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América Latina pode liderar debate mundial sobre fair share, diz GSMA

Lucas Gallitto, head da GSMA para a América Latina

[Publicado originalmente no Mobile Time Latinoamérica] A América Latina está se tornando uma protagonista na discussão internacional em torno do fair share, ou "uso racional das redes", como prefere chamar o head da GSMA para a região, Lucas Gallitto.

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Em entrevista para Mobile Time (parceiro de conteúdo da TELETIME), o executivo destacou o recente chamado à ação assinado por operadoras latino-americanas a respeito do tema e o fato de os reguladores do Brasil e da Colômbia terem incluído o assunto em suas agendas regulatórias deste ano.

Gallitto também falou sobre Open Gateway, a faixa de 6 GHz e a importância de os governos encararem o espectro como ferramenta de inclusão, e não de receita.

Mobile Time – Quais são os principais desafios da indústria móvel na América Latina em 2024? Quais as bandeiras da GSMA para a região?

Lucas Gallitto – A região é muito heterogênea. Tem países que são fast followers, como Brasil e México… e outros que são mais atrasados. Um dos principais desafios é a sustentabilidade do setor. Isso inclui a questão do fair share, que prefiro chamar de uso racional das redes. As redes têm capacidades limitadas e alguns atores as utilizam de maneira irresponsável. Falta incentivo para um uso razoável dos recursos das redes. Isso causa prejuízo para os usuários menores. Essa é uma das prioridades para a gente. A GSMA publicou um call for action sobre o tema na semana que antecedeu o MWC.

Vamos trabalhar também questões tributárias. Vamos fazer um relatório sobre o impacto da tributação no setor. A carga tributária sobre o setor móvel é em média pelo menos 50% maior do que sobre qualquer outra indústria.

Além disso, 2023 foi o ano em que o 5G finalmente decolou na região. Houve muitos leilões, mas ainda há países que precisam alocar esse espectro, ou fazer renovações. Para a GSMA é uma prioridade acompanhar todo esse processo e garantir que o espectro seja uma ferramenta de inclusão e inovação, e não uma ferramenta de receita para o Estado.

Como está a discussão do fair share nos países da região?

Está em diferentes estágios. A GSMA está acompanhando a tomada de subsídios no Brasil sobre usuários de telecom. Essa questão também está na pauta do regulador colombiano, que botou formalmente na sua agenda regulatória para 2024. Os outros países vão acompanhar o que está acontecendo.

A América Latina poderia liderar algumas dessas conversas, que hoje são globais. Dois anos atrás somente a Europa falava disso. Mas agora Brasil, Colômbia, Índia e outros países estão discutindo também.

A América Latina pode ser pioneira em encontrar uma solução para essa questão?

Acho possível, sim. O Brasil liderou muitas questões na conferência mundial de rádio. Tem um regulador forte, que tem muito conhecimento técnico. Os funcionários são muito profissionais. Os governos latino-americanos não estão esperando que aconteça primeiro em outras regiões, como Europa. Tem consulta pública em andamento – e a GSMA vai contribuir.

E qual poderia ser a solução prática para combater esse uso desequilibrado das redes? Na call for action da GSMA não foi apresentada nenhuma solução objetiva.

A call for action regional precisou ser bem ampla, porque há países com diferentes realidades, em diferentes estágios. No Brasil isso está dentro da pauta, em outros, ainda não. Estamos definindo uma abordagem geral, para depois cada país ter suas particularidades. Existe uma situação que não é sustentável e não existem mecanismos de uso racional das redes. Dessa forma, existe um gap de investimento que precisa ser atendido, para que não aconteça no futuro o que aconteceu na aviação civil, que deixou de usar aviões supersônicos.

O Open Gateway poderia ser uma solução, especialmente com a API de qualidade sob demanda?

Temos muito trabalho pela frente com o Open Gateway. O Brasil foi o primeiro país do mundo a lançar uma solução comercial multioperadora. Nosso call for action diz que as regras do passado não vão funcionar com a realidade do futuro. Hoje 60% do tráfego nas redes é vídeo. Ninguém sabe como será o tráfego com realidade aumentada e realidade virtual daqui a três anos. Hoje não existem mecanismos para que se faça um uso eficiente das redes. Mas certamente o Open Gateway tem também um papel nessa conversa. E agora com o 5G já não são mais redes de telecomunicações, mas supercomputadores distribuídos. O que funcionou com 2G, 3G, ou mesmo 4G não vai funcionar ou não vai ser o modelo mais eficiente de gerenciamento dos recursos da rede 5G, agora com edge computing, network slicing etc. Precisamos de outras regras.

Quais países da América Latina estão mais adiantados na adoção do Open Gateway?

Brasil, Colômbia, México, Argentina…. É um trabalho em andamento. Na Argentina, as operadoras Personal, Claro e Movistar estão atuando em conjunto.

E qual a API de maior demanda na região?

