A Estratégia Brasileira para a Inteligência Artificial – EBIA foi publicada em dezembro de 2021 carecendo de vários esclarecimentos importantes. Várias pessoas em um debate nessa semana de 11 de março, não coincidiram sobre qual o objetivo pretendido para a IA, nos termos da EBIA.
E não fosse pela acertada decisão do MCTI de revisar a EBIA, tudo indica que estaríamos ainda imersos em um profundo silêncio rádio sobre o assunto, que não sai das manchetes da mídia internacional.
Mas então que é a IA? Que objetivos da política brasileira que devem estar explícitos na EBIA?
Sabe-se que não há uma definição formal, única, consensada no âmbito de alguma entidade. Mas, embora com textos não coincidentes, o entendimento do que é a IA é comum. E está muito bem refletido nas palavras seguintes: "A IA não é um setor, uma indústria, muito menos um produto único. Em linguagem estratégica, não é um "domínio. É um facilitador de muitas indústrias e facetas da vida humana: investigação científica, educação, fabrico, logística, transportes, defesa, aplicação da lei, transportes, defesa, aplicação da lei, política, publicidade, arte, cultura e muito mais". Definição tirada do livro "A Era da IA, e nosso futuro como humanos" de Henry Kissinger (ex-Secretário de Estado dos EUA, Prêmio Nobel da Paz);Daniel lHuttenloche ( Diretor do MIT College of Computing) e Eric Schmid (ex-CEO da Google).
Os obreiros da EBIA – todos – tem que ter as mesmas conceituações, os mesmos entendimentos, as mesmas definições. E entendo que, redação à parte, esse é o entendimento correto. A IA não é um fim.
A Inteligência Artificial só perde em relevância para o tema da proteção do meio ambiente, mas logo serão parelhos. E ambos têm a ver com o futuro da humanidade.
Estamos em uma dinâmica de transformações tecnológicas que alterarão profundamente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Aliás, "já estamos sendo alterados" há um bom tempo,. todo dia é como se fosse o último "round" dos pesos pesados no UFC. Definitivamente, sem retorno, a IA já se acomodou entre nós, sem pedir permissão. Sem pedir licença para entrar.
Indo logo no miúdo, quantos brasileiros tem consciência pensada, refletida, nos lares, nas empresas, do que é a IA, a Quarta Revolução Industrial? E que sabem que estamos já imersos nela? Que os mundos de nosso netos, bisnetos," trinetos" e seguintes serão muito diferentes, revolucionariamente diferente, de uma maneira que não conseguimos ainda explicar, que já está nos obrigando a aprender um discurso novo se tivermos que orientá-los sobre o mercado de trabalho que eles encontrarão, e, sobre que conhecimentos e habilidades necessitarão? Que sabem dos graves riscos que andam de mãos dadas com os benefícios prometidos pela IA?. Que muito trabalho será necessário para, preventivamente, mitigar tais riscos? Que é fundamental que todos nós nos preparemos para a nova era, a era da IA?
Ainda daquele livro eu trouxe o seguinte texto: "Em uma era na qual as máquinas executam um número cada vez maior tarefas que, antes, somente os humanos costumavam ser capazes de executar o que, então constituirá nossa entidade com seres humanos? A IA expandirá nosso conceito de realidade, e isso mudará a forma como nos comunicamos, nos relacionamos e compartilhamos informações. Ela transformará as leis e as estratégias que elaboramos e implantamos na sociedade. Quando passarmos a não mais explorar e moldar a realidade por conta própria – ou seja, quando passarmos a usar a IA como um complemento para moldar nossas percepções sobre a realidade e nossos pensamentos – de que forma nos identificaremos e, também, definiremos nosso papel neste mundo? Como conciliaremos a IA a conceitos como autonomia e dignidade humana?"
Essa passagem é perturbadora. Eles escancaram, trazem para muito perto, o surgimento de uma nova raça "simbiótica". Passaremos a ser duas raças de terráqueos: os humanos e as Super Inteligências Artificiais? E, com a mesma simplicidade tocam na ferida que está por trás do pensamento do ser humano: e eu (raça humana), como é que fico nessa história?
