Com o cenário cada vez incerto em relação à aprovação do PLC 79/2016, que estabelece o novo modelo de telecomunicações, algumas das principais principais operadoras do país decidiram partir, diretamente, para a defesa do projeto, diante de uma oposição crescente da opinião pública. No entendimento das empresas, argumentos equivocados mas baseados em uma narrativa de forte poder midiático, como o número de R$ 100 bilhões referentes ao suposto valor dos bens reversíveis, ajudaram a construir esse cenário desfavorável para uma questão que há muitos anos é discutida no setor de telecom e que há pelo menos dois anos está na pauta de audiências públicas no Congresso e em debates setoriais. Durante o Seminário Políticas de (Tele)Comunicações, organizado nesta terça, 14, pela TELETIME e pelo Centro de Políticas de Comunicações da Universidade de Brasília, o presidente da Telefônica, Eduardo Navarro, iniciou sua fala lembrando de um episódio recente em que, ao conversar com um taxista sobre a reforma da previdência, ouviu do motorista que ele até aceitaria a reforma, se não fossem "os R$ 100 bilhões dados às teles". Navarro usou este episódio para ilustrar o fato de que o setor perdeu a batalha de comunicação sobre o projeto, a despeito dos méritos e dos ganhos para a sociedade que, na na visão de Navarro, o projeto inequivocadamente traz. Segundo o executivo, a Telefônica, por exemplo, não gostaria que o projeto fosse aprovado com a imagem de que houve algum benefício indevido para a empresa. "Não queremos essa mancha. Não é verdade que as teles receberão um presente de R$ 100 bilhões. Esse é um argumento muito fácil de demonstrar que é equivocado, mas nós falhamos em trazer a público essas questões". Os R$ 100 bilhões, como lembrou o presidente da Anatel Juarez Quadros, referem-se apenas à conta do valor patrimonial de bens que foram classificados como reversíveis na época da privatização, mas que não pertencem ao Estado, e sim às empresas, porque foram vendidos na privatização. "Existe muito ruído nessa comunicação e precisamos reforçar o sinal, trazendo fatos e dados", disse o presidente da agência.
O professor da faculdade de Direito da Universidade de Brasília e coordenador do CCOM/UnB, Márcio Iório, corrobora esta visão. Para ele, o argumento dos bens reversíveis é tão insólito que o que deveria ser um argumento a favor da mudança de modelo se tornou um argumento contra. "O discurso sobre significado de bens reversíveis inverteu a lógica. Se fosse assim, a notícia dos R$ 100 bilhões seria um argumento contra porque ele é um custo para o Estado. Nenhum bem reversível é patrimônio público. É privado, senão não reverteria. Para reverter tem um custo de indenização", disse Iório. Ele lembra ainda que o projeto de lei do novo modelo na verdade apenas reforça uma possibilidade de organização do mercado que já existia desde a Lei Geral de Telecomunicações, mas que nunca foi aplicada.
Para Murilo Ramos, professor da faculdade de Comunicação da UnB, o setor de telecomunicações não conseguiu manter uma narrativa que vinha sendo consistentemente construída, principalmente desde que foram realizadas consultas públicas, ainda no governo Dilma, sobre o novo modelo. "A opção pelo PL 3.485/2015 foi um atalho, e como todo atalho é um caminho desconhecido. Atalho também aparece como sinônimo de estorvo no dicionário", lembrou o pesquisador. Para o acadêmico, o governo tinha a opção de colocar o debate em outras bases, até porque era um tema que vinha sendo travado há muito tempo. "Nós mesmos, nesse seminário, já tratávamos em 2009 sobre o futuro do serviço público e o enquadramento da banda larga", disse. O mais prudente nesse momento, afirmou, seria o setor de telecomunicações ter buscado a votação do projeto nas comissões e no plenário, ainda que isso consumisse um pouco mais de tempo.
Outra narrativa
Para Mário Girasole, vice-presidente regulatório da TIM, o texto do PL 79/2016 é excelente e deve ser apoiado, mas será preciso convencer a sociedade de que ele é importante a partir de outra narrativa, em que se possa mostrar os ganhos e as transformações que o modelo trará, inclusive para a banda larga. Girasole defende que as empresas de telecomunicações trabalhem de maneira cooperada para apresentar os projetos e as propostas que resultarão da mudança de modelo.
Para Navarro, da Telefônica, o projeto não elimina os pilares existentes no modelo atual, de universalização e de competição, mas traz um componente novo importante que é o de sustentabilidade dos investimentos.
Marco Schroeder, presidente da Oi, lembrou que a mudança proposta é importante para tornar o setor atrativo a investimentos novamente, e que a indústria de telecomunicações precisa defender os benefícios trazidos pela mudança legal.
Para o secretário de telecomunicações do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, André Borges, todas as posições são conhecidas e dificilmente o alongamento do debate trará algo de novo. Para ele, o importante é que o governo consiga apresentar projetos agora que contemplem uma perspectiva real de melhorias na cobertura de banda larga, mesmo diante das restrições orçamentárias existentes.
Se o projeto é tão bondoso assim, por que então a pressa para aprová-lo no Congresso? Por que não houve debates anteriores amplos e abertos com a sociedade? E algo não ficou muito bem explicado pelas falas destacadas na matéria: se são bens reversíveis e, sendo assim, pela LGT, eles devem retornar às mãos do poder público ao final dos contratos de concessão (até mesmo para a continuidade do serviço, creio eu) como esses bens podem ser classificados como "privados"?