Desde a privatização, as concessionárias reclamam do chamado controle "patrimonialista" dos bens reversíveis. No entendimento das teles, o método de acompanhamento dos inventários usado pela Anatel seria exageradamente minucioso, exigindo das concessionárias o controle absoluto de bens desnecessários ao funcionamento da concessão, como até mesmo mesas e cadeiras. Recentemente, o secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Cézar Alvarez, saiu em defesa do controle "estratégico" do patrimônio reversível, dizendo que a sociedade deveria parar de exigir da Anatel o controle do "fusquinha, do (computador) 386", sugerindo que os bens reversíveis seriam um conjunto de equipamentos antigos e de pouco valor.
Acontece que o "fusquinha" em questão tem valor bilionário. Mesmo com todas as alienações sem aval da Anatel e transferências impossíveis de se rastrear, as próprias empresas admitem que o valor residual dos bens reversíveis seria de R$ 20,919 bilhões. O valor residual inclui a depreciação acumulada dos bens nos últimos anos, depreciação esta que também é objeto de dúvidas da fiscalização da Anatel, segundo os relatórios internos a que TELETIME teve acesso. Apesar das empresas alegarem que o maior índice de depreciação aplicado foi de 20%, os fiscais encontraram diversos casos em que a taxa utilizada foi maior do que a declarada. Assim, mesmo sem considerar as vendas irregulares, o patrimônio reversível é bem mais valioso do que os R$ 20 bilhões declarados pelas concessionárias, segundo a análise dos técnicos.
Neste valor não está incluída nenhuma licença de uso de radiofrequência, apesar de ser indiscutível a natureza pública do espetro e sua consequente reversibilidade. Essas licenças somadas representam mais alguns bilhões para os cofres públicos. Por enquanto, é impossível estimar o valor total das vendas e transferências que foram feitas supostamente em desacordo com as exigências legais. Para se ter uma ideia da falta de rigor no controle do patrimônio, a fiscalização descobriu que uma das concessionárias até hoje faz o acompanhamento em papel das torres instaladas no estado da Bahia e por meio de planilha geográfica em Minas Gerais e Espírito Santo. E, nos demais estados operados pela empresa simplesmente não há controle algum. A empresa também teria a prática de inserir "centrais telefônicas fictícias", ou seja, inexistentes, em sua lista patrimonial.
Sem providências
Apesar das constatações da equipe de fiscalização, pouco foi feito pelo órgão regulador para reverter a situação. Além dos atos exigindo que as teles atualizem as listas, a Superintendência de Radiofrequência e Fiscalização (SRF) emitiu autos de infração e a Superintendência de Serviços Públicos (SPB) instaurou processos contra as empresas. Os atos publicados em janeiro foram produzidos em parceria pela SRF e pela SPB, mas as áreas técnicas têm enfrentado dificuldades para dar sequência ao trabalho de apuração. A própria realização das fiscalizações, iniciada apenas em 2006, é um retrato de como o tema da reversibilidade dos bens é um dos grandes desafios a serem enfrentados pela Anatel.
A demora em fazer uma fiscalização minuciosa ocorreu por conta da ausência de diretrizes que deveriam ter sido formuladas pelo próprio conselho diretor da agência no momento imediato à sua criação, em 1997. As fiscalizações começaram apenas em 2006 (oito anos após a privatização) porque foi apenas neste ano que a agência, enfim, editou um Regulamento de Controle de Bens Reversíveis, dando aos fiscais algumas das ferramentas necessárias para ir a campo. A Anatel agora quer alterar esse regulamento. A mudança proposta pela agência torna ainda mais flexível o controle dos bens. Internamente, contudo, há quem defenda a tese de que qualquer alteração futura nas regras de reversibilidade não pode perder de vista o passado e os eventuais prejuízos já causados à União dentro das regras atuais.