O que estamos vivenciando é algo diferente de tudo aquilo que já foi experimentado pela humanidade Dá para imaginar um cenário com bilhões de pessoas conectadas; uma capacidade fantástica de processamento e armazenamento?. Em 2022, o supercomputador Frontier do Laboratório Nacional de Oak Ridge conquistou o primeiro lugar como o mais rápido do mundo com 1,1 exaflops de desempenho. Foi o primeiro a atingir o nível de desempenho computacional conhecido como exascale, um limite de quintilhões de cálculos por segundo. (Quantidade de cálculos que um ser humano faria em 1.688.765.000 anos).
'A Inteligência Artificial é um fato que não se discute mais; o gênio saiu da lâmpada (ou o creme dental saiu do tubo , como preferirão alguns). Todos os três – IA, o gênio e o creme – sem retorno. Há, pois, que se manter um olho no futuro, ou seja na construção da Super Inteligência Artificial, e o outro olho nos acontecimentos intermediários que já estão pavimentando a estrada para aquele futuro, sem esquecer que a IA traz riscos significativos – tanto previsíveis como atualmente imprevistos.
Impacto da IA na força de trabalho, um problemão
Toda grande mudança tecnológica traz de per se alterações nos ambientes de trabalho. Algumas mais do que as outras, e algumas afetando significativamente a economia dos países, a maneira de ser e fazer dos seus habitantes.
No caso das mudanças causadas pela IA, deverá haver substituição e extinção de uma quantidade expressiva de empregos, em um processo de implementação muito mais difícil do que o que aconteceu no passado.
– Enquanto nas três primeiras revoluções industriais os desempregados tinham baixo nível educacional, agora pessoas com nível médio e superior também perderão seus empregos.
– As mudanças no mercado de trabalho acontecerão simultaneamente e cada vez mais velozmente em vários setores da economia.
– As expectativas são de que o número de novos empregos criados será bem menor do que o número de empregos que serão extintos.
Embora não exista uma metodologia de pesquisa e critérios consensados ou um impacto económico esperado, estima-se que a IA poderá tirar o emprego um bilhão de pessoas em todo o mundo e tornar obsoletos 375 milhões de empregos na próxima década.
Estima-se que sem uma reciclagem e requalificação generalizadas, as pessoas terão grandes dificuldades em encontrar um novo emprego.
Essa é uma ameaça concreta: a automação acabando com empregos existentes.
A recolocação no mercado dependerá de muitos atores e por melhor que seja organizada, não será rápida. Risco de crescimento negativo das economias, recrudescimento de problemas sociais. Podendo chegar a crises econômico/sociais de proporções muito sérias. Enquanto "os que já tem" continuarão tendo ou tendo mais. Aumento da desigualdade social. São realmente imprescindíveis esforços muito grandes, Governo e setor privado, para desenvolver projeções específicas de automação para o Brasil, com base nas quais se planejaria medidas proativas para mitigar esse impacto da IA.
Não se deve importar projeções nem brandas, nem agressivos. Esses dados são críticos de cada país, e justificam plenamente os esforços humanos e financeiros para sua obtenção. Sem eles não se consegue mitigar os problemas das perdas de postos de trabalho;
A possível erosão de um modelo bem sucedido
Os Tigres Asiáticos – Cingapura, Coreia de Sul, Hong Kong e Taiwan -reconhecidos pelo seu rápido crescimento econômico, encararam a educação como um meio de aumentar a produtividade. Melhoraram o sistema educativo em todos os níveis. Com mão de obra barata e com a reforma educativa, eles conseguiram criar uma força de trabalho de baixo custo, porém muito produtiva. E se tornaram um exemplo de países que de uma situação precária, passaram a modelo a ser seguido. (Em bom tempo: houve um contexto político de pós segunda guerra mundial, envolvendo o Japão e os EUA)
A automação, com as IAs nas fábricas, reduzirá a vantagem econômica que os países em desenvolvimento possuem historicamente: mão de obra barata. É de se esperar que as fábricas passando a ser operadas por robôs sejam realocadas para ficarem mais perto dos principais clientes nos grandes mercados, retirando a escada na qual os Tigres Asiáticos subiram para se torna economias impulsionadas pela tecnologia.
