Mudanças exigem novas regras, aponta CPqD

Nas suas mais recentes declarações sobre a questão da TV digital, o ministro das Comunicações Hélio Costa tem deixado transparecer a sua vontade de que o padrão tecnológico seja escolhido rapidamente em fevereiro para que as empresas possam fazer as primeiras transmissões até setembro. A parte de definição do modelo de exploração, especialmente questões regulatórias, diz o ministro, ficariam para depois, para uma Lei de Comunicação Social, que ele mesmo duvida que seja concluída em 2006, por ser um ano eleitoral.
Mas talvez a definição de um modelo regulatório não possa ficar para depois. É o que mostra o estudo sobre ?Política Regulatória? do próprio CPqD, que é parte do trabalho de definição do Sistema Brasileiro de TV Digital já foi apresentado ao Grupo Gestor e ao Comitê de Desenvolvimento de TV digital. É um dos documentos que embasarão, em tese, o governo brasileiro na decisão final.
Basicamente, o que o CPqD mostra é que em praticamente todas as opções de modelos de exploração, com as variáveis de negócios e tecnologias inerentes a cada um, há necessidade de algum ajuste regulatório, em maior ou menor escala.

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A primeira constatação é que, na TV digital, deixa de fazer sentido uma regulação que vincule o conteúdo e a distribuição em uma mesma outorga. Note-se que o CPqD não propõe que as TVs abertas não tenham acesso aos meios de distribuição, mas ressalta que o ambiente digital permite o rompimento deste vínculo.

Cenários analisados

O CPqD faz a análise por cenários, lembrando que todos eles estão previstos como obrigatórios pelo decreto que estabeleceu o desenvolvimento da TV digital no Brasil, ou seja, em qualquer caso será necessário haver a possibilidade de transmissão em alta definição, multiprogramação em definição padrão, mobilidade e interatividade.

* O cenário mais simples é o da TV digital com monoprogramação, em um cenário incremental, ou seja, com praticamente nenhuma mudança em relação à forma como o mercado de televisão é explorado hoje, no mundo analógico. Cada TV teria um canal digital e ponto. Segundo o CPqD, mesmo que nesse canal único se transmita em alta definição, é provável, em função da tecnologia de compressão adotada, que não se use toda a capacidade de transmissão comportada em um canal de 6 MHz (cerca de 19 Mbps). Como é dever da União zelar pela otimização do espectro, seria necessário criar mecanismos para evitar a ociosidade do meio. A situação pioraria se a transmissão digital for monocanal e com definição padrão. Nesse caso, a sobra de espectro seria ainda maior. Como solução, o CPqD sugere que se busque uma forma regulatória de abrir ou para mais serviços dentro da freqüência; ou para desvincular a rede de distribuição, criando um operador de rede; ou ainda criando obrigatoriedade de transmissão de determinados conteúdos que preencheriam esse espaço ocioso.

* Outro cenário analisado pelo CPqD é o da multiprogramação como parte do modelo de exploração da TV digital. Nesse caso, diz o CPqD, ainda que não se tenha ociosidade no espectro, haveria problema com a regulamentação existente hoje para a radiodifusão, que impede um mesmo grupo de ter mais de um canal na mesma localidade. Para corrigir isso, seria necessária uma mudança nas regras atuais.

* Na hipótese de a TV digital incorporar mobilidade/portabilidade, também há problemas. O primeiro desafio é se o conteúdo móvel vai ser igual ou diferente daquele conteúdo transmitido de forma aberta. Se for igual ou apenas adaptado para o dispositivo de recepção portátil, o CPqD não vê problemas regulatórios. Mas se for um conteúdo diferenciado, as TVs teriam o mesmo problema da multiprogramação, ou seja, transmitiriam dois sinais diferentes na mesma cidade, o que hoje não é permitido. Essa realidade colocaria, mais uma vez, a necessidade de adaptação regulatória.
Outro problema da mobilidade é em relação à freqüência. Dependendo da tecnologia adotada, essa freqüência estará contida na faixa outorgada para o serviço de televisão (é o caso do ISDB), e com isso o serviço móvel tem que ser definido como parte do serviço de radiodifusão, o que não está previsto, ou então o radiodifusor teria que ter uma outorga específica. Se a tecnologia adotada exigir que se use outra faixa para a mobilidade (como é o caso do DVB), seria necessário ao radiodifusor ter essa outra faixa, ou então permitir a figura de um operador de rede, que poderia ou não ser a própria emissora. Lembrando sempre que o Tribunal de Contas da União cobrará o Executivo caso ele dê, gratuitamente, algo que poderia ter sido cobrado (esse problema não é levantado pelo CPqD, mas já foi lembrado por analistas ouvidos por este noticiário).

