As manifestações das principais operadoras móveis do País na consulta pública sobre o Regulamento de Uso de Espectro (RUE) evidenciaram grande discordância de Claro, TIM e Vivo com as medidas propostas pela Anatel para ampliar o acesso de novos players a radiofrequências.
Assim como na consulta pública do Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), as operadoras nacionais questionaram o diagnóstico da agência reguladora sobre a necessidade de medidas para fomentar maior competição no segmento móvel. Também manifestaram preocupação com os efeitos de possíveis mudanças no RUE sobre o espectro adquirido em outros leilões.
"É imprescindível que novas regras não afetem o direito adquirido pelas operadoras em licitações, especialmente regras postas posteriores a certames já finalizados", resumiu a Claro.
A proposta do RUE revisa, entre outros pontos, as condições para utilização de espectro em caráter secundário, permitindo uso nessa modalidade por até cinco anos – algo desejado por players entrantes, mas considerado danoso pelas teles nacionais.
Para a TIM, tal formato caracterizaria "uma subversão da lógica de uso de radiofrequências em caráter primário", abrindo espaço para "ocupações abusivas que desconsiderem os direitos adquiridos em leilões". Leitura similar foi feita pela Acel, entidade que congrega as operadoras móveis:
"O tratamento concedido ao secundário com garantias análogas ao primário, a uma cobrança ínfima comparada aos valores praticados em leilão, fere o erário. Não se deve permitir que o espectro, um recurso tão limitado como a própria Agência o define, seja autorizado por um valor tão reduzido, sem nem mesmo possuir quaisquer garantias associadas à sua prestação".
Já para a Claro, tais regras para uso secundário "análogas" às vigentes para o uso primário (como por exemplo, na proteção contra interferências) gerariam uma distorção "tão profunda que não só trazem insegurança jurídica aos usuários primários como colocam em xeque a gestão de espectro estruturada pela agência até hoje".
Na mesma consulta, a Vivo trouxe um estudo da consultoria Alvarez & Marsal para corroborar os argumentos. "A licitação de espectro foi responsável pela arrecadação de R$149,2 bilhões (em valores de dez/2023) para os cofres públicos ou em compromissos de investimento. Ainda mais relevante do que seu papel em impulsionar a arrecadação e financiar a política nacional de telecomunicações, esse modelo teve sucesso em possibilitar o crescimento da oferta de serviço móvel para todo o Brasil", aponta o parecer.
Uso eficiente e espectro ocioso
Além de ampliar prazos e regras para o uso secundário do espectro, a proposta da Anatel também define novos critérios para a avaliação de uso eficiente do espectro, como forma de evitar situações como a ociosidade do recurso. Seriam considerados critérios econômicos, funcionais e sociais, propõe a reguladora.
Mas as operadoras questionam a previsão – considerada subjetiva e geradora de "insegurança jurídica" -, bem como a própria indicação da Anatel de que haveria espectro ocioso no mercado.
"Adquirentes do direito de uso das radiofrequências têm a justa expectativa de que as regras de utilização estabelecidas no edital sejam observadas, o que inclui, sempre que não expressamente determinado de modo contrário, a liberdade para planejar e executar a ativação do espectro de acordo com os seus próprios interesses", afirmou a TIM.
Já a consultoria contratada pela Vivo apontou falhas na metodologia da Anatel que apontou ociosidade espectral. A Alvarez & Marsal afirma que em cidades menores, uma operação "eficiente" do ponto de vista técnico não exige a ativação de todo o espectro disponível. "Nesse sentido, a existência de parcela do espectro licenciado ainda não ativado em pequenos municípios não permite concluir que há espectro ocioso".
Competição
De uma forma geral, a própria noção de que medidas pró-competição seria necessárias no mercado móvel foi questionada pelas grandes empresas. Elas defenderam que há grande rivalidade entre o trio de operadoras nacionais, com reflexos no preço das cestas de serviços de telefonia.
"É fundamental que não se confunda nível de competição com uma quantidade significativamente elevada de players, até porque em determinados mercados, como é o caso do móvel, o nível de investimento necessário para se operar é bastante alto", afirmou a TIM, citando ainda a competição do setor com plataformas digitais.
A Claro seguiu linha similar, ao abordar ofertas de atacado. "[A] regulamentação atual já atende a demanda do espectro por diversos atores e, já existem mecanismos eficazes para o uso por interessados que não desejem se comprometer com a aquisição em editais ou queiram se utilizar de radiofrequências ainda não licitadas. Podemos citar diversas soluções regulamentares eficazes como a exploração industrial de radiofrequência, acordos de compartilhamento, roaming, MVNO, mercado secundário, entre outros".
Prorrogações
Outro ponto abordado no RUE é a alteração das regras de determinação das contrapartidas pela prorrogação das autorizações de radiofrequência. Também neste caso as teles levantaram ressalvas, como a fixação de compromissos de investimentos para os pagamentos.
"O estabelecimento de compromissos de atendimento traz um elemento de incerteza às prestadoras, uma vez que os critérios de aferição dos custos associados ao seu cumprimento podem ser subestimados pela Agência, fazendo com que a prestadora tenha de desembolsar um valor superior ao preço público da outorga , o que não teria amparo legal", afirmou a Vivo.
Já a regulamentação da possibilidade da titularidade de frequências foi considerado algo bem-vindo pelas grandes empresas.
Transferência de espectro é raro consenso em proposta do RUE