Regular é preciso, regular é possível
As indicações são que estamos abandonando a fase do "é impossível regular a IA; é impossível implementar uma regulação", que, na realidade tem o propósito de mascarar uma postura do tipo "não mexe que está bom para mim". Temos, nas telecomunicações, vários casos com essa postura, todos acabando com regulação implementável à nível de Tratados Internacionais. Atribui-se à Google a afirmação de que a IA é importante demais para não ser bem regulada. Na verdade, pode-se dizer que já existe regulação importante em vários países. Na China, os algoritmos devem aderir aos valores socialistas e ser examinados antecipadamente; na Europa, a lei da IA contém o conceito de risco inaceitável e outros. Os EUA seguem a tradição da descentralização. A compatibilização de conceitos e procedimentos no ambiente global deverá acontecer através de Tratados Internacionais.
Tratados internacionais fazem parte da rotina o setor de telecomunicações, que realiza pelo menos uma conferência de radiocomunicações a cada três anos, para revisar partes do Regulamento de Radiocomunicações da União Internacional de Radiocomunicações (agência da ONU especializada da ONU. Esse Regulamento – que é um Tratado Internacional assinados pelos seus 198 Membros – abriga as condições de uso do espectro radioelétrico e da órbita de satélites geoestacionários. Pela necessidade do mundo falar com o mundo, os sistemas de radiocomunicações têm que ser compatíveis, o que faz com que as negociações nas conferências da UIT sejam intensas para que as decisões sejam consensadas. Há conferências que são extremamente politizadas, demandando esforços muito grandes para se costurar os acordos.
Uma conferência para planejar um serviço de telecomunicações por satélite tem que definir precisamente, para cada país, as posições orbitais e os canais de frequência que ele pode usar para que não interferir e não ser interferido. Acontece uma combinação de reuniões técnicas com negociações políticas que "tem" que conduzir a um bom porto, pois o avião francês tem que falar com a estação de controle de São Paulo, o navio com show do RC tem que falar com a costeira de San Andrés, o campeonato de Sumô em Toquio tem que ser recebido no Bairro da Liberdade em São Paulo, e por aí afora. E todos os brasileiros tem que digitar, jogar e até falar nos celulares 24/dia para dentro e para fora do país. Os acordos "tem" que ser alcançados, sem que haja dano às soberanias de todos países. Entram em cena as cláusulas especiais ou as reservas, garantindo as soberanias. Exemplos:
- Plano de Radiodifusão por satélites nas Américas/UIT – Reserva
The Argentine Republic: In exercising its sovereign rights over the Malvinas Islands, the South Georgia Islands, the South Sandwich Islands and the A ntarctic sector between longitudes 25° and 74° West o f Greenwich and South of latitude 60° South, the Delegation of the Argentine Republic declares that: 1. Its G overnm ent does not recognize the requirements set out by the United Kingdom of G reat Britain and N orthern Ireland in Document No. 16 of this Conference or the assignments entered on behalf of that country in the Plans worked out at this Conference for services in those territories. 2. ……..
- Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares – Artigo X
- Foi concebido para prevenir a propagação de armas nucleares, para promover os objetivos do desarmamento nuclear e do desarmamento geral e completo, e para promover a cooperação utilizações pacíficas da energia nuclear. O ratado estabelece um sistema de salvaguardas sob a responsabilidade da Agência Internacional de Energia Atómica(AIEA)
- Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares – Artigo X
IMPORTANTE: Na realidade, a efetividade das cláusulas especiais, ou das Reservas ou mesmo de um Acordo completo e detalhado sempre dependerá da boa fé dos Signatários.
Essa postura de "não mexe no que está bom para mim" (tipo não regula, 'first come first serve', não promova a competição, etc) existe desde sempre. Deve-se esperar uma guerra dura na qual deve-se buscar aliados entre países industrializados e em desenvolvimento.
