O dilema da concessão para a Oi (e para o governo)

Foto: Pixabay

A leitura mais atenta do balanço da Oi referente ao terceiro trimestre e divulgado na semana passada mostra a gravidade de um quadro que já vem se desenhando há anos e que agora entra em fase aparentemente terminal: a deterioração do negócio de telefonia fixa. Isso é um problema não por conta do futuro da Oi em si, já que a empresa claramente hoje está focada no segmento corporativo e no mercado de banda larga fixa, e é nesses mercados que precisará encontrar a sua viabilidade. Mas é um problema porque Anatel e o governo são, pela Lei Geral de Telecomunicações, responsáveis pela sustentabilidade da concessão. Pelo Artigo 66 da LGT, "quando um serviço for, ao mesmo tempo, explorado nos regimes público e privado, serão adotadas medidas que impeçam a inviabilidade econômica de sua prestação no regime público".

Portanto, governo e Anatel terão a responsabilidade de dizer o que acontece à medida em que o final da concessão de aproxima. O contrato de concessão, não custa lembrar, terminará justamente no meio da gestão do presidente Lula, em 2025, o que torna o problema um imperativo inclusive para a equipe de transição. O problema afeta todas as concessionárias, mas o caso da Oi é o mais crítico, porque a empresa vem fragilizada pelo processo de Recuperação Judicial há mais de seis anos.

Como mostra reportagem de TELETIME desta quarta, 16, já há analistas que começam a vislumbrar a hipótese de que o final do processo de recuperação da Oi (iniciado em meados de 2016) não trará uma companhia muito melhor do que a que existia no início do processo. E as razões para isso estão, em muitos aspectos, ligados ao problema da concessão.

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Havia, no início do processo de Recuperação Judicial, uma expectativa de que a mudança do modelo de concessão de telefonia fixa permitindo a migração para o modelo de autorização aconteceria de maneira mais célere do que aconteceu, possibilitando à Oi estancar a sangria financeira de manter as obrigações de concessionária. Em dezembro de 2017, no primeiro plano de recuperação apresentado aos credores, a Oi dizia:

"É público que se encontram em estágio avançado discussões entre ANATEL e Ministério das Comunicações para mudanças no ambiente regulatório, que poderão resultar na transformação das concessões em autorizações, bem como na alteração do regime jurídico dos bens reversíveis, desonerando as concessionárias de muitas de suas obrigações e tornando-as mais competitivas em relação às concorrentes que operam sob o regime de autorização. Há, inclusive, Projetos de Lei em tramitação avançada, voltados, justamente, a conferir maior segurança à mudança de modelo, que beneficiará todas as concessionárias e não apenas aquelas vinculadas ao GRUPO OI. Tais mudanças impactarão positivamente a situação das RECUPERANDAS e, portanto, são também consideradas como importantes para o efetivo soerguimento do GRUPO OI, com a preservação de suas atividades empresariais e, consequentemente, a manutenção da fonte produtora e de postos de trabalho, promovendo a função social da empresa e o estímulo à atividade econômica."

Na prática, não aconteceu muita coisa que mudasse o quadro desde então. A lei (Lei 13.879) saiu apenas em setembro de 2019 e a Anatel chegou a prever que em 6 meses após a regulamentação, seria possível fazer a migração. A regulamentação de migração só passou a vigorar em março de 2021. E, quase dois anos depois, Anatel e, agora, o TCU, ainda discutem as condições sobre as quais essa migração poderá ocorrer. As concessionárias sequer entraram, formalmente, no momento de dizer se querem migrar de modelo.

A permanecerem as condições indicadas até aqui (sobretudo pelo valor de R$ 22 bilhões sugerido preliminarmente pela agência para a migração de todas as concessionárias), a manifestação unânime das empresas é de que não vale a pena a transição, e o melhor é deixar a concessão de telefonia fixa simplesmente acabar. Lembrando que tudo isso ainda acontece em meio a um processo de arbitragem movido pelas concessionárias contra a Anatel, numa batalha de R$ 36 bilhões, que ninguém é capaz de prever como vai terminar.

O custo da concessão

Mas para todas as concessionárias, e sobretudo para a Oi, deixar como está também é um péssimo negócio. Voltemos ao balanço da Oi do terceiro trimestre de 2022. A operadora reportou uma receita líquida trimestral de R$ 2,8 bi no período terminado em setembro deste ano. Como serviço legado de STFC na rede de cobre, contudo, a receita é de apenas R$ 330 milhões no trimestre. Os serviços de voz e dados prestados pelo acesso banda larga por fibra já rendem uma receita de três vezes maior do que o serviço de voz (cerca de R$ 1 bilhão por trimestre), apenas a título de comparação.

