A Anatel acredita ser possível uma abordagem híbrida e regionalizada para novas gerações de Wi-Fi e de serviços móveis (como o 6G) operarem juntas na faixa de 6 GHz – hoje disputada pelos dois segmentos.
A aposta na convivência no mesmo espectro a partir de um compartilhamento dinâmico foi abordada pelo superintendente de outorga e recursos à prestação da reguladora, Vinicius Caram, no segundo dia do Encontro Nacional Abrint 2024, realizado nesta quinta-feira, 13.
"Como superintendente e como engenheiro, acredito que é possível usar espectro de forma dinâmica, porque não há necessidade de usar todo o espectro em todas as áreas", declarou Caram. Ele estimou que o adicional de 6 GHz para serviços móveis seria algo necessário nas 500 cidades mais populosas do País no futuro, ao passo que nos demais 5 mil municípios, o espectro atual destinado para mobilidade poderia ser suficiente.
Para verificar a possibilidade de convivência, a Anatel está preparando uma série de testes, que devem contar com apoio de entidades como a Abinee, da indústria eletroeletrônica. Há expectativa que resultados estejam disponíveis em relatório até o final do ano, para subsidiar decisão do Conselho Diretor.
Hoje, a faixa de 6 GHz está toda destinada no Brasil para serviços não licenciados, como o Wi-Fi. Mas a Anatel tem dado passos para rever a abordagem e deixar metade da capacidade para a indústria móvel, a partir da leitura que esta seria a única faixa disponível e com harmonização internacional no 6G.
"O Brasil não pode ficar de fora dessa corrida 6G", afirmou Caram, no encontro da Abrint. A entidade, vale notar, tem sido uma das mais vocais defensoras da manutenção de toda a faixa para o Wi-Fi, afirmando que esta é uma necessidade presente – e não futura – dos provedores regionais.
"A integralidade da faixa de 6 GHz é essencial para o que a gente oferta hoje para o cliente e para modelos de negócios futuros. Não é a única faixa, mas é o que temos para hoje", afirmou a líder do conselho da Abrint, Cristiane Sanches. A dirigente lamentou que uma "insegurança" sobre a destinação tenha se instaurado, mesmo após a Anatel decidir em 2021 deixar o 6 GHz com o Wi-Fi.
"Hoje, as faixas de 2,4 GHz e 5,8 GHz já não dão conta do recado. Este é um limitador atual", reiterou Sanches, argumentando que o Wi-Fi é essencial mesmo para as redes móveis, ao permitir o offload de tráfego das mesmas. Em paralelo, a indústria móvel teria outras opções para viabilizar novos serviços no futuro, como o 10,5 GHz e o 4,9 GHz.
Mesmo o cenário de convivência é encarado com ceticismo. "Um uso híbrido é absolutamente difícil", resumiu Sanches. Ecoando estudo apresentado na Abrint pelo consultor Raul Katz, a dirigente apontou que o arranjo poderia se sair como um Frankenstein.
Head de assuntos governamentais da Cisco, Giuseppe Marrara também criticou a possível mudança de rumos da Anatel – classificada por ele como uma surpresa constrangedora. "Confiamos que a Anatel tinha tomado a decisão correta. Agora temos medo e incerteza do que vai acontecer".
A empresa fabrica no Brasil equipamentos Wi-Fi para operação em 6 GHz, e já teria entregue 70 mil pontos de acesso WiFi 6E e mais dezenas de milhares em futuros pedidos a clientes que hoje não compram mais equipamentos que operam apenas nas faixas tradicionais de Wi-Fi, afirma Marrara.
O executivo também destacou que hoje a indústria móvel tem 4,6 GHz em capacidade total de espectro, ao passo que o Wi-Fi teria apenas 1,8 GHz (já considerando a totalidade da faixa de 6 GHz). "Precisamos de mais espectro. Mesmo o 1,2 GHz do 6 GHz, que foi importantíssimo, não é suficiente. A gente já poderia estar pensando em ir além".
Presidente da Dynamic Spectrum Alliance (DSA), Martha Suarez também afirmou que apenas uma parcela do espectro de 6 GHz para o Wi-Fi não será suficiente para a demanda do segmento. "Não podemos sacrificar o Wi-Fi e pensar que todos os casos de uso vão usar tecnologia móvel. Isso vai limitar o usuário. Não podemos deixar todos os ovos na mesma bandeja", defendeu.
A executiva ainda questionou a leitura do segmento móvel de que o 6 GHz seria a última fronteira espectral para novos serviços. Suarez apontou que o mesmo argumento foi manejado há alguns anos em torno das ondas milimétricas, hoje destinadas para serviços móveis, mas praticamente sem uso.
"Questionem a indústria móvel: há equipamentos [para operação em 6 GHz]? Qual vai ser o custo disso no mercado? É razão para tirar o espectro do Wi-Fi, que já tem equipamentos certificados, em troca de uma promessa?", questionou Suarez, apontando ainda que as faixas de 3,5 GHz estão longe do esgotamento de sua capacidade.