O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) divulgou nesta segunda-feira, 23, a íntegra do voto do conselheiro Gilvandro Araújo, que aprovou a compra da Time Warner pela AT&T, em desacordo ao proposto pela Superintendência-Geral do órgão, que opinou pela reprovação da operação. No entendimento do relator, porém, a fusão pode acontecer desde que as empresas cumpram o acordo de controle de concentrações (ACC). Mas deixa claro que pode reformar sua posição caso a Anatel conclua pela impossibilidade regulatória da concretização da operação.
Na opinião do relator, que examinou apenas a questão concorrencial, não há sobreposição horizontal entre as atividades do Grupo Time Warner relacionadas à produção de conteúdo e as operações de TV por Assinatura da AT&T por meio da Sky, tendo em vista que esta última não produz nem encomenda a produção de conteúdo no Brasil, mas apenas licencia canais de TV por Assinatura e conteúdo programado já existente. "Nesse sentido, a operação proposta pode ser entendida como a integração entre agente atuante em produção/licenciamento/programação (TW) e um agente que atua em empacotamento/distribuição (AT&T/Sky)", afirma.
O valor total da operação, a partir da assinatura do acordo, é de aproximadamente US$ 85,4 bilhões, não incluindo a dívida líquida da Time Warner. No Brasil a operação resultará essencialmente em uma relação vertical entre as atividades de programação de canais de Televisão por Assinatura do Grupo TW e os serviços de televisão por assinatura via satélite prestados pela Sky/Grupo AT&T, o que é proibido pela Lei 12.485/2011, que regulamenta o mercado de TV paga.
Araújo reconhece a vedação regulatória da operação pela Lei do SeAC, mas frisa que sob a perspectiva concorrencial, a análise vai de encontro aos preceitos estabelecidos no artigo 5º da Lei no 12.485/2011. Sendo assim, concluiu que, para mitigar a diminuição da rivalidade decorrente do ato de concentração em análise, seria necessário vedar no Brasil que a AT&T combinada com a Time Warner viesse a deter controle simultâneo na Sky e nas programadoras pertencentes originalmente à TW. Os remédios que acertou com as empresas visam corrigir essa vedação.
Remédios
O principal ponto do ACC é a separação estrutural da Sky Brasil e as Programadoras de Canais da Time Warner como pessoas jurídicas separadas e com estruturas de administração e governança próprias, não sendo permitida a troca de informações concorrencialmente sensíveis ou que possam implicar discriminação entre agentes que não façam parte do grupo econômico das empresas. "A separação proposta inviabiliza o alinhamento de comportamentos no mercado, ou seja, as duas empresas continuaram atuando como agentes autônomos", defende Araújo.
Outro ponto do acordo estabelece a obrigação de observar parâmetros objetivos de não-discriminação, mais abrangentes que os deveres legais usuais. Nesse sentido, as Requerentes se comprometeram a formalizar todos os acordos de licenciamento de Canais de Programação das Programadoras de Canais TW, e todos os acordos da Sky Brasil de licenciamento de Canais de Programação.
No acesso aos canais de programação da TW, a AT&T compromete-se a fazer com que as Programadoras de Canais TW ofereçam a todas Empacotadoras e Prestadoras de TV por Assinatura não-afiliadas todos os Canais de Programação licenciados pelas Programadoras de Canais TW à Sky, para distribuição por meio de seu Serviço de TV por Assinatura, mediante condições não-discriminatórias.
No licenciamento de Canais de Programação para o empacotamento e distribuição no Serviço de TV por Assinatura, a Sky Brasil não se recusará a transmitir, ou impor termos para transmitir (inclusive no tocante a preço, termos ou outras condições), canais de forma que possa ser considerada discriminatória em relação às provedoras de Canais de Programação não afiliadas à AT&T, se comparados com aqueles aplicáveis às Programadoras de Canais TW.
No entanto, diz o relator, segundo informações fornecidas pelas próprias empresas, os valores de contratação podem ser diferentes, considerando a quantidade de canais obtidos ou o volume de assinantes de uma determinada operadora. "Nesse sentido, é importante esclarecer que poderá ser admitida a previsão de cláusulas comerciais não isonômicas entre as requerentes e as outras empresas contratantes, desde que seja constatada racionalidade econômica baseada em fatores objetivos", afirma.
O acordo prevê ainda a nomeação de um consultor independente para auxiliar o Cade no monitoramento do cumprimento das obrigações estabelecidas no acordo de controle de concentrações. Prevê também o recurso da arbitragem em caso de recusa das compromissárias em negociar condições comerciais adequadas para os agentes econômicos não integrados. "Assim, valendo de critérios de poder de mercado, estabelece-se que qualquer programadora de Canais de Programação ou Prestadora de TV por Assinatura não afiliada à AT&T ou à Sky poderá acionar o mecanismo de arbitragem para resolver conflitos relacionados às condições comerciais de contratação, nos termos do ACC", defende o relator.
A arbitragem seria custeada, via de regra, pela AT&T. A intenção é que isso estimule a empresa a cumprir o ACC e também impeça que elevados custos da arbitragem inibam os concorrentes ou entrantes de denunciarem os obstáculos a contratação, reforçando a efetividade do remédio. A regra vale para grupo econômico da Prestadora de TV por Assinatura ou o grupo econômico da programadora de Canais de Programação que não tiver mais de 20% de participação em qualquer mercado relevante.
Por outro lado, o ACC também se preocupou com comportamentos oportunistas, ao prever que, em caso de o processo arbitral se fundar em informações enganosas ou decorrer de má-fé dos concorrentes, a AT&T se exime dos custos da arbitragem, que deverão ser pagos pelo agente que deu causa ao procedimento. "Preocupações com a renovação dos contratos, suscitadas por alguns agentes do mercado de TV por Assinatura, também foram contempladas pelo remédio, na medida em que o acordo além de prever a formalização de todos os contratos, também obriga às empresas em fusão a manter as condições contratuais vigentes sem solução de continuidade dos serviços prestados enquanto não houver solução definitiva", estabelece Araújo.