O presidente da Anatel, Leonardo Euler, pediu diálogo e declarou a este noticiário que pretende analisar com calma os argumentos e contra argumentos dos dois lados em uma disputa bilionária que se desenrola na Anatel envolvendo emissoras de TV e operadoras de telecomunicações: a definição do uso do saldo de R$ 1,4 bilhão que sobrou na limpeza da faixa de 700 MHz e digitalização da TV analógica. A questão ganhou temperatura nas últimas semanas, já tendo sido levada inclusive ao novo ministro das Comunicações, Fábio Faria, que sequer tomou posse.
Cabe ao presidente da Anatel decidir nos próximos dias sobre um pedido de efeito suspensivo das teles contra uma decisão do Gired do último dia 26 de maio. Depois disso, o recurso em si segue para o conselho da Anatel, onde segundo o presidente, haverá a busca de consenso entre os conselheiros.
No dia 26 do mês passado, o Gired (grupo gestor da digitalização liderado pela Anatel mas onde participam radiodifusores, Claro, TIM, Vivo, Algar e o MCTIC) decidiu que encaminharia ao conselho diretor da Anatel a indicação de uso dos recursos remanescentes para a continuidade do processo de digitalização, implementado pela EAD, e que as teles receberiam um atestado parcial de cumprimento de obrigações até que o processo fosse concluído. As teles foram voto vencido na reunião.
A proposta aprovada pelo Gired é a das emissoras de TV, que propõem a digitalização de transmissores de TV de prefeituras e, eventualmente, a distribuição de mais kits de recepção digital junto à população de baixa renda. As operadoras de telecomunicações, contudo, se insurgiram contra a deliberação. Alegam que não houve tentativa de construir um consenso sobre o tema que tiveram acesso limitado aos estudos e documentos que embasaram a proposta. Em um duro recurso, atacam o Gired ainda por ter decidido pelo atestado parcial de cumprimento de obrigações. Para as operadoras, é inegociável ter garantia de que não serão necessários novos aportes nos projetos complementares e que elas estão liberadas das obrigações previstas no edital de 700 MHz.
"Primeiro, é preciso serenar os ânimos", diz Leonardo Euler, argumentando que as empresas, tanto radiodifusores quanto teles, têm se manifestado junto à Anatel e junto ao governo de maneira exaltada. "Uma solução que enderece o interesse público e, ao mesmo tempo, contemple os argumentos dos dois setores, é perfeitamente factível, lembrando que estamos discutindo recursos públicos e que por isso todo zelo é necessário", diz ele.
Etapas
Moisés Moreira, presidente do Gired e conselheiro da Anatel, vai na mesma linha. "Estamos tranquilos com relação ao que foi decidido pois está plenamente embasado pelos pareceres da procuradoria e pelo que diz o edital. Mas uma decisão precisava ser tomada e não havia mais razão para esperar", disse ele. Segundo Moreira, emissoras de TV, MCTIC e ele mesmo, como presidente do Gired, apresentaram os contra argumentos ao recursos das teles e isso será encaminhado ao presidente da Anatel que avalie o efeito suspensivo. "Depois o conselho julgará o recurso em si", diz Leonardo Euler. Segundo Moisés Moreira, apenas depois do julgamento do recurso é que o processo com as deliberações do Gired irá para a Procuradoria Federal Especializada e depois sobe para o conselho da Anatel. "No final das contas, a decisão será tomada pelo Conselho Diretor da agência, que vai considerar o que o Gired avaliou, os pareceres jurídicos, eventuais manifestações do MCTIC e do TCU, que também está avaliando o caso", diz Moisés Moreira. Para Leonardo Euler, o diálogo e a conciliação são necessário e são possíveis nesse caso.
A Anatel, nesta questão, está limitada pelo fato de que o edital e a política pública do MCTIC de fato estabeleceram que a prioridade do uso dos recursos é para projetos de digitalização da TV aberta. Muitas ideias surgiram em outro sentido, desde uma proposta do ministério de usar parte dos recursos para a construção de uma rede de fibras fluviais na Amazônia até o uso dos recurso para a mitigação das interferências do 5G na faixa de 3,5 GHz. Mas o fato é que o edital de 700 MHz tem força de lei. Para as teles, contudo, as obrigações editalícias estão concluídas quando a faixa de 700 MHz estivesse liberada. Mas essa não é a interpretação das áreas jurídicas nem da Anatel nem do MCTIC, e o encaminhamento é que a EAD seja mantida até a conclusão do projeto. Segundo apurou este noticiário, seria possível das às teles garantia de que não será mais necessário aportar recursos na EAD para cumprimento de obrigações adicionais, desde que o projeto contemplado esteja aderente ao que estabelecia o edital. Qualquer outra solução poderia gerar questionamentos posteriores.
Existe, obviamente, uma pressão dos radiodifusores que não querem correr o risco de perder esses recursos no processo de digitalização, e quando observaram algumas propostas de uso desses recursos até mesmo para subsidiar usuários inadimplentes durante a pandemia, acenderam o sinal de alerta. De outro lado, Moisés Moreira vem alertando, desde o ano passado, que a decisão sobre a destinação dos recursos da EAD teria que ser tomada no primeiro semestre de 2020.