Essa receita do serviço legado de voz, sobre a rede de cobre, representa uma queda anual de quase 40%. Nesse ritmo, em menos de dois anos não haverá mais clientes ou receita relevantes no mercado de voz fixa. E o problema é que independente da quantidade de clientes que tiver no serviço de telefonia fixa, a Oi e as demais concessionárias precisam continuar mantendo a rede em funcionamento.

O que diz o balanço da Oi sobre isso? Apenas com serviços de manutenção de rede a empresa gastou, no terceiro trimestre, R$ 127 milhões (a maior parte para a manutenção da rede de cobre), mais R$ 59 milhões em investimentos necessários nessa rede. Fora outros custos de pessoal, venda, marketing, tributos… A Oi não explicita no balanço o tamanho do prejuízo da sua atividade como concessionária, mas é possível inferir que não é pequeno.

No geral, o prejuízo operacional da Oi está na casa de R$ 1 bilhão no trimestre, número que sobe a R$ 3 bilhões quando computado o custo da dívida. Certamente o sinal de alerta já voltou a acender na Anatel sobre a sustentabilidade da concessão. Basta lembrar que em junho de 2016, quando a Oi entrou em recuperação judicial, ela tinha lucro operacional na casa de R$ 100 milhões ao trimestre.

A operadora parece ter adotado, nos últimos trimestres, uma estratégia de migrar seus clientes de voz para acessos wireless, com a tecnologia WLL, ou para o modelo de voz sobre IP, nas redes de fibra. É uma decisão que pode ter efeito positivo nos custos de operação, mas certamente cria uma possível confusão regulatória, já que essas novas redes de suporte ao serviço de voz passariam também elas a ser reversíveis (exceto no Estado de SP, onde a Oi não é concessionária). Se não está fácil resolver o problema dos bens reversíveis só com a rede de cobre, imagine-se colocando a rede de fibra (hoje controlada pela V.tal) na conta… 

Além disso, há outro fator que a Anatel certamente terá que ponderar no seu acompanhamento de sustentabilidade da concessionária Oi: o custo operacional da tele subiu significativamente depois da venda do controle dos ativos de fibra para a V.tal. Se de um lado, a venda desses ativos deu fôlego de curto prazo para a Oi com uma injeção importante de recursos, tornou também a operação da empresa mais cara. Como comparação, basta olhar quanto a Oi passou a dispender, no terceiro trimestre, em "aluguel e seguros": R$ 905 milhões, 40% a mais em relação ao trimestre anterior, justamente por conta do início do contrato de uso de rede da V.tal, segundo o balanço.

Sustentabilidade

Destaque-se que outros custos da Oi tiveram redução significativa, o que é boa notícia, mas muito se deve ao fim da operação móvel, que também trazia uma contribuição de margem importante para a empresa. Colocando-se tudo na planilha, o fato é que a a margem EBITDA da Oi caiu de 31% no terceiro trimestre de 2021 para 4% no terceiro trimestre desse ano. Era uma mudança de rota prevista no plano de recuperação, mas torna a Oi muito mais sensível a pressões de caixa e variações de custos. 

Em declaração a analistas de investimento na semana passada, Rodrigo Abreu, presidente da companhia, se mostrou ainda esperançoso de que a Anatel possa rever a regulamentação atual, amenizando o prejuízo operacional criado pela manutenção da rede de telefonia fixa atrelada à concessão. Existem espaços para isso, seja nas obrigações típicas da concessionária (o que implicaria mexer, por decreto presidencial, no Plano Geral de Metas de Universalização), seja nas obrigações impostas aos prestadores com Poder de Mercado Significativo.

Seria uma forma de tentar trazer um mínimo de sustentabilidade às concessões de STFC da Oi das demais concessionárias, como estabelece o Artigo 66 da LGT. São no caso da Oi, são 8 milhões de usuários de telefonia, metade deles na rede de cobre, que provavelmente nem lembram que têm o serviço ativo, ainda que a regulamentação assim o exija.

1 COMENTÁRIO

  1. A esperança dos executivos da Oi (que amanhã estarão esperançosos em outras empresas) tem o mesmo valor da esperança dos executivos da Panam ou da Kodak.

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