

  • Menos de um terço da população pode ser considerada plenamente conectada (sobretudo brancos das classes A e B);
  • Os outros cidadãos (principalmente negros das classes C, D e E) ficam sem conexão quase metade do mês;
  • 58% dos brasileiros acessam a Internet apenas via smartphone.

Quanto à Educação, o Brasil tem um dos dez piores desempenhos do mundo em matemática, um fraco resultado em leitura no exame PISA, e um contingente mínimo de pessoas que dominam o idioma inglês. A consequência são deficiências de interpretação de texto e raciocínio lógico, que dificultam a aquisição de conhecimentos e habilidades para explorar as oportunidades do ambiente on-line, com prejuízos para o letramento digital.

O Brasil ocupa a posição de número 64, entre 120 países, no ranking de alfabetização digital "The Inclusive Internet Index 2022", publicado pela revista britânica The Economist, que mede o nível de competência para uso da Internet.

Para reduzir desigualdades digitais é preciso eliminar lacunas relacionadas à desigualdade de conexão à Internet, que têm raízes em problemas na infraestrutura de conexão, na falta de acesso a dispositivos digitais e em deficiências no sistema educacional.

O resultado é que a desigualdade de acesso à Internet não só reflete a disparidade socioeconômica do país como ajuda a reforçá-la.

5G é uma tecnologia que permite criar infraestrutura para IoT (Internet das Coisas), é ferramenta para a transformação digital de negócios e geração de empregos, sobretudo os que requerem especialização na área. Por outro lado, posições de trabalho tais como motoristas, carregadores e entregadores sofrerão redução onde houver maior automação.

Desta forma, quais seriam os benefícios para o cidadão comum pela implantação da tecnologia 5G? Em geral, o avanço tecnológico costuma gerar maior demanda de letramento digital da população para vencer o desafio da inclusão digital.

A tecnologia 4G, que possibilita atividades rotineiras para inclusão digital, foi implantada no Brasil há cerca de 10 anos e ainda hoje há centenas de municípios sem cobertura. O edital do 5G determinou a implementação do 4G nas cidades e localidades que ainda não contam com essa tecnologia, o que expõe os problemas estruturais do país.

Sou Conselheira do Instituto Articule, que acredita que, por meio da promoção do diálogo e da articulação entre poder público e sociedade, é possível fazer a diferença induzindo políticas mais eficientes e reduzindo as desigualdades sociais.

Utiliza metodologia própria a partir da inteligência no uso da informação. Foi por meio de articulações envolvendo os três poderes que foi possível, por exemplo, dar segurança jurídica aos estados e municípios para o retorno às aulas presenciais, interrompidas pela pandemia.

No Grupo Mulheres do Brasil, em que sou líder do Comitê Mundo Digital Conectividade, acreditamos que a sociedade civil organizada é que faz a mudança sustentável e duradoura do país. No tema Educação Conectada somos da coordenação técnica do Grupo Interinstitucional de Conectividade na Educação onde foram produzidos o Mapa de Conectividade na Educação, o Guia de Conectividade na Educação e a nota técnica Qual a Velocidade de Internet ideal para as escolas, para gestores públicos. Inserir conectividade no ambiente escolar é condição básica para o aprendizado das tecnologias digitais e para a inclusão digital de todos.

Tecnologia, conectividade e inclusão digital são essenciais para preparar a mão-de-obra qualificada tão necessária à transformação digital do país e para criar o mercado consumidor que irá se beneficiar dela. Alguém imagina um comerciante ou um consumidor que consiga vender, comprar, receber ou fazer um pagamento sem acesso à Internet e alfabetização digital?

No entanto, não é a tecnologia, mas são as políticas públicas, a união e ação da sociedade civil com o poder público, que são capazes de produzir transformação social sustentável, com equidade no acesso à economia digital, trazendo o desenvolvimento econômico aprimorado por meio de riqueza compartilhada.

*- Sobre a autora: Marise De Luca é graduada em Matemática com Especialização em Sistemas de Informação e Pós-graduação em Administração Geral. É consultora na área de Tecnologia de Informação e Comunicação, Conselheira de Administração, Mentora e Coach de Executivos. É Conselheira do Instituto Articule, que atua na articulação entre poder público e sociedade civil para redução de desigualdades sociais, e também Conselheira da Associação MCIO Brasil que tem o objetivo de trazer mais mulheres para a área de tecnologia. No Grupo Mulheres do Brasil, é líder do Comitê Mundo Digital Conectividade, onde defende a criação de políticas públicas de acesso à Internet como direito básico do cidadão, além de programas para levar conectividade para quem mais precisa, sobretudo na área da Educação. As opiniões expressas nesse artigo não representam necessariamente a posição de Teletime.

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