* A TV digital também terá interatividade no Brasil, e também aí o CPqD vê necessidade de ajustes regulatórios. Se a interatividade for apenas local, no próprio aparelho de recepção, sem comunicação em duas vias, não há necessidade de ajustes. Mas se houver algum tipo de interação que envolva retorno, há problemas. Se usasse meios próprios de retorno (como as freqüências VHF ou UHF), a emissora de TV teria que ter a autorização destas faixas para essa finalidade, e ter certeza que sua interatividade não caracterizaria um outro serviço de comunicação de dados. Teria que ser algo estritamente vinculado à programação.
Se usasse meios de terceiros, como a infra-estrutura telefônica ou de banda larga, a emissora de televisão teria que ter clara a separação entre atribuições, pois a Constituição separa o que é radiodifusão do que é telecomunicações. Seria, portanto, mais um ponto com necessidade de ajuste regulatório, para balizar o que cada um pode fazer.

* Por fim, em um cenário de multisserviços, em que serviços de telecomunicações e de televisão convergem e se confundem, a mudança teria que ser ampla, passando pela desvinculação de freqüências; regulamentação da faixa de VHF e UHF para retorno e transmissão de dados; e regulamentação da interação entre empresas de serviços telecomunicações com radiodifusão. O CPqD não fala da necessidade de mudanças na Constituição.

Ajustes para transição

O CPqD lembra que no arcabouço normativo atual, não há nada que estabeleça as condições para a transição entre a TV analógica e a digital. Ele propõe, então, alguns caminhos que podem ser seguidos: 1) definir as formas e regras de outorgas dos serviços em função dos modelos de exploração desejados; 2) definir a forma e as regras em que as freqüências serão distribuídas ou a capacidade de transmissão que será atribuída a cada emissora; 3) definir regras de interconexão para que redes de radiodifusão, telecomunicações e serviços de valor adicionado se falem; 4) estabelecer a forma com que poderão ser transmitidas, por uma mesma emissora, as programações simultâneas analógicas e digitais; 5) estabelecer prazos e metas de cobertura para a introdução da TV digital; 6) estabelecer a área geográfica a ser coberta e as metas; 7) estabelecer limites para de duração da transmissão simultânea analógico/digital; 8) estabelecer as regras de devolução das freqüências; 9) estabelecer as normas técnicas em relação à qualidade da imagem e conteúdos obrigatórios; 10) definir as políticas industriais.

Sem alternativas políticas

O CPqD se ateve, em seu estudo, apenas ao que precisa ser alterado para atender o decreto com as diretrizes para a TV digital no Brasil. Não falou, por exemplo, de outras políticas que o governo poderia ou não implementar com a TV digital, como financiamento para novos grupos ou grupos atuais, abertura de novas concessões, contrapartidas sociais, mecanismos para criação e fomento de uma rede pública, possibilidade de venda de programação por assinatura, de cobranças por outorgas etc. Todas estas são definições de aspecto estritamente político. Independente delas, fica claro, pelo levantamento técnico, que a introdução da TV digital exige reformas regulatórias imediatas. Como diz o CPqD, ?(…) é necessário implementar ações para adequar o quadro regulatório à introdução da TV digital no País. Essas adequações são menos numerosas para o cenário incremental e tendem a aumentar na direção dos cenários mais flexíveis e complexos. Porém, é importante ressaltar que em todos os casos deverá haver uma preocupação específica pelo uso eficiente da capacidade de transporte de informações na banda de 6 MHz no canal de freqüência alocado para TV?.

Sem discussão

Mais uma vez, uma série de entidades representativas de setores da sociedade civil no Comitê Consultivo da TV Digital queixam-se da falta de informações em relação ao que se discute nas esferas deliberativas no Ministério das Comunicações. A questão regulatória, por exemplo, ainda não chegou ao Comitê Consultivo, pelo menos não a algumas entidades, notadamente FNDC, Fenaj, ABPI-TV e ABTU. Sabe-se que o documento referente às questões regulatórias do CPqD já está sendo discutido nas demais instâncias, que no dia 21 o Comitê de Desenvolvimento ouvirá do CPqD o modelo final, que só irá ao Comitê Consultivo no dia 22, para comentários até 10 de janeiro.

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