Se monopólios naturais não forem colocados sob controle e regulamentação públicos, arriscamos tornar uma economia liberal em um neofeudalismo?. A frase não é de nenhum neoesperto ou neobobo caboclo metido em uma das atuais campanhas eleitorais. Trata-se da opinião do ministro de Infra-Estrutura italiano, Antonio Di Pietro, ao comentar a decisão da Telecom Italia de separar sua unidade móvel de telefonia TIM das demais operações, para resolver problemas de dívida do grupo controlador da empresa. Di Pietro, além de se declarar favorável ao uso da golden share em mãos do Estado italiano, sugeriu também a troca da administração da TI, comandada pelo empresário Marco Tronchetti Provera.
Não importa o desfecho da crise aberta na gestão de um dos maiores grupos de telecomunicações da Europa. A frase do ministro italiano que abre este editorial deve ser levada em conta para reflexão nossa num momento em que fica evidente que o modelo brasileiro das telecomunicações (aquele do binômio competição e universalização, de Sérgio Motta) precisa ser repensado. Está agonizante. Talvez até já tenha morrido e não nos demos conta. O próprio Sérgio Motta preconizava reavaliações periódicas, para não falar da sempre adiada Lei de Comunicação de Massas.
O mundo não é mais o mesmo dos tempos da privatização. Passados quase dez anos, se vê internacionalmente e também no Brasil um crescente processo de consolidação de operadoras fixas e móveis, além do desaparecimento, fusões e incorporações de fornecedores tradicionais de produtos e serviços de telecomunicações.
No caso brasileiro, a perspectiva de entrada de novos investidores estrangeiros são remotas e os centros de decisão no mundo globalizado estão cada vez mais fora do País. Tudo isso poderia ser encarado sem maiores preocupações se tivéssemos um modelo de negócios estável, que desse garantias a quem queira assumir riscos no Brasil, seja capital nacional ou estrangeiro. E mais: agências e autarquias confiáveis cuidando da regulamentação e fiscalização. Não é o caso. A legislação e o conjunto de regras que regem as telecomunicações, a comunicação de massa e a TV por assinatura são confusas e contraditórias. Embora a tecnologia possibilite a convergência de serviços, a TV aberta, DTH, cabo, MMDS, telefonia e comunicação de dados convivem num ambiente de insegurança e desconfiança. Órgãos do Estado, ou seja, agências, como a Anatel, e autarquias, como o CADE e a CVM, acumulam processos que se perdem na burocracia e no bacharelismo. Do lado do governo, não há a definição de políticas. Prevalece a indefinição e as confusões acabam convergindo todas para o Judiciário, também lento e ineficiente, com juizes despreparados para julgar os assuntos do setor. São vários os casos recentes que correm nessa vertente: licitação do WiMAX; operação de DTH da Telefônica; compra da operadora de cabo Way Brasil pela Telemar; e licitação das freqüências de 3G; não esquecendo da TV digital terrestre que ainda será tema de muita controvérsia jurídico/regulatória.
Novo modelo já
A necessidade de um novo modelo institucional conjunto para as telecomunicações e comunicação de massas em geral é evidente. E é claro também que sua elaboração será complicada. Não sairá da cartola de nenhum ministro mágico. Resultará de uma discussão prolongada onde deverá prevalecer o interesse público. E não o poder dos lobbies e os conflitos de interesse existentes no Congresso e na mídia.
A crise, agora, da Telecom Italia (TI) é emblemática. Particularmente, pelos reflexos que tem no Brasil, onde os ativos da empresa foram, na prática, colocados à venda. Ou seja, a TIM Brasil, segundo seus controladores de Milão está à espera de compradores. Se o corretor escolhido por Provera for o mesmo encarregado da venda da participação italiana na Brasil Telecom, pode-se prever que vem aí encrenca. Na Brasil Telecom, o broker é o empresário Naji Nahas, especialista em fazer contratos com o Opportunity ? execrado pelos fundos de pensão e Citibank, com os quais os italianos têm que chegar a um acordo nas próximas semanas por determinação da Anatel. Nenhum dos qualificados executivos brasileiros da TI ou da TIM teve acesso a essas negociações que até o momento deram com os burros n?água. Há um forte cheiro de confusão no ar, com um empresário que deve ?42 bilhões vendendo às pressas ativos não se sabe ainda muito bem para quem, a que preço e em que condições. Na Itália, o ministro Di Pietro já deu o recado: em nome do interesse público não vai aceitar qualquer negócio e pediu o afastamento de Provera da gestão.
E no Brasil, quem fala em defesa do interesse público? Será que esse caso também vai acabar no Judiciário? Teremos a volta de Daniel Dantas e sua tropa? Será que as telecomunicações e todos os serviços convergentes agregados continuarão a ser em nosso País um negócio garantido e bom apenas para escritórios de advocacia? Ninguém merece, como dizem os adolescentes de hoje.