A nova V.tal, o fim da Oi e o mercado de redes neutras

Foto: Reprodução/Freepik

Havia uma razoável expectativa entre fornecedores, operadoras e até mesmo no governo de que haveria alguma disputa pelos clientes de fibra óptica da Oi. Seria uma forma de manter a relevância e o peso da operadora, com seus 4,3 milhões de clientes, e de embaralhar algumas peças do mercado. E nesse sentido, a oferta única da Ligga, de R$ 1 bilhão, foi uma grande frustração.

Primeiro porque essa oferta dificilmente vai ser aprovada pelos credores da Oi, que precisam dar o aval. Caso eles recusem a oferta, o caminho natural será a base de clientes da Oi ficar mesmo com a V.tal, que havia garantido os R$ 7,3 bilhões estabelecidos como preço mínimo, mas em equity da própria empresa de rede neutra.

Ou seja, os milhares de credores, que em breve se tornarão os principais acionistas com mais de 80% da Oi, ficaram com uma fração das ações da V.tal.

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Peso V.tal

Segundo interlocutores ouvidos por este noticiário e que estavam seriamente dedicados a apresentar ofertas por pelo menos uma parte dos clientes de banda larga da Oi, o que mais pesou nas contas foi exatamente o custo que a contratação da rede da V.tal teria.

"Somos operadores, não especuladores. Para nós, o custo operacional simplesmente não fazia sentido", disse um interlocutor. Em síntese: seria inviável para alguém operar tendo que pagar o aluguel da rede nos termos estabelecidos.

Mesmo a proposta da Ligga foi, claramente, uma proposta pouco atraente para os credores da Oi: menos de R$ 230 por assinante, quando o mercado pratica valores na casa dos R$ 1,6 mil (vide operação mais recente da Brasil TecPar).

O que aconteceu com a Ligga, especula-se, vai além de uma proposta baixa: Nelson Tanure, acionista principal da Ligga, tentou negociar sua operadora com a V.tal. As conversas não se concretizaram em um primeiro momento, e ele teria decidido jogar o "preço para baixo". Mas poucos acreditam que o movimento terminará por ai. Usará a proposta baixa, mas existente, para uma disputa judicial? Tentará alguma manobra no Cade ou Anatel? Buscará abrir uma nova mesa de negociação com o BTG? São algumas das especulações correntes no mercado.

O fato é que se a base de clientes de banda larga da Oi ficar mesmo com a V.tal, isso mudará o papel da empresa no mercado, e afetará todo o mercado de redes neutras. A V.tal se tornará uma grande operadora de banda larga, mas com um acionista financeiro (BTG) sempre atento a oportunidades de vender, comprar ou consolidar. Terá, a partir do momento em que tiver que operar o serviço Oi Fibra, muito mais dificuldades para se colocar como uma operadora de infraestrutura neutra, por razões óbvias, mas talvez não precise disso. Afinal, terá uma operação de 4,3 milhões de clientes que pagam cerca de R$ 90 por mês. 

Receita Oi vs. Receita da Oi

Em 2023, a V.tal faturou R$ 5,8 bilhões, sendo que 80% disso veio da Oi, segundo dados do balanço do ano passado da empresa.

Com os 4,3 milhões de clientes da Oi e um ARPU de R$ 90, não perde nada, em tese. Deve ter alguma variação tributária imediata, pois como operadora terá que pagar ICMS, mas não terá mais o custo da dívida que a Oi carregava e poderá ter sinergias com sua própria estrutura operacional.  Isso mostra que, na prática, a Oi já estava usando praticamente toda a sua receita de banda larga para pagar as dívidas e o custo de operação com a V.tal.

Na prática, a Oi acabou virando a V.tal em um processo gradual: primeiro veio a rede de fibra, que custou ao BTG R$ 12 bilhões, mas boa parte era dívida da Globenet. Depois, parte dessa dívida da Globenet foi quitada com a sucata da rede de cobre legada da Oi. E agora a base de clientes acaba sendo incorporada à V.tal, às custas de uma diluição entre os credores da Oi. 

Credores estes que devem receber uma parcela próxima à que a Oi já tinha, ou menos, sendo que o próprio BTG também é, em parte, credor.

Importante lembrar que a V.tal deu o aval financeiro para o acordo entre Anatel e Oi para a migração da concessão para autorização. Foram R$ 5 bilhões colocados pela empresa como garantias de investimentos, dos quais cerca de R$ 3,9 bilhões são na construção de datacenters e redes submarinas que interessam diretamente aos negócios da V.tal. Outros R$ 1,1 bilhão serão colocados na conexão de 4 mil escolas, pelo acordo pactuado entre agência e Oi, com o aval do TCU. Em troca, a V.tal fica livre de qualquer futura dor de cabeça com os bens reversíveis da rede da Oi.

Mas se a V.tal se tornar uma operadora não-neutra, isso não pode favorecer as demais operadoras neutras? Em tese sim, mas a realidade não é tão simples. A I-Systems está em um processo de consolidação de operações com a IHS e o seu futuro ainda parece incerto sem a operadora de torres. Rumores sobre uma possível venda das redes da American Tower também são recorrentes. E a FiBrasil tem uma rede limitada geograficamente, e ainda depende muito da estratégia da Vivo para se expandir. Fora o fato de que os ISPs mostraram pouco interesse, até aqui, pelo modelo de redes neutras. A V.tal neutra era importante para continuar impulsionando esse modelo. Sem ela, o futuro do modelo neutro, que já não era muito claro, pode ficar muito mais incerto.

Fato é que o resultado da venda da base de clientes de fibra da Oi foi um dos últimos capítulos da história daquela que já foi a maior concessionária de telecomunicações, e uma das maiores operadoras do mercado, mas que termina sua segunda recuperação judicial totalmente desmontada. A novidade, agora, é o nascimento do maior de todos os ISPs, com mais de 4 milhões de clientes: a nova V.tal.

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