Já está no conselho diretor da Anatel para deliberação o processo que deve trazer um entendimento definitivo da agência sobre a oferta de canais lineares por meio da Internet. A relatoria da matéria está com o conselheiro Vicente Aquino. O processo decorre da tomada de subsídios feita pela agência no ano passado, que por sua vez foi realizada depois que a Claro denunciou a Fox pela oferta direta ao consumidor de seu serviço Fox+. Conforme já antecipou este noticiário, as áreas técnica e jurídica da Anatel sinalizaram, em parecer, que a oferta de conteúdos lineares pela Internet não se confunde com o serviço de telecomunicações e TV paga (Serviço de Acesso Condicionado, ou SeAC, regulado pela Lei 12.485/2011).
A posição de Vicente Aquino sobre o assunto ainda não é conhecida, mas há alguns indícios. Sabe-se que ele foi um dos conselheiros que mais protestou quando a agência suspendeu, cautelarmente, a oferta dos canais lineares da Fox pela Internet, em 2019. O protesto de Aquino e dos demais conselheiros, contudo, se deu não pelo mérito da cautelar, mas por ter sido um ato das superintendências, sem aprovação prévia do conselho diretor.
Também é possível pescar alguns entendimentos do conselheiro sobre o mercado de TV por assinatura em seu voto no caso AT&T/Time Warner. Na ocasião, a Anatel decidia se a AT&T, controladora da Sky, podia controlar uma empresa de conteúdos (WarnerMedia), sem com isso ferir as restrições de propriedade cruzada na Lei do SeAC. Aquino entendeu uma análise consequencialista da lei, ou seja, uma análise dos impactos negativos ao mercado de TV paga caso a Anatel obrigasse a AT&T se desfazer da Sky, e aprovou a operação com um voto que se saiu vencedor. Mas em seu voto, Aquino ponderou que o mercado de TV paga já está sendo impactado pela realidade da Internet. Na ocasião, escreveu: "Deve-se observar ainda que, de acordo com dados da Agência, os acessos para SeAC vêm apresentando queda nos últimos anos (…). Referida queda pode ser consequência, dentre outros fatores, da migração do consumidor para novas tecnologias de oferta de conteúdo audiovisual. Não à toa, a própria Área Técnica (…) alertou que a relação vertical existente entre as atividades de programação da WarnerMedia e os serviços de TV por assinatura via satélite ofertados pela SKY Banda Larga deveria ser analisada 'levando-se em consideração que, atualmente, há uma forte pressão exercida pelos fornecedores de OTT nos últimos anos, em conjunto com o conteúdo original disponibilizado por esses fornecedores, a preços bem acessíveis'. A pressão concorrencial de serviços over-the-top (OTT), tais como o NETFLIX, sobre o mercado de SeAC é crescente e um movimento sem volta", disse Aquino em seu voto sobre o caso AT&T/TimeWarner.
Análise de impacto
Mas no caso da oferta de canais lineares o cenário é mais complexo porque o debate não é sobre serviços sob-demanda, como Netflix, mas sim serviços similares aos ofertados pelas operadoras de TV paga. E nesse sentido há pelo menos duas posições bastante contundentes em defesa da extensão da Lei do SeAC para os serviços ofertados pela Internet. O primeiro é o da Claro, que fez a primeira denúncia contra a Fox e defende um tratamento isonômico entre operadores de TV por assinatura e operadores que queiram explorar os serviços no modelo OTT, com as mesmas obrigações regulatórias e tributárias. Em memorial apresentado no encerramento do processo (cuja íntegra está disponível aqui), a Claro traz parecer assinado pelo advogado Luís Justiniano Haiek Fernandes reiterando seus argumentos e rebatendo as análises da área técnica e jurídica. O memorial pede que seja feita justamente uma Análise de Impacto Regulatório de uma decisão que permita a oferta de canais OTT diretamente ao consumidor com regras assimétricas àquelas praticadas pelas operadoras tradicionais. Para o advogado, não cabe fazer a análise do caso á luz da Lei de Liberdade Econômica quando existe uma lei específica que trata do segmento de TV por assinatura e que é um mercado regulado.
Argumentação semelhante é feita pela Bravi (associação de produtores independentes) em ação movida no Supremo para dentar barrar uma decisão da Anatel. A Bravi argumenta em sua ação que a Lei do SeAC regula a Constituição em seus artigos 221 e 222, que tratam da Comunicação Social e que, portanto, uma decisão que confronte a lei seria inconstitucional. A ação da Bravi está com o ministro Ricardo Lewandowski, mas por enquanto sem previsão de despacho por conta das restrições de funcionamento do Supremo com a crise do Coronavírus.
Investimentos
Já as empresas de Internet e conteúdo devem argumentar que a oferta de canais OTT pela Internet é uma forma rápida e impactante de assegurar à população acesso a conteúdos justamente durante a quarentena provocada pelo COVID-19, além de ser uma definição jurídica importante para que novas plataformas invistam no Brasil, como Disney +, HBO Max e Pluto TV, todas previstas para aportar no Brasil no segundo semestre, mas em compasso de espera por uma decisão da Anatel.
Vale lembrar que na portaria editada na última sexta, dia 19, criando o Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da COVID-19, o MCTIC estabeleceu como prioridade durante o período de crise "permitir o acesso dos usuários aos Serviços de Valor Adicionado, como as aplicações Over The Top – OTT", ao mesmo tempo em que indicava que diretrizes seriam dadas à Anatel para questões regulatórias. Ainda que o entendimento seja de que a referência se deve à necessidade de manter serviços de dados informativos aos usuários de banda larga móvel, não se descarta a possibilidade de usar esse dispositivo para diretrizes de outra natureza.
Ainda não se sabe como será o posicionamento da Abratel, associação que tem a Record como principal representada. Originalmente a associação estava alinhada com a Abert na defesa de que a Anatel não impusesse restrições à oferta de conteúdos pela Internet, mas recentemente se manifestou junto à agência pedindo uma análise de impacto regulatório sobre o assunto. Mais recentemente, segundo apurou este noticiário, a Abratel pediu também que a Anatel suspendesse prazos processuais, tomadas de decisão, reuniões e consultas sobre temas não prioritários ligados à pandemia.