Educação e Governança
Dentre os setores básicos de uma economia, educação é o "básico dos básicos". E eu vou passar batido (quase). Sou da torcida organizada do setor de educação, mas meus conhecimentos são de superfície.
Vou me permitir apenas a destacar – como tema para reflexão – passagens do livro "A revolução do Aprendizado Profundo" de Terrence J. Sejnowsky (Páginas 26 e 27):
"A diferença é que, hoje, os novos empregos criados pela inteligência artificial passarão a exigir novas habilidades, mais adaptativas, além das cognitivas tradicionais. Assim, precisaremos aprender ao longo da vida. Para que isso aconteça, precisaremos de um novo sistema educativo que se fundamente no lar, e não na escola. (…) Ao unir o rastreamento da internet com o aprendizado profundo, as crianças de amanhã terão melhores oportunidades no âmbito educacional do que as disponíveis atualmente para as famílias mais ricas. (Grifos meus) Seus netos terão os próprios tutores digitais. A educação não apenas se tornará mais individualizada, mas também mais precisa. A Tecnologia educatival – edtech – está avançando rapidamente, e a transição para a educação de precisão pode vir a ser muito rápida se comparada aos veículos autônomos, pois os obstáculos que precisa superar são muito menos assustadores , a demanda é muito maior e a educação constitui um mercado trilionário"
Outro trabalho na mesma linha é da Profa Rose Luckin "AI and Education: the Reality and the Potential", renovando a base conceitual do sistema de ensino, tendo o lar e não a escola como eixo fundamental, valendo-se de tutores digitais.
Uma questão básica: É possível usar a IA para resolver alguns problemas básicos da educação de países em desenvolvimento? Do Brasil?
Agora soa como música uma afirmação como "melhores oportunidades no âmbito educacional do que as disponíveis atualmente para as famílias mais ricas".
Esses trabalhos e outros do gênero, partem sempre de contextos de países industrializados, o que torna suas abordagens, seus sistemas inaplicáveis nos países em desenvolvimento. Esses especialistas,, justificadamente renomados, não tem informação válida alguma sobre como funcionam os países em desenvolvimento. E não se preocupam com isso. Eles pensam, produzem, escrevem, ensinam para suas sociedades. Não estão acostumados a pensar para o mundo. Cabe a nós, países em desenvolvimento, aproveitar da melhor maneira o que for aproveitável, mas construindo as soluções harmônicas com nossas realidades, o que não impede as novas abordagens.
Sobre Governança: Parece que não há brasileiros entre os especialistas que compõem o "AI Advisory Boddy" da ONU que está fazendo o documento "Governing AI for Humanity". 128 países foram convidados e estão trabalhando com a seguinte programação:
TRÊS EMPRESAS RESPEITÁVEIS, TRÊS VISÕES
Uma análise da Accenture mostrou que 40% das horas de trabalho em todos os setores poderiam ser automatizadas ou aumentadas pela IA generativa, com bancos, seguros, mercados de capitais e software mostrando um maior potencial.
A McKinsey projeta que a IA generativa e tecnologias relacionadas poderiam automatizar atividades que atualmente ocupam 60 a 70% dos trabalhadores.
A Goldman Sachs prevê que dois terços das ocupações nos EUA serão afetados pela automação alimentada por IA, mas não espera que isso leve à perda generalizada de empregos: Segundo ela, a maioria dos empregos e indústrias "está apenas parcialmente exposta à automação e, portanto, são mais propensos a serem complementados em vez de substituídos pela IA.
*- Sobre o autor: Paulo R H Balduino, engenheiro eletrônico pela UnB. Cofundador do setor internacional do Minicom. quando promoveu a institucionalização da participação brasileira nas entidades de regulamentação internacional – CBC.s Liderou delegações brasileiras em vários eventos da UIT e da CITEl. Diretor da Victori Internacional; Diretor da Spectrum Latino America, Consultor da TV Globo, Diretor de Planejamento de uso do espectro da ABERT. Atualmente provendo consultoria nos setores de telecom, radiodifusão, telemedicina e inteligência artificial. As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente representam o ponto de vista de TELETIME.