É a de SIM swap, por causa de segurança para soluções bancárias. A GSMA tem 15 APIs iniciais. Qualquer entidade que faz parte da CAMARA pode homologar novas APIs. Nos EUA anunciaram no MWC que lançaram uma API para controle de drones.

Está otimista quanto ao sucesso do Open Gateway?

O sucesso virá com a escala. APIs não são uma coisa nova. A novidade é serem homologadas. As APIs da China Unicom são as mesmas da Vivo, da AT&T no México, da Telecom Personal na Argentina, etc.

Qual a sua avaliação sobre a velocidade de implementação do 5G na região? Houve leilões importantes no ano passado, como aqueles na Colômbia e na Argentina. Mas as operadoras estão com dificuldades de monetizarem com a nova rede…

O desafio do 5G émonetização. O Open Gateway é parte dessa resposta. Mas vemos que a cada geração a adoção na América Latina é mais rápida. Vimos isso ao comparar a implementação do 2G, 3G, 4G e agora do 5G. Brasil e Chile foram os primeiros na América Latina. Claro que a implementação é progressiva. Ninguém pensou que o 5G estaria disponível do dia para a noite com cobertura total. Mas vemos casos de uso interessantes no mercado B2B do Brasil, como no Porto de Santos. A indústria tem capacidade de entregar redes com necessidades específicas. E aí entra o network slicing. Mas é importante que regulador garanta flexibilidade para operadoras entregarem SLAs que diferentes indústrias precisam. Algumas querem alta velocidade, outras, baixa latência, ou consistência do serviço. A regulação tem que permitir isso. O 5G oferece muitas opções para o B2B., ele sempre foi pensado para o B2B.

O 5G é a tecnologia de comunicação mais eficiente da história da humanidade, e também a mais amigável com o meio ambiente. Sua pegada de CO2 é a menor dentre todas as tecnologias que a indústria desenvolveu até hoje. Mas provavelmente não vai existir uma killer app como foi o SMS no 2G ou a videochamada… Mas é importante que os reguladores participem desse debate. Não se pode regular com regras do século 20 serviços do século 21. Mas devo dizer que a Anatel faz um ótimo trabalho.

Como está se posicionando o continente em torno da faixa de 6 GHz? O que achou da mudança de posição do Brasil?

O cenário é muito bom. A indústria vai precisar de 2 GHz em faixas médias, não porque a GSMA quer, mas para que as redes possam fazer o que a UIT diz que o 5G tem que fazer. Algumas administrações tomaram decisões rápidas sem saber como o ecossistema iria amadurecer. Acho que o cenário atual é positivo. O Brasil está fazendo uma reavaliação da situação. Acho que a América Latina está fazendo um ótimo trabalho nessa reavaliação da utilização da faixa de 6 GHz. Porque, ao fim do dia, seria muito espectro para uso não licenciado. Entendemos que não precisa de tanto. Amamos o Wi-Fi, não queremos matar o Wi-Fi, nossos membros tem serviços com redes fixas e usam Wi-Fi, mas faz sentido tanto espectro para Wi-Fi? Achamos que não. E sabemos quanto é necessário para redes móveis. Sem a faixa de 6 GHz fica muito difícil.

Os fabricantes de aparelhos reclamam do avanço do mercado cinza na América Latina. Há quem ache que isso pode levar até ao fechamento de fábricas. A GSMA pode ajudar de alguma forma?

Não participamos ativamente dessa discussão, mas é relevante para a adoção das novas tecnologias. Se as pessoas não trocam de aparelhos, o desligamento das redes legadas fica mais difícil. O ponto principal é a questão tributária. Esses aparelhos ainda têm carga tributária muito alta em alguns países, o que cria incentivos para a entrada de contrabando. A melhor forma é ter estruturas tributárias que sejam compatíveis com uma maior adoção da banda larga móvel. Um estudo da UIT mostra que o incremento de 10 pontos percentuais na penetração de banda larga gera impacto positivo de 1,3 ponto percentual no PIB de economias de baixa renda. Isso cria mais valor para toda a economia que a receita com impostos.

Antigamente, ter um aparelho era um símbolo de status. Agora, ninguém nega que é um elemento democratizador para acessar informação, para ter mais conhecimento, e para consolidar as democracias. No passado, como era um serviço para a elite, governos viram a alocação de espectro como uma forma de conseguir mais receita. Como era um serviço caro, que a elite pagava, governos acharam que podiam ter muita receita com isso. Agora que sabemos que o serviço móvel é democratizador, é diferente. O espectro tem que ser visto como ferramenta de inclusão, de inovação, e não de receita. Ainda há muitos países que tentam fechar os orçamentos federais com leilões arrecadatórios. Brasil é um exemplo positivo, com o leilão não arrecadatório do 5G: 94% do valor a ser pago é em compromissos. Mas o leilão foi o último ponto, a cereja no bolo, de todo um trabalho bem feito do governo brasileiro, incluindo a consolidação da Oi e a lei das antenas.

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